março 31, 2011

Solidariedade Inter-geracional

Salvo morte ou má-sorte inesperada é errado a um pai deixar aos seus filhos uma herança com mais dívidas que créditos. Esta ideia deveria servir de analogia às decisões económicas da sociedade. Uma geração deve evitar viver à conta do esforço futuro dos seus filhos. Assim, qualquer política insustentável, ou sustentável sobre premissas de duvidosa probabilidade, seria vista como socialmente errada. Com isto em mente, o que dizer-lhes sobre as nossas escolhas? Sobre os investimentos públicos que escolhemos, os benefícios que a nós próprios concedemos, a exigência e qualidade da educação que lhes damos?

março 29, 2011

Exploração

Por volta de 1990, sentado à frente de um então poderoso Intel 80486, lembro-me ainda do prazer de explorar os infinitos interstícios do conjunto de Mandelbrot com o velhinho Fractint (software que ainda existe!). Deixo-vos um pouco dessa sensação, agora actualizada a 3D, na exploração do Mandelbox:

março 28, 2011

Redução

Os nossos preconceitos tiram-nos liberdade ao reduzir as opções possíveis às opções aceitáveis. O mesmo se passa com a honra ou com a exigência da virtude. Ou no acordo social da comunidade onde somos o que somos.

Há outras restrições às opções possíveis, e que reflectem aspectos da realidade não deliberados: restrições económicas, geográficas, tecnológicas, de recursos, físicas ou mentais. Mas estas não são do domínio da liberdade, não são resultado directo de uma opressão consciente, política ou social, individual ou colectiva. E estas não são as mais difíceis de resolver ou minorar.

março 25, 2011

Hipocrisia Aplicada

Isto pode-se fazer:Já isto é proibido:

On October 21, 1971, [...] Disney accused the Pirates of copyright infringement, trademark infringement, unfair competition, intentional interference with business, and trade disparagement through the wrongful use of its characters. It stated that Disney, through "great effort and...large sums of money," had created characters whose "image of innocent delightfulness...are known and loved by people all over the world, particularly children" and that the defendants' efforts to "disparage and ridicule" these characters threatened to destroy Disney's business. The complaint requested that Disney be awarded all of the Pirates' profits, $5,000 for each copyright infringement, treble damages for the trademark infringement, punitive damages of $100,000 from each defendant, surrender of the offending books, and reimbursement of its attorneys' fees. [ref]
Disney filed a million dollar lawsuit against a family-owned clown company for trademark infringement. Marisol Perez-Chaveco and her husband run Kool Klown Party People in Claremont. The couple bought Winnie-the-Pooh, Eyeore and Tigger costumes on eBay for $700 and advertised the caracters on their company website, MySpace and Craig's List. Disney sent them three letters demanding them to remove the pictures and turn the costumes over to Disney so they can be destroyed. If not they would be sued. [ref]


Mapas e Territórios

(c) xkcd

março 21, 2011

Inércia II

Parte da moral de uma cultura resulta das condições de vida, dos recursos e da simpatia dos elementos naturais. O problema de dogmatizar preceitos morais é estes perderem a razão de ser com o progresso social e com a eliminação dos problemas que motivaram inicialmente esse comportamento. O que antes tivera uma utilidade social passa a ser um travão, uma restrição ou permissão irracional.

março 18, 2011

Inércia

Se existe um mecanismo inato para a aprendizagem de uma moral particular (a da cultura onde se nasce), isto significa que, à imagem da linguagem, as possíveis morais humanas - para além de limitadas pelas capacidades cognitivas da espécie - também partilham uma estrutura básica comum, sendo os detalhes, os diversos parâmetros dessa gramática moral, preenchidos pela respectiva sociedade onde o individuo se insere e se faz adulto. Mas isto terá uma outra implicação: se a aprendizagem da primeira moral é natural e automática (como o aprender da língua nativa), aprender uma segunda moral é uma tarefa onerosa, difícil e quase nunca totalmente concretizada. Se for assim, este é um mecanismo de inércia à mudança, uma resistência passiva própria das culturas. Para quem nasce numa comunidade que desenvolveu, ao longo da sua história, uma moral mais dogmática, preconceituosa, provinciana, a oportunidade da uma saída representa um choque, a possibilidade uma nova tragédia.

março 14, 2011

Interesses

Um post completo de um novo blog de teoria política muito interessante:

"The remarkable truth of this conversation between bleeding heart libertarians and progressives is that our disagreement is exclusively empirical. If we all agree that political institutions should be arranged to alleviate poverty, then the only remaining question is which policies actually do this. Why is it then that we cannot agree, or at least converge, by just looking at reliable data, studies, and empirical theories?

