setembro 29, 2009

Definições e Limites

A maioria define a normalidade e, por arrasto, os seus extremos, como a loucura ou o génio. Mas, por maior que seja, nem sempre decide bem, nem sempre age correctamente, não é dela o domínio da verdade.

setembro 25, 2009

Lances

O sistema judicial não é sinónimo da Justiça, nem sequer é uma instância desse ideal impossível. Este sistema, a que por coerção social nos sujeitamos, é um jogo. Um jogo com regras muito complexas, mutáveis (teria sempre de o ser, nos seus detalhes, para espelhar a dinâmica do mundo) e construídas, maioritariamente, por pessoas que dela precisam para o seu sustento financeiro (advogados, juízes, juristas...). Dirão que as regras têm de ser definidas por especialistas, o que faz sentido. Mas pensaria o leigo, tendo em consideração que o Direito é uma venerável disciplina milenar, que o resultado disso seriam leis estáveis, coerentes, legíveis e pouco ambíguas. Mas o resultado, não raras vezes, é tudo menos isso. Quem não versado nas leis, ao tentar ler um decreto que lhe interesse, depara-se com um texto denso, quase impenetrável. Um texto que foge a uma interpretação concreta, que dê uma explicação simples sem exigir uma travessia labiríntica, por outros decretos, numa causalidade sem fim aparente e que derrota o leitor deixando-o desamparado. Serão as regras deste jogo necessariamente tão complexas ao ponto de ninguém externo ao mundo legal as possa entender sem ajuda desse mesmo mundo legal? Quando um conjunto de pessoas detém a feitura das regras do jogo que depois o usa para ganhar dinheiro e estatuto, há uma pressão, uma tentação fundamental, de tornar a sua própria presença inevitável. Isso seria, só por si, muito pouco ético. Mas receio que seja pior. O palimpsesto legal é tão imenso que é capaz de suportar vários níveis de especialistas. É tão fragmentado e complexo que existem sempre refúgios e saídas, excepções de excepções de excepções que tornam, para quem tenha a mestria necessária, até o mais óbvio numa embrulhada legal que aborta qualquer conclusão rápida ou mesmo, ao limite, qualquer conclusão justa. Imagino um advogado como um jogador de um xadrez barroco, com milhares de regras e ressalvas, a tentar ganhar, com lealdade, a partida ao seu cliente. Só que a qualidade do jogador que o cliente é capaz de contratar para a sua defesa é proporcional à sua capacidade financeira. Nem todos podem contratar grandes mestres de xadrez. Assim, qualquer caso, por mais injusto que seja, por mais culpa que um dos litigantes tenha, por mais desvantagem inicial que possua, é, em última análise, a qualidade do jogador que determina o resultado da partida. Só que o resultado da partida deveria ter mais a ver com essa difícil, mas irredutível coisa, que é a realidade do que aconteceu.

setembro 22, 2009

Axiomas e Dogmas

Qualquer ideologia - qualquer sistema de olhar para o mundo com uma certa finalidade - que se baseie num ou outro livro «sagrado» (seja uma Biblia, seja um Capital) padece do mal da heresia. Ao dogmatizar as milhares de frases do livro que a criou, dá demasiada importância à interpretação das mesmas, tornando essa interpretação uma ferramenta de poder. Qualquer divergência, qualquer desviar do dogma consensual, é um desafio e uma ameaça, um canal aberto por onde as massas podem desaguar e que deve ser fechado pelos meios que esse poder dispõe. Um pequeno conjunto de axiomas simples necessita de um esforço continuo de argumentação racional para acompanhar e vigiar uma dinâmica de sociedade. Já uma imensa lista arbitrária e incoerente de preceitos apenas se sustenta através da força opaca do acreditar.

setembro 19, 2009

setembro 17, 2009

Domínio

"Uma das estratégias dos regimes totalitários é terem regulamentos legais (leis criminais) tão severos que, se tomados literalmente, todos seriam culpados de alguma coisa. Mas então a aplicação total da lei é revertida. Desta forma, o sistema parece misericordioso: "Veja, se nós quiséssemos, poderíamos prendê-los e condená-los, mas não tenham medo, nós somos indulgentes..." Ao mesmo tempo, o regime mantém a permanente ameaça de disciplinar os seus cidadãos. Na antiga Jugoslávia havia o infame artigo 133 do código penal que podia sempre ser invocado para perseguir escritores e jornalistas. Ele criminalizava qualquer texto que falsamente apresentasse os progressos da revolução socialista ou que pudesse causar tensão ou descontentamento na população pela forma como lidava com questões políticas, sociais ou outras. A última categoria não só é infinitamente elástica como, convenientemente, auto-referente: o próprio facto de se ser acusado por aqueles no poder não é, em si, prova que se provocou tensão ou descontentamento na população? [...] Temos aqui uma sobreposição de uma potencial culpabilidade (qualquer acção pode ser um crime) e misericórdia (o facto de se viver livre não é consequência de se ser inocente, mas sim da benevolência de quem está no poder). Isto é uma evidência que os regimes totalitários são, por definição, regimes de misericórdia: eles toleram violações da lei porque, na forma como modelam a vida social, essa violação bem como os subornos e a batota tornaram-se condições de sobrevivência." Slavoj Zizek, Violence

