junho 28, 2007

Limitação

A ética é, como muitas outras actividades, um exercício sobre recursos limitados.

junho 25, 2007

Mindware

[«] "É a mente um programa?" Um programa, no sentido formal (que é uma chatice técnica mas que tenho de usar) é uma notação que especifica um algoritmo. Quando um programa é executado, ele produz uma computação (i.e., uma sequência de estados) que, caso termine e esteja correcto, calcula o valor da função associada ao algoritmo em questão. Logo, a pergunta inicial seria traduzida no seguinte jargão científico: "É a mente a computação resultante da execução de um programa?". Não sei. Ninguém sabe. Entramos no domínio da crença e dos desejos e não sei como sair de lá. Mas há uma pergunta vizinha, muito mais operacional e muito mais fácil de responder: "Será possível que exista um algoritmo que, quando executado, aproxime a sua computação ao comportamento de uma mente humana?". A resposta é sim (por muito tosco e limitado que seja este sim, ele já existe hoje em dia). A próxima pergunta poderia ser: "Essa aproximação pode ser tal que seja aceite, pela cultura vigente, como sinónimo de pessoa?". Esta pergunta tem, se houver capacidade de chegarmos ao ponto em que ela se torne pertinente (e hoje em dia, obviamente, não é), de encontrar respostas mais no domínio do social, legal e político que no do matemático e científico.

junho 21, 2007

Soma nula

O presidente da produtora pornográfica estava a ser espancado por Dabila e Kong júnior numa peculiar sala espelhada (Kong sénior encontrava-se no exame de Filosofia de acesso à Universidade, não para entrar num curso, mas para sentir nos outros - a sugestão do Dr. Spleen - o contraste entre a tensão fluída das respostas e a calma frígida das perguntas). O reflexos, os reflexos desses reflexos e a iteração permanente dos espelhos, multiplicavam ao limite do infinito a referida cena. A isto responde Spleen com um pensamento sobre a pertinência da moral num Universo infinito. Qualquer evento, com probabilidade maior que zero de ocorrer, num Espaço-Tempo não finito, é certo que aconteça. Assim, todas as combinações do planeta Terra são admissíveis e terão ocorrido, ocorrem ou irão ocorrer vezes sem conta. Mais que um Eterno Retorno, são todos os Mundos Possíveis a conviver juntos na mesma realidade. Se tudo existe de que serve uma acção moral? Boa ou má nunca impedirá globalmente o seu contrário. A soma de positivos e negativos (mesmo assumindo uma contabilidade comum que nos partilhe) será nula e qualquer evento por nós reproduzido contribuirá apenas um infinitésimo num somatório infinito, um testemunho à nossa acção não tomada, incapaz de alterar o rumo dessa tal balança que desejamos acreditar.

junho 19, 2007

Saturno

[via Arte da Fuga, via NASA]

Saturno no seu esplendor gelado com os anéis perpendiculares à sonda Cassini. Observa-se, entre os anéis, uma lua pastora que provoca, em parte, a estrutura actual dos anéis.

junho 18, 2007

Distância

É o argumentar uma negociação? Diz-se que num bom negócio ambas as partes ganham com isso. Mas regatear um argumento? Como se concede, em geral, uma parte do que acreditamos para aproximar distâncias? Como se garante, no fim, que ainda se fala e se defende a mesma coisa?

junho 14, 2007

Narrativas

[«] Não ficaria muito surpreendido que um computador, como os que conhecemos hoje em dia, fosse incapaz de executar um programa equivalente a uma mente humana (apesar de não ver como se possa demonstrar uma afirmação destas). Até agora a comunidade científica da IA tem falhado nesse objectivo: os passos dados parecem ser demasiado pequenos há demasiado tempo. Explicar a mente com uma teoria não construtiva, para este efeito, também de pouco serve: as narrativas usadas não fornecem meios para replicar o que se tenta explicar. Que Dennet refira a consciência como uma dinâmica organizada sobre a sequencialização tardia de um cérebro muito antigo e massivamente paralelo, tem um cunho de razoabilidade (falarei mais disto nos posts seguintes) mas dificilmente serve de base na criação de um «computador pensante». Muitas outras metáforas da literatura sofrem do mesmo problema. O ponto que quero deixar (por enquanto) no ar é que talvez não haja necessidade dessa equivalência para termos uma ferramenta a que, largando razoavelmente alguns preconceitos, não possamos chamar de consciente.

