dezembro 27, 2012

Verniz

"He wanted his hearers to be frightened and angry. His themes were not pride and love at all, though he used the words perpetually; as he used them they meant self-praise and hate. He talked a great deal about Truth also, for he was, he said, "cutting down beneath the veneer of civilization." It is a durable, ubiquitous, specious metaphor, that one about veneer (or paint, or pliofilm, or whatever) hiding the nobler reality beneath. It can conceal a dozen fallacies at once. One of the most dangerous is the implication that civilization, being artificial, is unnatural: that it is the opposite of primitiveness... Of course there is no veneer, the process is one of growth, and primitiveness and civilization are degrees of the same thing. If civilization has an opposite, it is war. Of those two things, you have either one, or the other. Not both. It seemed to me as I listened to Tibe's dull fierce speeches that what he sought to do by fear and by persuasion was to force his people to change a choice they had made before their history began, the choice between those opposites." Ursula K. Le Guin, The Left Hand of Darkness

dezembro 14, 2012

Percepção e Cultura


Os japoneses usam a palavra 'azul' descrever a luz verde dos semáforos. Esta particularidade deriva de, antes do período moderno, existir apenas uma palavra para os tons de azul e verde (ao). Por volta do século XI surgiu na literatura uma outra palavra para designar um tom esverdeado de azul (midori). Este tipo de conceito é comum também em português (e.g., escarlate é um tom de vermelho, mas não é normalmente considerado uma cor independente). Já no século XX, em parte por influencias culturais externas, midori foi promovida a cor, apesar de ainda restarem cicatrizes antigas como a designação da cor dos referidos semáforos. Esta falta de distinção ocorre noutras linguagens. Na Bíblia Hebraica ou na Odisseia de Homero, não existe palavra para azul. [1]


O mapa das cores é um espaço contínuo de tonalidades, e as cores são um sistema discreto de classificação. Existe sempre uma perda nesta discretização que, por sua vez, é cultural e historicamente contingente mas também dependente da forma como funcionam os nossos olhos e o nosso cérebro. Mas qual a influência da cultura? Brent Berlin and Paul Kay, nos anos 1960, procuraram regras universais que regiam como as culturas lidam com o espaço cromático. Eles descobriram que existem entre 2 e 11 nomes para as cores principais. E que quando existiam X cores, estas tendiam a ser as mesmas.
Segundo o diagrama, se uma cultura usa apenas duas cores, estas serão o branco e o preto (claro/escuro). Se uma cultura usa três cores, a terceira tendencialmente é o vermelho. E assim sucessivamente. Quando se chega à sexta cor é o momento em que o azul se separa do verde. Das 98 línguas estudadas, 92 seguiam este padrão.


E em português? É curioso como temos nomes para vários tons relacionados com vermelho (escarlate, laranja, púrpura, violeta, roxo, magenta) mas quase nada para o verde. No entanto, se olharmos para a seguinte foto dificilmente podemos afirmar que predomina uma única cor (verde) quando realmente há vários tons de verde e que apenas nos falta vocabulário para os nomear.


A cor é uma noção subjectiva, não existe 'lá fora', tendo apenas presença na imagem que o cérebro constrói para mapear o que o rodeia. O mesmo se passa com sons, sabores, a sensação de calor e outra informação recolhida pelos nossos vários sentidos. O vocabulário para cor, porém, ajuda-nos a processar de forma distinta uma parte do 'nosso' mundo, o umwelt (a selecção natural tende a eliminar os sentidos menos úteis em ralação à região habitada pela respectiva população). Um conjunto rico de palavras para cor permite uma maior qualidade da percepção, uma recolha mais fina da informação disponível. A foto acima seria mais rica se a língua portuguesa tivesse dez palavras distintas para verde. E a cor é apenas uma dimensão possível. Um botânico ou um jardineiro retirariam ainda mais detalhe da mesma foto. Àparte das nossas limitações cognitivas, uma cultura e uma língua mais ricas conceptualmente tornam a nossa visão do mundo numa experiência também ela mais rica.