junho 29, 2009

Cocktail

O nosso cérebro tem uma enorme capacidade de procurar padrões. Ao mesmo tempo, há suficiente evidência científica que é comum ao ser humano acreditar e tomar acções de forma irracional (ler, por exemplo, Irrationality de Stuart Sutherland). Se juntarmos a isto a possibilidade de extrair padrões de mero ruído aleatório, i.e., sem ser resultado de uma regularidade mais profunda, temos uma mistura explosiva que possibilita as superstições, o pensamento mágico, o concretizar de uma qualquer imaginação.

junho 25, 2009

Padrões e Combinatórios

As leis científicas são simplificações de certas regularidades, estando abertas a refutação ou reforço. A Ciência produz conhecimento sob a forma de leis científicas e, por isso e acima de tudo, é um método, ou família de métodos, uma forma de perceber e lidar com a realidade (e, assim, prever ou controlar eventos futuros). Porque somos irremediavelmente falíveis, parciais e preconceituosos, cada cientista deve adoptar uma posição de cepticismo e usar apenas a argumentação racional e a recolha sistemática de informação na construção de evidências, seja para criar, desmontar ou reforçar novas ou velhas reivindicações (certas leis recolhem tanta evidência a seu favor que se tornam, para além de qualquer dúvida razoável, factos, como a teoria heliocêntrica, a esfericidade da terra, a deriva dos continentes, ou a evolução das espécies). Há algo na Ciência que a torna para-pessoal: as leis científicas descrevem regularidades que, grosso modo, podem ser redescobertas por mais vezes que o conhecimento se perca (o mesmo se sucede na Matemática e, creio, na Filosofia). Isso não ocorre noutras áreas do saber humano como na Literatura, na Música, na Arte em geral, onde a combinatória permite uma infinidade de produtos que a cultura do momento permite e filtra - através dos seus tabus, desejos e superstições, dos resultados imprevisíveis de uma História contingente - e que uma miríade de acasos revela ou eclipsa.

junho 23, 2009

Máscaras

Entre o que acreditar e o comportamento que nos classifica, entre o edíficio justificado da epistemologia e as redes enlaçadas aos outros dessa nossa ética, o mundo testa as crenças que nos sustentam e pelas quais nos restringe. Usamos o possível da razão perante a realidade que a sempre desafia, nos seus quase infinitos de tempo, espaço e matéria. E no entanto, por muito concreta e coerente que seja a filosofia, são aos impulsos, às pulsões mais fortes porque antigas, à neurose encarnada que se desvenda neles, que a vítima cede e que o Dr. Spleen, por fim, tão atentamente estuda. É quando as escolhas se esvaem, quando o sonho do livre arbitrio finalmente dá de si e, no seu lugar, o vazio que lá sempre esteve só que antes opaco, que o gesto último (e perfeito) do bisturi na sua mão revela o verdadeiro individuo que, como a espiral quebrada do fumo de um cigarro que termina, se desvenda única e, nesse logo, se esvai.

junho 20, 2009

Metafísica Mínima

A realidade (conceito coreáceo) é a fonte e restrição do nosso conhecer. As abstracções que fazemos são ou simplificações ou extensões de coisas concretas ou possíveis. Há apenas um total constante de energia que, sujeito à teimosia de certas regularidades locais, teve milhares de milhões de anos para se combinar e criar inúmeras complexidades. Para além disso, o nada. Como se fosse preciso mais alguma coisa.

