março 29, 2007

O problema da auto-análise

Um dos principais nomes da Matemática do Século XX é, sem dúvida, Gödel. O seu nome ficará na história pelo teorema que lhe tem o nome, e que determina - através de uma demonstração complicadíssima - que qualquer sistema axiomático minimamente complexo não pode ser coerente (algo obrigatório) e completo (algo que se desejava). O génio de Turing, poucos anos depois, traduziu esta questão numa forma muito mais simples: o Halting Problem. Ambos os teoremas são equivalentes. Se para a Matemática, ou melhor dizendo, para a praxis da Matemática, o teorema de Gödel é um horizonte 'monstruoso' o qual raramente se entra em conta, o Halting Problem vai ao fundo da Ciência da Computação: ele revela num problema comum (não é possível determinar, em geral, se um programa com certos dados iniciais termina ou não a sua computação) as limitações intrínsecas dos computadores. Nesta conversa apresento um problema semelhante mais perto da metáfora memética: é teoricamente impossível a um antivírus saber, no geral, se ele próprio está infectado. Esta última questão - construindo agora uma ponte sempre arriscada e etérea entre computação e pensamento humano - lembra-me um problema aflitivo: como pode uma pessoa saber que está a enlouquecer? Como usar a própria mente para determinar incoerências? Que processo ou disciplina mental pode um cérebro desenvolver para detectar uma falha no processo cognitivo? A meu ver, em geral, este tipo de auto-análise está para além da capacidade cognitiva de qualquer pessoa isolada, indicando-nos, assim, um limite ao nosso próprio conhecimento, um nosso Halting Problem. [postado igualmente no WebQualia]

março 26, 2007

Esculturas

Diz-se que o Tempo é o grande escultor. Mas a escolher O grande escultor seria sempre a finitude dos recursos. São eles que moldam o que fazemos, a Economia, a Política, as Guerras e o Amor, a Ética. Tudo o resto se subjuga, até o Tempo.

março 22, 2007

De Soslaio


A recolher textos e fotos minhas num novo blog, Soslaio.

março 20, 2007

Redução

Há ideias que nos rasgam ao meio. Ou ditas, ou lidas ou nascidas em nós (as mais raras e intensas) são um padrão de luz concentrada a reduzir-nos ao silêncio do espanto, à humildade a princípio esmagadora desse conhecer, ao prazer de saber que agora sabemos! Como partilhar com o (nosso) mundo esta experiência? Se dito como repetir? Se lido como convencer alguém a domar centenas de páginas? ("não tenho tempo, conta aí num minuto") Se pensado como expressá-lo? Há a oralidade do discurso, há a literatura. Hoje em dia, neste presente estilhaçado, temos blogs, posts. ("num minuto? aqui vai...")

março 16, 2007

Equilibrio

Na questão dos deveres e direitos, onde termina o Estado e começa o indivíduo? Eu prefiro uma posição de máxima liberdade e máxima responsabilidade mas isso não significa liberdade ilimitada e responsabilidade ilimitada. Este posição tem argumentos éticos: a minha liberdade termina onde começa a do vizinho. Argumentos sociais: o exército, a diplomacia, a segurança e a justiça, por exemplo, têm de pertencer ao Estado que, deste modo, detém os monopólios da violência, da manutenção da legalidade e da representação internacional que seriam instáveis num cenário privatizado. Argumentos económicos: há esforços financeiros que têm melhor resultado ou, pelo menos, só são possíveis pelo esforço conjunto da sociedade, como obras estruturais sem possibilidade de retorno financeiro, grandes projectos científicos, um serviço mínimo de protecção social, educativa e de saúde. De resto, porque deve o Estado coibir a liberdade e as escolhas individuais? Porque deverá impor regulamentos morais, criar crimes sem vítimas, desenhar fronteiras arbitrárias? Submergir cada actividade profissional num palimpsesto burocrático de directivas e restrições? Porquê forçar-nos a tomar atitudes supostamente para o nosso próprio bem? Ensinar a todos a mesma coisa do mesmo modo, exigir às famílias a mesma educação formatada? A infantilização de uma sociedade resulta num maior sentimento de irresponsabilidade que pode, a longo prazo, destruir a dinâmica dessa sociedade e, assim, o próprio Estado que a representa. Uma maior confiança em cada individuo dá-nos, idealmente, uma maior capacidade de reseliência. É verdade que muitos poderão abusar do possível maior que lhes é disposto mas torna-se, também, mais difícil abusar de todos pela resistência que irão encontrar na multidão de milhões de adultos com espírito crítico. Se me permitem uma metáfora de contágio, um Estado centralizado dificulta o aparecer de infecções locais mas facilita perigosamente as epidemias.

março 13, 2007

Dos outros

Dos grandes erros que não fizeste, quantos deles foram os outros ou o mundo que te impediram de os cometer?

março 05, 2007

Pessoa = Homo Sapiens + ?

