outubro 31, 2009

Critérios

Escolher, entre dois candidatos, o mais inteligente e capaz, não é um critério óptimo para escolher a melhor pessoa para um trabalho. Interessa saber o quão de esforço - em tempo, na seriedade mental, no cuidado - cada candidato irá aplicar às decisões em causa.

outubro 29, 2009

Deus ex Machina

Na literatura, o termo deus ex machina refere-se a um subterfúgio narrativo que introduz um ente ou uma força mágica para resolver um ponto do enredo cuja resolução (supõe-se) ultrapassou a capacidade explicativa do escritor. É vista como uma forma inferior porque é uma espécie de batota, um engano ao leitor que espera uma resolução coerente de acordo com as premissas iniciais da história (onde devem ser introduzidas todas as componentes mágicas/tecnológicas necessárias ao contexto).

Na última década, com a consolidação da internet e a generalização dos computadores pessoais, começou a ser usado de forma intensiva na produção de filmes e séries de televisão. Agora existem Oráculos, personagens cujo conhecimento técnico permite consultar um estranho media que é a Internet Omnisciente, um 1984 digital de milhões de bases de dados cruzadas capazes de intersectar os actos individuais diários mais banais. Estes dois conceitos são caricaturas da realidade: nem há hackers oraculares, que formariam uma estranha espécie de computadores orgânicos, nem há expectativa de existir um dia capacidade computacional para armazenar digitalmente a evolução social nas suas quase infinitas interacções. Séries como Criminal Minds, os diversos CSI - que ainda têm a ajuda de uma química bem comportada, sem margens de erro, e de distinções bem delimitadas ("este tipo de X só existe na zona Y") - usam e abusam deste esquema narrativo para resolver problemas que a preguiça dos argumentistas não foi capaz de solucionar.

outubro 26, 2009

Eu

Um jantar com dois casais, cada um com um filho. Seis pessoas a partilhar uma refeição. Quantos «eus» estarão ali? Para lá da resposta óbvia, gostaria de argumentar que depende do crivo, que a definição do eu é instrumental, um mecanismo de separação e identificação social a que nos habituámos e ao qual transformámos em definição. Se olharmos mais perto para o processo cognitivo, surge-nos uma imagem paradoxal, de um certo prisma parecem ser mais de seis, de outro menos.

Porquê mais que seis? Cada um de nós possui diferentes personas consoante as situações a que, voluntariamente ou não, nos sujeitamos. É trivial que nos comportamos de forma distinta quando no emprego, em casa, nas reuniões familiares, nos transportes públicos, perante uma situação de violência, na guerra. Mas, aparte dessas diferenças, onde se encontra esse verdadeiro eu? Quando estamos com quem nos é mais íntimo? Quando sozinhos? Mesmo nessas situações continuamos a restringir-nos perante o que interiorizamos poder e o que desejamos fazer (seja por força de normas sociais, seja por auto-preservação, seja pelo necessário compromisso que existe mesmo entre aqueles que nos são mais próximos). Onde se encontra esse eu? Talvez a noção de eu seja apenas a ilusão dessa sequência de diferentes representações, um palco que, de outro modo, sem sociedade, sem outros palcos para interagir, sem máscaras para contrapor às nossas máscaras, estaria vazio e não teria sentido. Como um espelho sem nada para reflectir.

Porquê menos que seis? Existem evidências obtidas pela psicologia experimental que o cérebro não reconhece uma fronteira fixa ao que associamos como corpo. Quando fazemos aproximar um objecto da mão de uma pessoa é activado um conjunto de processos neuronais que terão a ver com mecanismos de defesa, de atenção entre outros. Mas, se por exemplo, essa mesma pessoa segurar uma bengala e fizermos aproximar o anterior objecto da bengala, os mesmos processos são activados. O cérebro estende a noção do seu corpo às respectiva extensões (seja uma bengala, seja o carro que guiamos, etc.). Assim, a noção que a nossa mente tem do corpo é mais restrita, menos dinâmica, do que aquela que o nosso cérebro possui. Se esta extensão automática ocorre perante objectos, mais facilmente será vísivel quando seguramos a mão de um filho, de alguém que amamos. Nessa situação, o nosso corpo (cognitivamente, mesmo que não o assumamos mentalmente) estende-se a mais do que uma pessoa. Se interiozarmos isto, se considerarmos e aceitarmos racionalmente esta ligação, o toque, o segurar da mão, o abraço que damos, a ligação física da mãe desde a gravidez à amamentação, podem tornar-se apenas uma faceta dessa ligação. A geografia não é relevante para a associação entre aqueles a que emocionalmente nos sentimos chegados, como é o exemplo mais forte da família e, normalmente em menor grau, dos amigos próximos. Nesta perspectiva, a noção de pessoa, o átomo social, deixa de ser sinónimo do eu, que, mais que uma invariante psicológica, torna-se uma estrutura relacional, uma rede afectiva. Assim, nessa sala, durante o jantar, haja apenas um eu, talvez fugaz, mas por todos partilhado.