I suggest an answer: in the political arena, a person often supports a policy, not because of the effects he thinks that policy will have, but because his supporting it has symbolic value for himself or others. Supporting the minimum wage is an act that stands for a value such as concern for the poor. The person who is concerned for the poor wants to express that concern, and there are acts that socially symbolize that concern: praising the New Deal, announcing that you voted for a Democrat, supporting public schools, criticizing Bush.

Symbolic behavior, I hasten to say, is not exclusive of progressives. In libertarian circles someone may oppose environmental regulation for symbolic reasons. That position evinces a hostile attitude toward government regulation in general which he wants to express. In his haste to send the right signals he overlooks (say) the problems of externalities and market failure.

The speaker in these cases might not simply want to express himself. He may be anxious to be accepted in certain groups who associate the verbal act with other beliefs that the speaker presumably has and that make him a desirable candidate for admission.

I have found that this problem, self-defeating political symbolism, is extraordinarily hard to eradicate and fatally gets in the way of agreement between these two audiences. Progressives feel compelled to stand by their positions even in the face of evidence that the policies they advocate frustrate the goal they profess. They stick to those views because the views strongly symbolize and give unity to a vision of the world associated with social justice. Libertarians, on the other hand, have a hard time convincing progressives that they care for the poor because they endorse policies that do not socially symbolize concern for social justice.

I do not know how to get around this problem, but, for whatever is worth, I find symbolic behavior morally objectionable, because the speaker cares about the values he expresses more than about those persons he says he wants to help." Fernando Teson, Bleeding Heart Libertarians

março 08, 2011

Heresias

A Heresia é um crime de pensamento. Ela que ocorre quando se rejeitam dogmas da religião ou ideologia em questão. Quando o limite imposto ao que é aceite como modelo ou verdade se baseia num arbitrário tradicional, qualquer reavaliação crítica vê-se perante uma resposta violenta. Não é possível dialogar com uma corporação religiosa ou ideológica que se proclama revelada. Sustenta-os a palavra que é dogma, seja de origem divina, profética ou fossilizada numa obra secular. E essa palavra, uma vez em acção, não se altera pacificamente porque não é no argumento racional que encontra forças. É surda e agressiva, conservadora do poder que obteve na sorte do processo histórico.

A história da Igreja Católica é milenar. Tendo em conta o número de dogmas impostos ao longo dos séculos, muitos deles derivados de questões políticas ou de lutas de poder (como no concílio de Niceia) mas que há muito perderam significado. Por isso, não é surpreendente o número de heresias erradicadas pelo ramo mais bem sucedido do cristianismo. Entre a extensa lista, encontrei dois exemplos de heresia que usavam a racionalidade como arma.

Monarquianismo: Assentavam na natureza única de deus que implicava a rejeição da trindade. Estas heresia nasceu nos séculos II e III. Os seus seguidores estudavam os textos sagrados através de silogismos e eram admiradores de sábios como Euclides, Aristóteles ou Galeno. Houve vários ramos desta heresia, como os Modalistas, e diz-se que sobreviveram de uma forma ou de outra até ao século IX. [1]

Socinianismo: Esta também é uma heresia sobre a natureza de deus. Dois irmãos de sobrenome Sozinni na Polónia em meados do séc. XVI. A opinião herege era igualmente a negação da trindade por negar a unidade de deus. Neste caso, deus é uma entidade única sendo o espírito santo o seu poder. Assim, ao promover a unicidade, cristo não poderia ser uma entidade humana e divina. E isso implica negar a divindade de Jesus bem como a sua pré-existência. A Bíblia era autoridade apenas quando interpretada através da razão [1, 2]. Esta crença teve um grande impacto na Europa de Leste, tendo durado cerca de um século antes de desaparecer.

março 03, 2011

Ideologia

A ideologia é uma falha cognitiva humana que impede um sujeito de processar evidência incompatível com os seus princípios. Isto costuma ocorrer de forma inconsciente e automática. Ninguém está a salvo deste problema. Os preconceitos e as inclinações são-nos naturais e é apenas através de um esforço crítico constante que conseguimos lutar contra esta tendência. A partir de um certo nível, a cegueira ideológica pode transformar-se em fanatismo (religioso, político) onde nenhuma evidência contrária é considerada. O fanático é um sujeito que habita um mundo maniqueísta de certezas e dogmas revelados.