A consciência. É este o reduto último que nos distingue dos restantes animais? Que nos distingue de tudo o resto? Estas duas perguntas não são exactamente iguais. Existem, pelo menos, duas possibilidades de responder sim à primeira questão e não à segunda. Ou o contacto eventual de uma civilização extraterrestre terá de nos obrigar a redefinir a nossa exclusividade ou o advento da consciência em sistemas informáticos.

Associamos «pessoa» aos seres humanos. Poderíamos também usar «pessoa» para definir alguém com consciência. Neste momento da História estas duas definições correspondem ao mesmo. Mas nem sempre foi assim. Há centenas de milhares de anos, chamaríamos ao animal Homo Sapiens, isolado de qualquer cultura, uma pessoa? Quanto ao futuro também não é garantido que esta igualdade se mantenha.

Poderá um programa de computador ser consciente? Este conceito não é facilmente aceite. O que é ser consciente? Podemos assumir a construção de softwares pensantes se não formos capazes de responder à pergunta anterior? Creio que saber as respostas destas perguntas não é um passo essencial para uma tal construção. Quanto interagimos com alguém assumimos implicitamente a sua consciência sem sabermos como tal processo funciona. Mais. Assumimos a nossa própria consciência como facto adquirido e, no entanto, somos incapazes de explicar quais são os detalhes da dinâmica do nosso cérebro, quais os passos específicos que nos define (seja sobre a memória ou o raciocínio, sobre os nossos próprios sentimentos, sobre esse empilhar de máscaras por onde se vislumbra uma personalidade).

Tentemos um exemplo. Seja um CD com o Requiem de Mozart. Esse CD não é a orquestra nem a obra musical por ela tocada. O CD é um sistema de memória que codifica uma aproximação dessa obra, uma aproximação de um momento específico, de uma míriade de nuances, desse instante em que um conjunto de pessoas, cada uma no seu universo familiar e cultural, se reuniu para interpretar uma obra musical. Possuindo um tradutor adequado (o nosso leitor de CDs), essa aproximação é convincente e somos capazes de usufruir a essência (o Requiem). Precisamos conhecer a vida pessoal daqueles músicos? A história de Mozart? O processo como se codifica um CD ou os detalhes técnicos da Física dos Lasers?

Se produzirmos um programa de computador com um elaborado processo de aprendizagem capaz de se aproximar do comportamento consciente e que satisfaça os critérios mais ou menos arbitrários que a nossa cultura determina, não será admissível classificar esse programa como consciente? Não necessitamos de saber os detalhes (que aliás poderão ser tão obscuros como a bioquímica do cérebro) para classificar uma sequência de padrões comportamentais como próprias de alguém consciente. Não sei se eu ou o próximo somos conscientes, até porque não detenho um critério objectivo que defina com exactidão essa hipotética fronteira. Parecemos conscientes e isso, para todos os efeitos, é suficiente.

O processo histórico tem, felizmente, assistido a progressivas generalizações da noção de pessoa e cidadão (os escravos não o eram, os bárbaros, os negros, os judeus, as mulheres e as crianças). Num eventual futuro haverá espaço para expandir ainda mais esta definição.

março 02, 2007

Alice e o mesmo lado do espelho

Onde não há opções, há decisões. Foi nisto que pensou Dª Alice ao percorrer o encurvado corredor de um lado ao outro duas vezes para confirmar a existência de apenas uma porta. A verdade é que não se lembrava de como ali chegara, imersa naquele branco imaculado próprio da narrativa de uma prosa. Tudo limpo e no entanto... No entanto, um cheiro infecto em todas as paredes, um fedor sem gradiente ao longo do chão de madeira antiga e envernizada. Dª Alice era reconhecida, pela vizinhança do bairro social onde vivia, como um expoente regional da lógica indutiva, uma defensora da generalização com bom-senso, um bastião do melhor e mais antigo da ciência Galilaica (daí se justifica aos leitores, mais atentos..., a exploração daquele contíguo espaço apesar da violência olfactiva atrás descrita). Por fim, e já com receio da situação em que algum ente a colocou, aproximou-se do fecho dessa única porta e girou a maçaneta lustrada no esplendor dos seus dourados. Estava fechada. Quando a decisão a que somos forçados não muda nada, eis o início de uma grande chatice.