setembro 28, 2007

C

"Logo que A observa algo que lhe parece errado, e pela qual X sofre, A fala com B e ambos propõem uma lei para remediar o mal e ajudar X. Esta lei determina sempre o que C deve fazer para ajudar X ou, no melhor caso, o que A, B e C devem fazer para ajudar X. O que eu quero é olhar para C. Eu chamo-o o «Homem Esquecido». Ele é aquele que ninguém se preocupa. Ele é a vítima do reformador, do especulador social e do filantropista [...]" William Graham Sumner, 1883.

setembro 27, 2007

Gradiente

O Mundo é de uma complexidade que nenhum modelo poderá capturar todos os detalhes. Compreendemos o suficiente para aproximar o que queremos ao que podemos e, por isso, tentamos o possível das nossas capacidades, não o possível das coisas. Mesmo os corpos que nos carregam são, na maioria, sinfonias de sinais impenetráveis às próprias mentes que lhes dão objectivo. O Dr. Spleen, ao longo dos anos que a sua experiência carrega, sabe quão de dança e combate é cada interacção com o Outro, cada acção levada a cabo, cada gesto começado. Ele antevê nesse bailado um oceano escondido de memórias, de genes e memes que travam e adoptam comportamentos, tendências, desejos. Um pulsar de impulsos, um refrear de instintos, uma guerra interminável entre o querer e o poder. E nesse intervalo entre o humano e o animal, nesse interstício que separa o potencial do actual, uma teia de vontades contrariadas, uma rede de causas frustradas e efeitos detidos. Cada olhar desviado, cada palavra por dizer são momentos perdidos e nesse saber um sempre fluir de suspeitas, que nunca terminam, que apenas mudam de atenção.

setembro 24, 2007

Avaliação

Se as pessoas são órbitas, mudando um pouco, raramente muito, em cada instante, qualquer exame a que as sujeitamos é sempre sobre alguém que, em breve, deixará de existir. A única esperança é que nelas fique um pouco da experiência que as motivou a chegar ali.

setembro 20, 2007

Irreparação

Certas doenças mentais não podem ser sanadas pela abordagem psicanalista porque correspondem a desequilíbrios bioquímicos do cérebro (como a esquizofrenia ou a bipolaridade). Um tratamento psiquiátrico que utiliza um conjunto elaborado de químicos é a resposta actual para este tipo de doença. Esta é uma medida menos agressiva que as lobotomias da metade do século XX mas que, em última análise, parte de um pressuposto semelhante: a destruição da pessoa actual. Na lobotomia haveria a quase impossibilidade de reconstrução de uma outra personalidade humana, algo que os tratamentos actuais previnem. Talvez no futuro a Medicina olhe para os métodos actuais como nós olhamos para os feitos passados. Mas, àparte dos caminhos que se abrem ou das opções que se fecham, a consequência do destruir de uma pessoa mantém-se. Pode-se argumentar que a pessoa anterior era demasiado disfuncional, incapaz de interagir no espectro de comportamentos cunhados de normais pela cultura vigente. Mas essa pessoa, assim desaparecida, provavelmente discordaria do raciocínio.

setembro 17, 2007

What-if stories

[«] Num outro post referi a forte possibilidade do nosso corpo ser estruturante na forma como pensamos. Porém, será ele indissociável da mente que «alberga»? Será possível, por exemplo, fazer download de uma mente humana para um computador? Vamos partir da hipótese (não muito relevante) que chegará um momento em que os recursos computacionais são suficientes para «executar uma mente». Não parece viável extrair a corrente electroquímica do cérebro e passá-la, incólume, a um formato digital. Terá de haver um processo de tradução, e este será um copy-paste, não um cut-paste. Não seria criado um clone (um clone é uma máquina genética duplicada sem a memória original) mas uma imagem mental nossa. Imagem esta que, ao contrário da imagem no espelho, começaria de imediato a divergir. Assim, a partir do instante seguinte, os dois «eus» tornar-se-iam progressivamente diferentes (as diferentes sensações da experiência individual combinadas com o efeito borboleta da teoria do caos fariam, imagino, milagres ao aumento desta distância). Se o original físico se mantivesse seria naturalmente difícil convencê-lo que era agora apenas o resto de um processo de transformação virtual (convicção essa cada mais certa quanto mais tempo decorresse). De igual modo poderia argumentar a cópia virtual sobre a eventual possibilidade de ser «apagada».

setembro 14, 2007

Aritmética

A distância entre a Ética e a Lei é proporcional ao arbitrário do poder pela segunda sustentado. O que define o déspota é o resultado desta subtracção multiplicado pelo número de pessoas que o aceita e suporta.

setembro 10, 2007

Convergências

[«] Os algoritmos são objectos matemáticos e, como uma esfera perfeita ou a raiz de 2, não têm necessariamente de possuir uma existência real. Mas a vida executa uma série de processos bem definidos que podem ser vistos como aproximações da ideia de algoritmo, começando pelo código genético e todo o processo celular até, pelo menos, ao comportamento padronizado dos insectos. Porém, ao contrário da secura do mundo digital, o nosso mundo é demasiado «molhado» para se coadunar à rigidez de programações formais. Por outro lado, há algoritmos que são meta-regras extremamente flexíveis porque baseados em parâmetros que variam com o tempo e com o ambiente, permitindo uma ampla gama de possibilidades funcionais (uma simulação do tempo atmosférico, por exemplo). Como não há almoços grátis, o preço a pagar é a dificuldade de ajustar os valores desses parâmetros, altamente inter-dependendes e todos, se o modelo for económico, relevantes. Faltam-nos as dezenas de milhões de anos de «testes» que a natureza dispôs. Os nossos algoritmos são produtos de engenharia, com uma justificação e uma existência planeada? Sem dúvida, mas no ramo designado por computação evolutiva o processo de ajuste é realizado sem ajuda humana e, nesse sentido, pode originar «algoritmos desconhecidos» com propriedades surpreendentes (i.e., que nos surpreendem). Teremos de colmatar a falta de tempo com o aumento de velocidade computacional para verificar onde esta travessia nos leva.

setembro 03, 2007

setembro 01, 2007

Perda

Podemos dizer que hoje tudo o que sabemos está errado? Estariam as civilizações antigas, do Crescente Fértil, da China, da Grécia, totalmente equivocadas? Será lícito pensar que dirão o mesmo de nós daqui a vinte séculos? Não creio. Por exemplo, a Matemática Egípcia e Babilónica não se invalidou com os anos. As perguntas da Filosofia Grega mantêm a sua pertinência. A Engenharia elabora ainda sobre as formas básicas das construções da Antiguidade. Diria antes que a utilidade de muitas respostas antigas caducou. Porque as pessoas, como as culturas, são trajectórias, o mundo social onde vivemos muda, altera-se. E com a mudança, muita da tradição e do conhecimento torna-se arcaico, incapaz de responder às exigências dos novos tempos. No ano 4000, muitas das ferramentas que usamos não perderão o tanto de verdade que ainda reservam, apenas deixarão de ser relevantes. Não olhamos com deslumbramento para uma estátua a pensar no pó que, um dia, o Futuro lhe reserva.