maio 31, 2005

Agir, mas...

Quando agimos, procuramos realizar as nossas intenções, mas ao mesmo tempo queremos conservar a nossa individualidade dentro da cultura que nos define. Existem assim, dois vectores que condicionam a acção: o desejo nosso e a aprovação dos outros. A escolha racional pode ser um processo de quantificação de opções e consequente ordenação de prioridades, porém não lida facilmente com o consentimento social. Podemos querer o mesmo mas em culturas diferentes agimos de forma diferente. Ao uniformizar culturas e pontos de vista, a globalização, por um lado, facilita (talvez) a ciência económica e política; por outro, torna-nos susceptíveis a estratégias globais de controlo.

maio 19, 2005

Despotismo vs. Política (última parte)

No despotismo clássico toda a sociedade é propriedade privada do déspota. No despotismo moderno a distinção básica tem-se consumido pelo outro lado: progressivas áreas da vida privada são publicamente reguladas. Se tudo controverso é considerado ‘político’ e (como diz um slogan popular) ‘o pessoal é político’, então nada está para lá da esfera do governo. Este argumento tem sido a premissa básica dos totalitarismos do século XX cuja consequência é fechar o indivíduo num sistema de controlo único. Slogans como ‘o pessoal é político’ são propostas de acção disfarçadas de verdades sobre o mundo surgindo em situações onde se exige políticas que afrontam valores adquiridos, como a liberdade individual. Diz-se que o preço da liberdade é a vigilância, e uma forma importante de vigilância é a atenção à retórica política (que muitas vezes revela o estado das coisas).

Um início de sabedoria em política é a atenção aos sinais de mudança. Como teatro de ilusões, a política não se revela facilmente ao olho distraído. Realidade e ilusão são duas categorias centrais no estudo político. O problema começa logo nos nomes das instituições. O domínio mundial da nomenclatura ocidental – parlamento, constituições, direitos, sindicatos, tribunais, jornais – parece sugerir que o mesmo género de política se mundializou. Não podia ser mais diferente! Dois exemplos. No Japão existe a figura do 1º Ministro mas um estadista estrangeiro rapidamente se apercebe da limitação deste para executar políticas nacionais. Em 1936, Stalin promulgou a constituição mais avançada do mundo durante as gigantescas purgas da elite soviética através de tribunais falsos.

Há uma tendência para confundir a natureza da política, através de argumentos elaborados que nos convencem ser as nossas ideias melhores que a dos nossos antepassados. Todas as culturas acreditam que os seus valores são os correctos mas, hoje em dia, estamos estranhamente presos aos nossos preconceitos. A doutrina do progresso, por exemplo. A moda actual é rejeitar esta doutrina e salientar o quanto somos o reflexo da cultura presente. Esta aparente forma de cepticismo parece libertar-nos da arrogância anterior. Mas esta aparência é uma ilusão e uma falsa humildade, mascarando a convicção dogmática que a nossa própria abertura faz este relativismo humano superior ao dogmatismo do passado e à intolerância das outras culturas. Quem pensa e escreve sobre política deve avisar contra os perigos do paroquialismo. Este facto é tão verdade agora como sempre foi.

(adaptado do livro Politics de Kenneth Minogue)

maio 17, 2005

Mistura

A literatura lembra-me a culinária. Esta mistura sabores, cheiros, cores; a outra mistura palavras com as sonoridades e os sentidos nelas inscritos. Tanto numa como noutra, para quem cria, interessa tanto o resultado como o processo da criação. São os nobres reflexos do fascínio alquímico da descoberta.

maio 16, 2005

Igualdade

"A noção de Igualdade não é o dado empírico que todos os grupos humanos são iguais, é o princípio moral que ninguém deve ser julgado ou limitado pelas características médias dos grupos a que pertence." - Stephen Pinker

maio 13, 2005

Despotismo vs. Política (parte III)

No Ocidente, são vários os que sonharam em usar um poder irrestrito para remover a imperfeição do mundo. Estes projectos, mesmo filosoficamente, falhariam se o seu verdadeiro objectivo não fosse disfarçado. Como a política é, em parte, um teatro de ilusões (nomes e conceitos novos são fáceis de inventar), as versões modernas do despotismo conseguiram construir laboratórios reais para a criação e teste dessas sociedades perfeitas. Que falharam é conhecido por todos. Menos aceite é que estas imensas convulsões correspondem a tendências profundas da nossa civilização. Para entender a política é preciso estudar os sinais que podem indicar o que se passa abaixo da superfície desta e doutras falhas civilizacionais.