junho 11, 2007

Submissão temporária

Quando entramos no âmago de um qualquer assunto, é comum termos de procurar o tipo de regras que o definem. Existem-nas descritivas, i.e., que explicam como as coisas são, há-as normativas, que procuram estabelecer como as coisas devem ser. Nesse momento de decisão, demasiadas vezes, entra o humano que nos carrega, um orgulho nunca subtil de impor vontades externas ao interno das coisas, como um sinal informando a nossa irreversível chegada. É díficil pretender explicar apenas. Como justificar esse esforço, como observar os recursos gastos na demanda de respostas se estas não nos derem novos meios, não para obter mais perguntas (apesar desta desculpa satisfazer essa contabilidade moral que é a consciência) mas para afirmar um domínio sobre as restantes causas do mundo? Só que há momentos que não se legislam, acções que não se formatam em normas, órbitas que não se decretam. O Dr. Spleen compreende que de tempos em tempos o melhor a fazer é não fazer nada excepto baixar a cabeça para deixar passar o antigo e indomável Oceano que é tudo o resto.

junho 07, 2007

Limites I

[«] Na distinção cérebro-mente há um assunto relevante associado aos limites. Tanto no limite inferior (qual o mínimo necessário para ser-se capaz de pensar) como no superior (haverá algo para além de nós?) encontram-se questões pertinentes.

Na parte inferior há dados experimentais importantes que indicam uma admirável versatibilidade em parte do restante reino animal. Os primatas, e talvez os cetáceos bem como outros mamíferos, possuem a noção do individuo, têm memória de curto e médio prazo, estabelecem entre si hierarquias sociais relativamente elaboradas, são capazes de planeamento e reconhecem como diferentes o presente e o futuro, aprendem conceitos abstractos, coexistem em culturas próprias que mantêm informação a qual obriga a uma fase de integração pós-natal ( i.e., coabitam com informação comportamental não impressa geneticamente). O admitir deste conhecimento (porque não nos basta saber, é preciso entranhar esta informação) pode-nos levar até a juízos éticos sobre a nossa responsabilidade perante estes inesperados indivíduos. O limite inferior, não sendo uma linha divisória objectiva - estas fronteiras serão sempre difusas, reflexos flutuantes das definições da moda - aponta para uma gradação quantitativa do processo cognitivo. Não consigo aceitar facilmente uma qualquer diferença de qualidade no cérebro do Homem, excepto, talvez, se isso se referir à mudança de fase que ocorreu pela disponibilidade (e perdoem-me a metáfora) de poder computacional no nosso cérebro e que nos permitiu aproveitar e aperfeiçoar, entre outras coisas, a extraordinária ferramenta que é a linguagem humana.

junho 05, 2007

Complicações

Considerar que um sistema é o melhor por falta de alternativas (Democracia, o Estado, ...) é suficiente para que haja um dever moral em o defender?

junho 04, 2007

Paciência

A distância da realidade da nossa compreensão da realidade vai diminuindo com os séculos. Dizem. Dizem também que essa compreensão descrita por modelos aprovados em controle de qualidade - falsificáveis, matematizáveis - são o cerne e alma da Ciência. No entanto este também é um modelo com a sua separação quilométrica da realidade. A tradição, a autoridade e preconceito de peritos e academias, o viscoso da ciência normal, evitam muitos vezes melhores visões cujo defeito é chegarem cedo demais. Isto seria algo que o cientista, detentor de variados prémios e bolsas sobre a abstracção da dor que agora subjaz (subjaz é uma palavra que ao Dr. Spleen lhe agrada e eu, como narrador relativamente isento destes textos, não encontro motivo para não utilizar), imóvel, em pânico, no chão gelado e estéril do laboratório, concordaria. Apesar de anos em defesa do carácter virtual da propagação da dor, da demonstração (que lhe valeu até o entusiasmo erótico de uma sua, na altura, nova assistente eslava, mas enfim divago) que a dor é apenas um conjunto cifrado de informação eléctrica passível de múltiplas interpretações dentro da multidão neuronal de cada cérebro, vê-se agora confrontado com o facto da sua mão já se encontrar na caixa do correio e não conseguir traduzir o que o seu corpo lhe informa com eficiência numa, outra, mensagem mais serena.

junho 01, 2007

Separação

Para deixar claro a distinção entre meio e código, escrevia em Morse nos chats e enviava PDFs por telégrafo.