junho 17, 2009

Expansão

Restringir as minhas próprias acções pode ser visto como um compromisso feito aos outros para que o futuro me seja mais fácil. Mas dizer-se que o altruísmo é apenas um egoísmo calculista, geneticamente programado ou culturalmente aprendido, é dar demasiada importância ao conceito largamente sobrevalorizado do 'eu'. Apesar da evidente utilidade da noção do 'eu', o conceito da individualidade como aquilo único em nós é apenas uma perspectiva que nos ajuda a organizar o complexo do mundo social mas que, visto de perto, tende a dissolver-se. A facilidade de identificar uma pessoa deve-se mais à persistência do corpo e dos seus atributos (o nosso aspecto, o timbre da voz, toda uma colecção de gestos e hábitos) do que ao conjunto de comportamentos e memórias que cada um encerra (em resumo, a personalidade), colecção esta muito mais volátil, contraditória e de díficil catalogação do que as respectivas propriedades físicas. Se aceitarmos que o eu é o instanciar arbitrário de algo mais difuso no tempo e no espaço, e que essa difusão pode atravessar e até intersectar os que nos são próximos (a família, os amigos, os membros da comunidade), o acto de ajuda ao próximo é uma generalização do acto de auto-ajuda, onde o que varia é o desenhar da fronteira entre o que é interior e o resto (nós e os outros). Esta variação pode ser reduzida ao mínimo, como a decisão imediata que nos prejudica amanhã ("vou apostar todas as minhas poupanças nesta mão de poker"), sendo ampliada progressivamente desde os actos que me auxiliam no futuro, que ajudam um filho, um amigo, a comunidade, passando pelo apoio a desconhecidos de outros países (desenhando-se a fronteira na espécie humana), chegando mesmo a actos universais (suporte ao ambiente, lutar pelos direitos dos animais) onde se apagam as fronteiras que a nossa cultura, hoje, identifica. Desta perspectiva a reciprocidade é um efeito de até onde eu me considero. Poderíamos traduzir a Regra de Ouro em algo como "Amplia esse eu antes de o ajudares".

junho 09, 2009

Partilha

Aquilo que em mim se chama 'eu' é um fluxo que se reflecte no corpo que habita. Como um conquistador, mexo-lhe os braços, pernas, uso-lhe os sentidos, gerindo o melhor possível a sua manutenção pois sei, como qualquer monarca, que nada sou sem o domínio que me sustenta e, socialmente, me define. Chamo a isto tudo 'eu' porque é fácil desenhar a fronteira na pele que nos separa do mundo, e porque assim me ensinaram enquanto criança. Mas porque chamar estranho àquilo que não domino? Porquê este sobrevalorizar do controle? Não seria melhor estender aos outros, ao mundo, esse cuidado que me mantém?

junho 07, 2009

Realidade

"[..] Estou confiante que a noite em que Lisboa seja considerado um sitio tão espectacular para o país como o afamado "país real" precederá o dia em que todos compreenderemos que se as "elites" são elites é porque são elites e que, portanto, sendo elites, será bom que lhes demos mais atenção que aos que não são elites. Toda a deselitização que havia a fazer fez-se com a democracia, agradecendo, nomeadamente, que não a aprofundem, como estão sempre a ameçar aqueles gajos da esquerda, com o objectivo e a irresponsabilidade que todos bem conhecemos." maradona, A Causa foi Modificada

junho 03, 2009

AVC

Um ser vivo precisa do seu ambiente como uma pessoa da sua cultura. A relação entre cérebro e mente é ainda mais íntima, mas suponhamos admissível a analogia. Quando há uma falha, um precipício inesperado, um terramoto que altera a geografia, em todos eles esse esforço inevitável de um novo hábito.

junho 01, 2009

O elo mais fraco

O individual e o social são dois aspectos inseparáveis e antagónicos à pessoa humana. Inseparáveis porque um sem o outro ser-nos-ia insuportável (a anarquia absoluta ou um qualquer 1984 são falhanços extremos de uma cultura). Antagónicas porque são inevitáveis os momentos em que expandir um implica necessariamente restringir o outro (e daí a necessidade da política). A liberdade e a igualdade têm de ser geridas por políticas baseadas numa ética que determina certos aspectos inalienáveis fora do âmbito de qualquer lei escrita ou tradicional (como o direito à vida ou da liberdade de expressão), que estejam cientes das limitações naturais (por exemplo, da fisiologia humana ou das leis científicas, o que eliminaria desde já políticas baseadas no sobrenatural, como a religião), e que utilizem argumentos racionais para decidir qual dos aspectos, em cada nova situação, deve ser privilegiado (se for o caso em que não podem ser ambos satisfeitos). A meu ver, nos casos de fronteira (que os haverá sempre) quando não há argumentos mais fortes de um lado nem do outro, deve-se tomar o lado do mais fraco, i.e., do individuo, não do social.