outubro 22, 2009

Ferramenta

Se fosse possível repetir com total exactidão, i.e., o mesmo mundo mental e externo, uma qualquer situação do passado em que tomamos uma decisão, que hipótese haveria na segunda vez em tomar uma decisão diferente? A resposta a esta experiência mental só pode ser uma: não haveria qualquer hipótese de tomar uma outra decisão. A resposta contrária teria de se justificar indicando que diferença seria essa, se todo o mundo fosse igual, e essa diferença teria de reintroduzir algum tipo de dualismo (um espírito, uma alma, algo imaterial, não físico) ou um evento totalmente aleatório (e.g., algo quântico). Nem um nem outro são respostas satisfatórias do ponto de vista do livre-arbítrio pessoal (sendo que o dualismo é um preço demasiado alto). Como o conceito de deus foi importante para a dinâmica das sociedade antigas, o livre-arbítrio é-o nesta sociedade baseada na justiça e na responsabilidade. Mas um conceito não precisa de existência concreta para se mostrar relevante.

outubro 19, 2009

Import / Export

As nossas acções, se suficientemente iteradas, são automatizadas pelo cérebro obtendo, assim, uma certa independência. A experiência é uma interiorização, um libertar de recursos, uma opção ganha para desviar a atenção para o que é novo, potencialmente perigoso ou desejável. A juntar ao que o cérebro controla desde o nascimento (o bater do coração, por exemplo) programamos, ao longo da vida, as mais diversas rotinas (como comer, tomar banho, guiar, fazer sexo). Cada automatismo é uma cedência do eu ao seu corpo, um perder dessa trajectória difusa que é a personalidade em detrimento da comunidade multi-celular que a sustenta. Pode-se ver nisso uma ameaça. Pode olhar-se como uma homenagem. Do eu mental que os outros próximos partilham ao robot físico que a sociedade precisa, usa e reconhece.

outubro 14, 2009

Mísero rimar aos media

Gritar o rumor sem sentido de humor.
Fixar a histeria no assunto do dia.
Os factos são caros, cada opinião um tostão.
Sem cérebro a pensar dói menos falar.

outubro 12, 2009

Pastoreio

Ser antílope é menos exigente do que viver-se leopardo. Vai-se com o grupo, repete-se quase tudo e pensa-se quase nada. A comida, essa, é muita. Já para o felino é uma chatice: o isolamento de ser raro, a pressão do futuro imediato, a exigência sempre intensa da caça. Porém, dorme-se descansado. Homenagem ao FLV do Mar Salgado e autor do livro "Amor e Ódio"

outubro 09, 2009

Direito à defesa

"A well regulated Militia, being necessary to the security of a free State, the right of the people to keep and bear Arms, shall not be infringed." 2ª emenda da Constituição America

O livro Constitutional Chaos, do juiz americano Andrew Napolitano, aborda os hábitos inconstitucionais do poder judicial, da polícia e do Estado Federal. Achei o conteúdo dos capítulos um pouco desiquilibrado mas, no capítulo quatro, é apresentado um argumento a favor do porte e uso individual de arma que me pareceu interessante (e eu até defendo a opinião webberiana de ser o Estado a controlar os meios de violência). O direito constitucional expresso na 2ª emenda tem várias interpretações, variando entre aqueles que defendem ser esse direito expresso no ramo militar como um todo (e, eventualmente, para auto-defesa individual) até aos que defendem a legalidade das mílicias armadas e que parece ser o sentido expresso da emenda, seja pelo texto, seja pelo contexto histórico na qual ela foi redigida (as mílicias armadas faziam parte da lei comum inglesa; a guerra contra o império não foi só uma guerra entre exércitos profissionais).

Napolitano argumenta que os genocídios são impostos a populações desarmadas incapazes de se defender. Apesar do facto de uma população desarmada não ser condição suficiente para o estabelecer de um despotismo genocida (podemos dar o exemplo de Portugal e muitos outros), parece ser condição necessária dado não haver, pelo menos no século XX, um único caso de genocídio contra uma população armada. Ele refere exemplos de desarmamento como na República do Weimar (pré-Hitler), no Cambodja (pré-Khmer Vermelhos), na Turquia (antes do assassinato em massa contra os Arménios) como políticas planeadas para permitirem, a seguir, situações genocidas.

É um facto que o excesso de armas pela população resulta em muitas mortes desnecessárias (discussões acaloradas entre vizinhos, respostas e contra-respostas a assaltos, etc.). Por outro lado, quando se criminaliza o uso das armas, apenas os criminos andam armados. É verdade que nos estados democráticos actuais, é muito difícil uma derrapagem para uma ditadura. Mas o futuro concreto não é previsível. Quando olhamos para o passado, parece-nos mais evidente que os déspotas tenham tomado o poder porque escolhemos, de uma míriade de eventos, aqueles mais relevantes à situação que efectivamente aconteceu. Mas esquecemo-nos do oceano de factos que, à posteriori, se tornaram irrelevantes mas que, no momento, tinham tanto potencial para ocorrer como quaisquer outros. É impossível destrinçar o futuro no meio desse ruído. E, se chegados a uma situação irremediável, não haverá tempo para preparativos atempados, como armar a população. Apenas se poderá usar o que foi planeado e cumprindo em tempos de paz, quando nada fazia intuir que seriam realmente necessários.

outubro 06, 2009

Candidaturas

Se a tolerância fosse o aceitar acrítico de qualquer crença, nada nela a distinguiria da indiferença. Assim, havendo algo que a tolerância não aceita, porque não procurar por candidatos nas crenças intolerantes?

outubro 01, 2009