Um desses sinais é a distinção entre a esfera privada e a esfera pública. A esfera privada é aquela da família, da consciência individual, do conjunto de interesses e das escolhas pessoais de cada um. Esta vida privada não seria possível sem a estrutura pública do estado que garante um sistema legal apropriado. A política apenas sobrevive desde que este sistema entenda e respeite os seus próprios limites (senão caímos novamente num sistema despótico apolítico). Como Péricles referiu: "Somos tolerantes e livres nas nossas vidas privadas, mas nos assuntos públicos sujeitamo-nos às Leis". A fronteira entre público e privado encontra-se em constante mudança. A homossexualidade e a religião eram considerados assuntos públicos, agora são (maioritariamente) da esfera privada. É o facto de se reconhecer e respeitar esta fronteira que separa a política do despotismo. [cont.]

maio 12, 2005

Separação

As fronteiras não dividem só países, o normal do extraordinário, o legal do ilegítimo, a vida do resto, dividem o eu do outro, os nós do eles, o que sou mas gostaria de ser. E, mesmo que pareçam, não são desenhadas em linhas rectas mas em nevoeiro, em curvas fractais, em filigranas ínfimos geradores de conflito e assombro. Não é fácil saber onde se situam todos os problemas e também por isso há juízes, médicos, filósofos, cientistas para carregarem a decisão que alguém tem de tomar.

maio 10, 2005

Suporte

A lenda da Antiguidade que afirmava o mundo sustido por uma tartaruga, sustida ela própria por uma tartaruga maior dá-nos, com a sabedoria polida do mito, o paradoxo do alicerce. Onde se sustém a matemática que sustém a ciência e a tecnologia que sustêm a civilização? O paradoxo (como todos os paradoxos) diz-nos para olhar além dele. Mas para onde?

maio 09, 2005

Despotismo vs. Política (parte II)

A essência do despotismo é que não existe apelo (quer por Lei ou na prática) contra o poder irrestrito do mestre. O único objectivo dos sujeitos é agradá-lo. Não existe parlamento, oposição, imprensa livre, justiça independente ou propriedade privada que esteja protegida da rapacidade do poder absoluto. Este sentimento generalizado de impotência é, curiosamente, a razão para estes períodos serem profícuos em misticismos, estoicismos e outras formas de ausência. A essência da vida é encontrada para lá dos sentidos, o social e o político são desvalorizados como ilusões ou estados transitórios. O resultado comum é a estagnação científica e tecnológica a médio prazo.

O despotismo aflui tão naturalmente da conquista militar (onde a maioria das sociedades se originou) que a criação de uma ordem civil ou política é visto como um acontecimento assinalável. Os europeus conseguiram-no em três ocasiões e em duas delas a experiência colapsou. A primeira ocorreu nas cidades estado gregas, que se afundaram em despotismo após a queda de Alexandre. A segunda foi com os Romanos, cujo próprio sucesso criou um Império tão heterogéneo que só um poder despótico foi capaz de travar a sua desagregação. O falhanço da primeira destas experiências gerou o Estoicismo e outras filosofias de afastamento. A segunda resultou num ambiente propício para o crescimento de uma religião: o Cristianismo. Do Cristianismo e dos reinos bárbaros do ocidente surgiram as versões medievais de política que, lentamente, se desenvolveram nas políticas actuais, a terceira ocasião, que vivemos e não sabemos qual o seu destino final. [cont.]

maio 06, 2005

Escolha?


Dois dos principais usos da cor: esconder-se para aproveitar o elemento de surpresa ou destacar-se para intimidar. Em ambos há um elemento de dissimulação, ou por pretender não estar lá ou por pretender estar lá outra coisa. A escolha entre estratégias é uma balança que o ambiente e a tecnologia desequilibram.

maio 04, 2005

Reverso

O sobrenatural tem confortado a Humanidade desde há milénios. Criado pela ignorância do mundo e alimentado pela superstição primitiva, o sobrenatural tem sido dissecado e refeito pela racionalidade científica. Por exemplo, a química separou-se da alquimia, a astronomia da astrologia, a matemática da numerologia, a filosofia e a ética da religião, a física dos milagres. Será que o século XX completou esta sangria? Todas as sobras do sobrenatural são lixo? Todas as avenidas da ciência são ciência? Quais os condicionamentos que ainda nos toldam a vista? Informo que sou do mais céptico que pode haver. Por isso mesmo a pergunta.

maio 02, 2005

Invariante de Alexa

Não há dinheiro, não há palhaços.

ps: Esta invariante ocorre, pelo menos, na política, nos jornais, na TV, no desporto e (ia-me esquecendo) no circo.