Sou da opinião que a filosofia liberal (no sentido clássico do termo) deu-nos a resposta mais apropriada para lidar com este problema. Uma atitude liberal assenta no admitir sempre a possibilidade que o outro possa ter razão, e que é errado coagi-lo para que não proponha soluções diversas. Ou seja, a promoção da tolerância. A tolerância tem custos e riscos (devemos ser tolerantes em relação aos fanáticos? deve ir a eleições um partido antidemocrático?) mas, no geral, é uma aproximação pouco ideológica que, diz-nos a experiência, é capaz de lidar com o bem comum.

Ser tolerante não significa aceitar de igual modo todas as soluções ou que todas elas são igualmente válidas (as teses sofistas ou pós-modernas). Cada solução é suportada em argumentos e evidência, o que lhes atribui um certo grau de qualidade e viabilidade. Uma solução é melhor se do seu lado houver mais argumentos a favor que contra, mais evidência positiva que negativa. Sem informação relevante não podemos ter convicções fortes que uma política é melhor que outra, ou seja, não há soluções absolutas nem argumentos últimos. Há sim um acumular de razões, de teorias, de experiências que podemos usar para melhorar as nossas decisões presentes e futuras.

Estas noções são subjacentes às sociedades liberais modernas, sejam elas conservadoras, social-democratas ou liberais (eis uma palavra com demasiados usos...). A tolerância, a democracia, os direitos fundamentais são conceitos considerados não negociáveis na cultura dita ocidental e tão óbvios que os assumimos naturalmente. Por um lado isto seria expectável porque estes conceitos correspondem a uma prática política e social que obteve muitos sucessos e trouxe uma melhoria geral nas condições de muitos povos, principalmente se comparados com a esmagadora maioria dos estados totalitários. Por outro, é um pouco surpreendente dada a sua implementação social, em termos históricos, ser muitíssimo recente e estando ainda por concluir (lembrar as polémicas e alergias gregárias que levantam os direitos dos homossexuais ou o aceitar da eutanásia activa).

Tendo em conta o carácter axiomático que um liberal clássico dá às liberdades individuais, uma política só é adequada se a sua execução não colocar essas liberdades em risco. Este ponto pode ser usado para arremessar a acusação ideológica ao liberal. Sem grande surpresa existe a variante fanática do liberalismo, os libertários, que advogam a quase total obliteração do estado com a premissa ideológica que nada que provenha do estado é positivo. Como qualquer tipo de pensamento fortemente ideológico, esta posição política é irracional sendo cega a factos históricos indiscutíveis (como a abolição da escravatura, a emancipação das mulheres ou a escolaridade universal, só para dar três exemplos básicos).

Como se disse no início, não parece ser possível erradicar as inclinações e preconceitos de um ser humano. Mas isso não significa que devamos minimizar o seu efeito. Ora um liberal também traça uma linha perante a qual não recua; um liberal não é um anarquista ou um niilista. Essa linha existe para defender os direitos fundamentais de cada pessoa (sendo crítica a discussão de quais exactamente são esses direitos). O que o liberal acredita é que essa linha não deve desenhada em favor de qualquer projecto social idealizado no passado (típico do conservador radical) ou no futuro (do progressista radical).

Argumenta o pensamento liberal que a livre expressão de todas as opiniões é o melhor caminho para apresentar, debater e encontrar soluções sustentadas. Estas soluções poderão, se a comunidade assim o entender, ser experimentadas no âmbito público. Daqui a necessidade da democracia para legitimar esta dinâmica pública de discussão. Prefere-se o uso de políticas suportadas na experiência, adaptáveis às circunstâncias presentes e resultados passados do que aquelas inspiradas em dogmas e certezas ideológicas. E se as soluções escolhidas ficarem aquém do prometido, o debate livre de ideias, alimentado com a nova evidência da experiência anterior, será capaz de propor e implementar novas soluções. Por isso um liberal clássico pode concordar com políticas conservadoras ou progressistas mas é totalmente incompatível com a execução de políticas totalitárias (pela sua própria natureza, antidemocráticas).

Não é de admirar que as sociedades liberais do ocidente se baseiam na experimentação (muitas vezes sincronizadas com ciclos eleitorais ou remodelações governamentais) e que esse experimentar produza múltiplos falhanços e, devido à inércia social e legislativa, num acumular de gordura estatal e burocracia redundante. O motivo é que elas também nos oferecem uma dinâmica e poder de adaptação que, mostra-nos a história dos últimos séculos, não encontra paralelo com governos ideológicos, fundados no absoluto tão típico dos regimes totalitários e teocráticos.