junho 30, 2004

Distinções

 
 
(c) Bill Watterson

junho 29, 2004

O Barco dos Loucos


A Renascença desenvolveu uma deliciosa, porém horrível forma de lidar com os seus cidadãos loucos: eram postos num barco e confiados à navegação, porque, como toda a gente sabia, o mar e a loucura tinham afinidades entre si. Assim, os barcos dos loucos cruzavam os mares e os canais da Europa com a sua cómica e patética carga de almas. Alguns encontravam uma cura na flutuante mudança de cenários, na insolação do naufrago, enquanto outros afastavam-se ainda mais, pioravam, morriam longe da terra natal e da família. Desta forma, cidades e vilas livravam-se dos seus loucos e ao mesmo tempo desfrutavam do prazer ocasional de acolher um novo barco, uma novidade de lunáticos estrangeiros que atracavam nos seus portos por uns dias. (adaptado da introdução de Jose Barchilon ao livro de Michael Foucault, "História da Loucura")

junho 24, 2004

Prêt-à-porter II

Qual o prazo de validade de uma ideia? Vestem-se de palavras e dificilmente se despem. Habitam um presente que rápido se faz passado. Nascem num Homem amanhã já morto. E o que sobra? Distorção de algumas, esquecimento das outras.

junho 22, 2004

Prêt-à-porter

Quando mentes vestes essa roupa a mais que te afasta da nudez da Verdade. Não te esqueças que, embora pareça, não está assim tanto frio.

junho 21, 2004

Física e Computação: Qual é a ponte? Quais são as margens? (última parte)

Não creio, porém, que a validade da Tese de Church seja uma má notícia para o progresso da Ciência. Existem muitos pontos obscuros e talvez algumas luzes que apontam para descobertas futuras:
  • As recentes ligações entre sistemas dinâmicos e a computabilidade. Por um lado as questões da Teoria da Computação passam a ser relevantes em outros domínios físicos. Também as características dos sistemas dinâmicos (como a teoria do Caos) tornam-se mais próximos da computação. Há sistemas dinâmicos cuja capacidade de computação convive com a existência de órbitas estranhas e comportamentos caóticos.
  • A complexidade emergente de um conjunto de interacções simples pode trazer respostas fundamentais sobre variados processos naturais. Mesmo se a Tese de Church Estendida for válida, a emergência produzida pela interacção de um enorme número de unidades simples pode ser suficiente para a resolução efectiva de muitas instâncias de problemas exponenciais.
  • A aleatoriedade inscrita na Matemática (descoberta por Chaitin) pode criar outros contactos entre a computação, os processos estocásticos e a dinâmica quântica.
  • A possível construção de uma nova visão científica baseada nos números discretos (defendida por Zuse, Fredkin e Wolfram no livro “A New Kind of Science”) pode libertar as teorias matemáticas e os modelos físicos dos números reais. Uma consequência deste facto seria aproximar a visão da Física à visão da Computação, salientando outros contactos entre estas duas disciplinas (ainda) misteriosamente interligadas.

junho 18, 2004

Absurdos

Porque olho o espelho quando não me quero ver? Porque manter a TV ligada que tanto me cansa? Porque insisto no que posso evitar? Serão as matizes da queixa, o atraente brilho de uma ânsia absurda?

junho 17, 2004

Opiniões

"Senhor, é melhor morrer de acordo com as regras do que viver em contradição com a Faculdade de Medicina" - Moliére [Médico a falar com um paciente recuperado por um tratamento heterodoxo]

junho 15, 2004

Física e Computação: Qual é a ponte? Quais são as margens? (parte II)

Será possível que o Universo se reja por leis computáveis? E se assim for, será que a Tese de Church Estendida se verifica? A recente linha de investigação da computação quântica parece negá-la. É possível encontrar algoritmos polinomiais nas máquinas quânticas para problemas cuja solução na MT possui complexidade exponencial. Mas ainda não existe um computador quântico em funcionamento nem existem estimativas concretas para alcançar esse objectivo... Porém, é conhecido que os limites computacionais dos computadores quânticos são iguais aos da MT, logo não são máquinas super-Turing (MST) que – caso existissem – negariam a Tese de Church. Talvez Einstein ao comentar “Deus não joga aos dados” quisesse dizer “Deus não usa máquinas super-Turing”. Talvez não suspeitasse tanto da Teoria Quântica se conhecesse estes resultados.

Existem investigações sobre MST capazes de executar hipercomputações (i.e., computações para lá do limite das MT). Uma familia dessas máquinas baseia-se no uso de reais. Os números reais possuem uma longa história de sucesso na Matemática. São o alicerce do cálculo, ferramenta indispensável na teoria de Newton e na maioria das teorias físicas. Os modelos da Física usam reais para representar a nossa imagem do Mundo. Desta forma, os construtores deste tipo de MST defendem-se por utilizarem a mesma bagagem conceptual usada da descrição da realidade. Mas será isto uma atitude defensável? Os reais são conceitos abstractos. Da mesma forma que o círculo ou a recta são idealizações úteis para o geómetra, os reais são idealizações úteis para o físico. Nem os círculos nem os reais existem a não ser, talvez, como ideais platónicos. Não possuem correspondência na realidade, cujas pistas providenciadas pela Ciência moderna apontam cada vez mais para a essência discreta da Natureza. Qualquer modelo é apenas um reflexo distorcido da realidade. O contínuo é uma aproximação do discreto, uma ferramenta conceptual capaz de simplificar teorias cientificas mas que pode adulterar conclusões se for levada aos seus extremos lógicos. Existe um limite para o qual as abstracções não são concretizáveis.