setembro 14, 2009

Religião Aplicada

A fé é o inverso da razão, a sua némesis. Nenhum dos seus frutos pode resultar em algo útil para a humanidade. Seria possível imaginar uma religião sem fé se os deuses existissem, se estes deixassem, no mundo, marcas profundas e suficientes padrões para que, após um período de adaptação, um conjunto de ritos os permitissem aplacar. Seria um exemplo de religião aplicada, uma versão científica para lidar com superforças naturais e conscientes. Mas os deuses não existem e, assim, as religiões têm de se basear em asserções de fé, na crença inane que sai tanto mais fortalecida quanto menor for a evidência apresentada a seu favor pela realidade.

setembro 11, 2009

Finalmente

2009 has been a year of deep reflection - a chance for Britain, as a nation, to commemorate the profound debts we owe to those who came before. A unique combination of anniversaries and events have stirred in us that sense of pride and gratitude which characterise the British experience. Earlier this year I stood with Presidents Sarkozy and Obama to honour the service and the sacrifice of the heroes who stormed the beaches of Normandy 65 years ago. And just last week, we marked the 70 years which have passed since the British government declared its willingness to take up arms against Fascism and declared the outbreak of World War Two. So I am both pleased and proud that, thanks to a coalition of computer scientists, historians and LGBT activists, we have this year a chance to mark and celebrate another contribution to Britain’s fight against the darkness of dictatorship; that of code-breaker Alan Turing.

Turing was a quite brilliant mathematician, most famous for his work on breaking the German Enigma codes. It is no exaggeration to say that, without his outstanding contribution, the history of World War Two could well have been very different. He truly was one of those individuals we can point to whose unique contribution helped to turn the tide of war. The debt of gratitude he is owed makes it all the more horrifying, therefore, that he was treated so inhumanely. In 1952, he was convicted of ‘gross indecency’ - in effect, tried for being gay. His sentence - and he was faced with the miserable choice of this or prison - was chemical castration by a series of injections of female hormones. He took his own life just two years later.

Thousands of people have come together to demand justice for Alan Turing and recognition of the appalling way he was treated. While Turing was dealt with under the law of the time and we can’t put the clock back, his treatment was of course utterly unfair and I am pleased to have the chance to say how deeply sorry I and we all are for what happened to him. Alan and the many thousands of other gay men who were convicted as he was convicted under homophobic laws were treated terribly. Over the years millions more lived in fear of conviction.

I am proud that those days are gone and that in the last 12 years this government has done so much to make life fairer and more equal for our LGBT community. This recognition of Alan’s status as one of Britain’s most famous victims of homophobia is another step towards equality and long overdue.

But even more than that, Alan deserves recognition for his contribution to humankind. For those of us born after 1945, into a Europe which is united, democratic and at peace, it is hard to imagine that our continent was once the theatre of mankind’s darkest hour. It is difficult to believe that in living memory, people could become so consumed by hate - by anti-Semitism, by homophobia, by xenophobia and other murderous prejudices - that the gas chambers and crematoria became a piece of the European landscape as surely as the galleries and universities and concert halls which had marked out the European civilisation for hundreds of years. It is thanks to men and women who were totally committed to fighting fascism, people like Alan Turing, that the horrors of the Holocaust and of total war are part of Europe’s history and not Europe’s present.

So on behalf of the British government, and all those who live freely thanks to Alan’s work I am very proud to say: we’re sorry, you deserved so much better.

Gordon Brown

setembro 09, 2009

Espaço de Manobra

Santo Agostinho defendeu que um milagre não é uma violação das leis naturais mas sim uma violação do nosso entendimento das leis naturais. Deste modo, há uma restrição aos poderes do deus de Agostinho, pois as suas acções são restritas pelas próprias leis que definiu. Esta interpretação, porém, não diz tudo. De facto, quando ocorre um milagre, i.e., um evento tão raro ou complexo que nos surpreende ou intimida, é dada à humanidade uma oportunidade para aprofundar e aperfeiçoar o seu entendimento sobre a natureza. A nossa ignorância sobre os mecanismos do Universo é uma ignorância natural e não sobrenatural. O sobrenatural mostra-se, aliás, um conceito vazio - no que diz respeito ao Universo - pois nada do que vai contra as leis naturais é nele possível. Se a nossa ignorância estiver reduzida a um ponto em que os eventos milagrosos se tornam tão extremos que deixam de ter impacto na nossa vivência diária (como é o nosso caso, onde as fronteiras se desenham já no profundo do micro e do macrocosmos) os milagres deixam, pura e simplesmente, de ocorrer. Deus, o agente de acções milagrosas cuja falta de evidência nunca o permitiram ser mais que uma hipótese, vê, deste modo, retirado o seu espaço de manobra e é tornado irrelevante no mundo físico (poderá dizer-se que ainda sobra espaço no plano moral, mas aí é uma outra batalha, tendo de competir com a poderosa força da razão ética). Restaria apenas ser sinónimo do desconhecido se não fossem tantos os equívocos que na sua palavra se acumulam.