maio 29, 2009

ASAE et al.

[Uma] ameaça [à liberdade] provém da enorme variedade de «pequenas» restrições às nossas liberdades pessoais que são continuamente introduzidas em nome da segurança, saúde e outros elevados ideais. Cada um deles, por si só, parece trivial. Juntos constituem um ataque indiscriminado à nossa independência. O objectivo da lei foi distorcido, e agora o Estado, em vez de «proteger, o melhor que possa, cada elemento da sociedade da injustiça ou opressão dos restantes membros da mesma», como Adam Smith disse, tenta proteger os indivíduos de si mesmos, destruindo o próprio conceito de responsabilidade individual no processo.

O estado-providência tem gradualmente imposto a noção que não somos donos da nossa saúde. Os resultados são esquizofrénicos. Por um lado, o aumento da esperança média de vida torna-se um caso de ansiedade nacional, porque o envelhecimento da população impõe custos «à sociedade». [...] Por outro lado, como «o governo» paga os nossos cuidados médicos, não somos livres de viver uma vida de uma forma considerada não saudável pelas autoridades. O argumento standard para a panóplia de restrições a actividades não saudáveis é que as pessoas que as fazem tem maior probabilidade de ficar doentes e, assim, impõem um maior custo aos outros. Desta forma, o que é considerado perigoso é banido, e o que é considerado saudável ou benéfico é tornado obrigatório: limites de velocidade, capacetes para os motociclistas, restrições à venda de pornografia, ao consumo de drogas, álcool e tabaco, etc. Caminhamos para uma sociedade onde os desportos perigosos não serão permitidos, os pedestres terão de ter licenças, a obesidade será ilegal, e o que é permitido comer determinado pela Comissão da Dieta Nacional. António Martino, Liberalism in the Coming Decade, c.1990.

maio 27, 2009

Sinónimos forçados

Para a maioria, os conceitos 'pessoa' e 'ser humano' (i.e., homo sapiens) representam o mesmo. Discordo: não acho que ser-se humano seja, desde logo, condição suficiente nem necessária para ser-se pessoa. Na condição necessária, consigo imaginar contra-exemplos do passado (o homem de Neanderthal, pela sua inteligência aparente, seria naturalmente considerado uma pessoa hoje em dia); do presente (a maioria dos primatas superiores e cetáceos como as baleias e os golfinhos, possuem personalidade e capacidade cognitivas suficientes bem como estruturas sociais, no caso dos primatas, que só por especismo não são considerados como pessoas); e do eventual futuro (o advento da inteligência artificial ou um encontro de civilizações extraterrestres forçar-nos-ia a reformular esta equivalência). Na condição suficiente confesso que há seres humanos, pelo seu comportamento social e/ou pela inteligência que demonstram, precisam, dos outros, de muita boa vontade para a equivalência se manter...

maio 25, 2009

Sacrifício

Houve sempre quem namorasse a distância entre o sublime e o obsceno. Talvez seja a mesma tensão de, do alto, ao ver-se o abismo convulso aos nossos pés, inspirar fundo, de olhos fechados, e imaginar o vento, a velocidade e a vertigem dessa queda última. Trocar a eternidade por esse instante. Eis a provocação máxima, o acto individual absoluto.

maio 22, 2009

Conhecimento

A rede semântica pretende, no futuro, dar mais significado às relações expostas na internet do que as actuais hiperligações da world wide web. A ideia é cada um poder escrever, numa notação apropriada, as propriedades e as relações relevantes entre conceitos, objectos e pessoas. Este mecanismo, a funcionar, facilitaria a criação de conhecimento e a promoção de serviços (melhores buscas, fusão de diferentes ontologias para a descoberta de padrões demasiado subtis ou complexos para os humanos) que, de outra forma, não podem ser obtidos. Há, claro, várias críticas que expõem a excessiva ambição ou, outras, a falta de generalidade do projecto. Se me for possível criar protótipos de conceitos, por exemplo, definir o que faz um dado objecto ser uma cadeira, o que me garante ser esse protótipo aceitável para a noção de cadeira de outro utilizador? Ou, posto de outra forma, será que a intersecção dos nossos protótipos é possível ou, sendo, produz algo não trivial e útil? Havendo incompatibilidade entre famílias agregadas de protótipos, disputar-se-ão as respectivas virtudes e fraquezas entre adeptos como as antigas discussões filosóficas entre ontologias da Antiguidade e da Modernidade, até que uma vença e se torne um standard de facto? Havendo uma linguagem para definir, fundir e, eventualmente, combinar protótipos (uma lógica de ideais agradaria simultaneamente Platão e Aristóteles?) é tentador imaginar a produção de novo conhecimento a partir da experiência codificada entre diferentes mundos de saber. Mas a promessa parece demasiado grande que se consiga, um dia, servir tão grande almoço.