junho 14, 2004

Medidas

Talvez o horizonte nos fascine porque podemos preenchê-lo com a mesma imaginação que nos povoa a memória.

junho 09, 2004

Física e Computação: Qual é a ponte? Quais são as margens? (parte I)

Desde os anos 30, os formalismos apresentados para descrever computação multiplicaram-se (ver História da Computação). As mais variadas formas de expressão da computabilidade eram análogas. Seria a computação uma invenção ou uma descoberta? O que começara como uma série de invenções, abstracções matemáticas livres de contexto, tornaram-se reflexos de uma descoberta mais profunda. Kleene, em 1952, apelidou de Tese de Church a conjectura vigente que a máquina de Turing (MT) e sistemas equivalentes exprimiam o conceito intuitivo de algoritmo. Esta tese teve posteriormente uma versão mais forte, a Tese de Church Estendida que afirma que qualquer processo computacional fisicamente realizável pode ser simulado por uma MT com atraso polinomial. Ou seja, as computações executadas por MT são tão eficientes (em termos de complexidade) como qualquer sistema computacional fisicamente realizável.

Num outro caminho, no fim do Século XIX, começavam a surgir diversas pistas que obscureciam o sucesso sem precedentes da Física. A precessão de Mercúrio não era explicável pela teoria de Newton; a radiação do corpo negro, um problema posto por Kirchhoff, não podia ser resolvido convenientemente pela Física da altura. Esses e outros eventos levaram à construção da Teoria da Relatividade e da Teoria Quântica, revolucionando totalmente a Física dos últimos 100 anos.

Em 1993 descobriu-se que usando somente as leis de Newton, existem situações gravitacionais com N corpos que não seguem um padrão simulável num computador. isto é, demonstrou-se que o cálculo dessas órbitas não são computáveis pela MT! Porém, ao usar efeitos relativistas, as órbitas recaíam novamente no domínio da Tese de Church. Não é uma questão explicável pela noção de caos (o efeito permanece se fornecermos ao sistema dados com precisão infinita). Ou seja, a Teoria de Newton viola a Tese de Church-Turing. O que significa isto? Poderemos usar a Tese de Church como elemento falsificador de teorias científicas? Um modelo teórico pode ser invalidado se for encontrado um fenómeno não computável pela MT? A Tese de Church não pode ser violada por modelos físicos? Toda a Física tem de ser computável? Estas questões terão respostas muito diferentes de físicos e filósofos, mas o facto da pertinência da pergunta já é suficientemente interessante para uma investigação mais profunda.

junho 08, 2004

A redenção são os outros

A distância indiferente dos planetas diz-me tanto como este lápis. O sentido de mim faço-o nos outros, em ti, naquele que talvez nunca conheça.

junho 07, 2004

Aproximação

Aprendemos e ensinamos por sucessivas aproximações do que achamos ser verdade. Aproximação é palavra suave para dizer mentira. Não tem grande mal enquanto nos lembrarmos disso. Aluno e professor.

junho 03, 2004

Abducção

Uma teoria matemática (i.e., um sistema axiomático) define-se através de:
  • Axiomas (verdades por definição)
  • Regras de inferência (combinam verdades para produzir mais verdades)
Um teorema T é verdadeiro a partir de uma teoria se existir uma sequência finita de passos lógicos que levem a T. Estes passos lógicos têm de começar em verdades conhecidas (axiomas ou teoremas já conhecidos) sendo aplicações das referidas regras de inferência. Assim, o raciocínio matemático é puramente dedutivo. Toda a verdade está contida na teoria inicial. A dedução é a única ferramenta capaz de extrair os padrões enterrados nessa teoria. Por isso se diz que não é possível extrair um teorema de 20 Kg de uma teoria que só pesa 10 Kg.

Mas a Matemática também se faz de pessoas. E nem sempre a dedução é o único processo utilizado. Em vez dos constante pequenos passos sobre a luz de um sistema axiomático, dá-se ocasionalmente enormes saltos no escuro. E no seio do desconhecido encontra-se uma potencial verdade (uma conjectura) de 20Kg à qual a nossa teoria de 10Kg não permite validar e para a qual é necessário recriar, expandir (ou mesmo deitar fora) a teoria utilizada. Muitos destes saltos são processos de indução (que já aqui referi) ou de abducção (palavra introduzida por Charles Peirce). Enquanto a indução diz:

A1 é B
A2 é B
A3 é B
--------------------------
Logo todos os Ai são B

A abducção diz:

Se ocorre C então ocorre D
Ocorreu D
--------------------------
Logo ocorreu C

Ambos os raciocícios podem produzir conclusões erradas. No entanto estes raciocinios fazem parte integrante da forma como construímos explicações do Universo. Mesmo que as conclusões não sejam verdadeiras per si (tendo de se validar por meios dedutivos ou estatísticos), Peirce argumentou que a indução e a abducção fazem parte de uma "lógica" da descoberta. Este processo seguiria os passos seguintes:

1) Observação de um problema não previsto pelas Leis em vigor (ou de uma conjectura de 20Kg sobre uma teoria de 10Kg)
2) Abducção de uma hipótese nova (que leve a uma teoria com 20Kg ou mais) para explicar (1)
3) Teste indutivo com experimentações para validar determinadas propriedades de (2)
4) Confirmação dedutiva de (1) a partir de (2)

Para Peirce a abducção era restrita à geração de hipóteses explanatórias (servindo apenas no passo (1) da descoberta científica). Posteriormente foi generalizada como um tipo de inferência - se não válida - pelo menos tão criativa como a indução.

junho 01, 2004

K.O. Técnico

A memória entra sempre em conflito com a História. Durante algum tempo. Depois da morte da última testemunha, a História ganha por falta de comparência.