maio 20, 2009

Limites

Haverá limite para a ciência? Esta pergunta que já teve várias respostas definitivas ao longo do século XX, contém, pelo menos, uma ambiguidade: que limites são esses? Se nos referimos ao objecto de estudo, à realidade, e tendo em conta que nos situamos num mundo finito (até ver), a resposta é um desinteressante sim, pois é possível conter toda a informação num sistema limitado (até já existe um, o universo). Se os limites da pergunta referem-se à nossa ciência, esta feita por pessoas, a resposta deve também ser positiva, porque haverá sempre restrições económicas ao que se pode testar e investigar (os limites impostos pelos rendimentos decrescentes de um progressivo esforço), ou seja, o limite encontra-se numa questão prática: haverá sempre assuntos demasiado dispendiosos de explorar, independentemente das prioridades politicas da cultura em questão. Terceira opção: se os limites se referem à nossa capacidade de fazer ciência (os limites da inteligência, do cérebro humano) o problema mostra-se mais complexo. Uma sugestão de resposta: os nossos cérebros são fisicamente limitados, tanto em tempo de vida, na velocidade e concentração do pensamento, em número de neurónios e ligações sinápticas. Parece razoável que isto limite a capacidade de cada mente humana. Apesar da nossa plasticidade cognitiva ser assombrosa, cada individuo não pode aspirar a muito quando isolado. Aqui, porém, entra a sociedade que mantém o contexto cultural e a rede social que o define e sustém. Nela é guardado uma condensação de conhecimento e informação histórica muito superior ao que cada individuo é capaz de apreender. O que uma sociedade é capaz de concretizar encontra-se muito além da capacidade individual dos seus cidadãos e mais até que a soma das suas partes. Nesse sentido, a capacidade da sociedade poderá estar apenas restrita aos recursos existentes, sejam eles físicos, culturais ou organizacionais e, pelo menos os dois últimos, poderão ser ilimitados (ou seja, melhorados continuamente). Quando falamos dos limites humanos falamos verdadeiramente dos limites sociais onde as pessoas que fazem ciência se inserem. E aqui caímos novamente nos limites económicos (e noutros anteriores, como em preconceitos partilhados ou na ética vigente que impeçam determinados caminhos de exploração). Os limites da ciência são elásticos e onde se situam depende menos de algo intrínseco à realidade ou da contigência dos génios de serviço, mas sim das características e restrições culturais onde esse esforço é realizado.

maio 18, 2009

Esforço

Quanto mais plástico for o sistema nervoso característico de uma espécie, menos papel terão os instintos e maior será o peso da aprendizagem. Esta usa o ambiente como parâmetro e, reduzindo a a influência da herança genética, deriva, ou possibilita, a liberdade de agir dos respectivos organismos. Essa liberdade permite que a história de cada organismo se torne única em relação à população onde se insere e, consequentemente, esta separação dos seus iguais e do mundo é a base da formação do individuo. Isto tem custos porque o mundo é tudo menos simples e pacífico. É mais fácil ser maré do que remar contra ela.

maio 14, 2009

Possibilidades

Cada cidadão tem direitos inalienáveis, como a sua vida ou a sua liberdade, e que devem ser garantidos pelo Estado. Há excepções admissíveis como, por exemplo, quando alguém comete um crime e se vê privado de parte da sua liberdade. Mas até que limite pode o Estado ir para forçar os seus cidadãos a cumprir todo o edifício legal que o sustenta? Herbert Spencer no seu livro de 1851, Social Statics, argumenta sobre esse limite e defende que uma pessoa tem o direito de deixar de ser cidadão. A consequência desta decisão seria perder as benesses e os deveres do Estado, desligando-se deste etéreo contrato social a que pertencemos legalmente desde que nascemos. Isto não significa que, a partir daí, pudesse ser morto ou se tornar escravo de alguém. Estes direitos estão acima do Estado que tem o dever de os garantir a todos, sejam cidadãos ou não (como no caso dos estrageiros). Porém, poderiam ser-lhe negados os serviços de saúde ou o direito à reforma, tal como estaria liberto de pagar impostos (neste caso, os directos, como o IRS; o argumento não funciona para os impostos indirectos como o IVA porque isso implicaria prejudicar o particular privado ou o geral público que providencia o respectivo serviço) ou na participação em serviços cívicos obrigatórios (como o serviço militar). Estaria sujeito a coerção caso não respeitasse os direitos dos outros mas estaria isento dos deveres individuais de cada cidadão se não prejudicasse ninguém directamente. Ora isto, aqui e agora, não é possível. Porquê? Os argumentos que defendem que, para manter o princípio da igualdade, se deve forçar cada indivíduo a participar na gestão dos direitos/deveres sociais não parecem ser mais fortes que os argumentos que afirmam não haver relação causal nesta obrigatoriedade. Se, afinal, o geral da sociedade for mesmo mais benéfico do que a soma das restrições particulares, porquê impedir quem quiser se prejudicar por desejar sair desta rede social à qual, afinal e desde o início, ninguém lhe perguntou se queria participar?