março 05, 2007

Pessoa = Homo Sapiens + ?

A consciência. É este o reduto último que nos distingue dos restantes animais? Que nos distingue de tudo o resto? Estas duas perguntas não são exactamente iguais. Existem, pelo menos, duas possibilidades de responder sim à primeira questão e não à segunda. Ou o contacto eventual de uma civilização extraterrestre terá de nos obrigar a redefinir a nossa exclusividade ou o advento da consciência em sistemas informáticos.

Associamos «pessoa» aos seres humanos. Poderíamos também usar «pessoa» para definir alguém com consciência. Neste momento da História estas duas definições correspondem ao mesmo. Mas nem sempre foi assim. Há centenas de milhares de anos, chamaríamos ao animal Homo Sapiens, isolado de qualquer cultura, uma pessoa? Quanto ao futuro também não é garantido que esta igualdade se mantenha.

Poderá um programa de computador ser consciente? Este conceito não é facilmente aceite. O que é ser consciente? Podemos assumir a construção de softwares pensantes se não formos capazes de responder à pergunta anterior? Creio que saber as respostas destas perguntas não é um passo essencial para uma tal construção. Quanto interagimos com alguém assumimos implicitamente a sua consciência sem sabermos como tal processo funciona. Mais. Assumimos a nossa própria consciência como facto adquirido e, no entanto, somos incapazes de explicar quais são os detalhes da dinâmica do nosso cérebro, quais os passos específicos que nos define (seja sobre a memória ou o raciocínio, sobre os nossos próprios sentimentos, sobre esse empilhar de máscaras por onde se vislumbra uma personalidade).

Tentemos um exemplo. Seja um CD com o Requiem de Mozart. Esse CD não é a orquestra nem a obra musical por ela tocada. O CD é um sistema de memória que codifica uma aproximação dessa obra, uma aproximação de um momento específico, de uma míriade de nuances, desse instante em que um conjunto de pessoas, cada uma no seu universo familiar e cultural, se reuniu para interpretar uma obra musical. Possuindo um tradutor adequado (o nosso leitor de CDs), essa aproximação é convincente e somos capazes de usufruir a essência (o Requiem). Precisamos conhecer a vida pessoal daqueles músicos? A história de Mozart? O processo como se codifica um CD ou os detalhes técnicos da Física dos Lasers?

Se produzirmos um programa de computador com um elaborado processo de aprendizagem capaz de se aproximar do comportamento consciente e que satisfaça os critérios mais ou menos arbitrários que a nossa cultura determina, não será admissível classificar esse programa como consciente? Não necessitamos de saber os detalhes (que aliás poderão ser tão obscuros como a bioquímica do cérebro) para classificar uma sequência de padrões comportamentais como próprias de alguém consciente. Não sei se eu ou o próximo somos conscientes, até porque não detenho um critério objectivo que defina com exactidão essa hipotética fronteira. Parecemos conscientes e isso, para todos os efeitos, é suficiente.

O processo histórico tem, felizmente, assistido a progressivas generalizações da noção de pessoa e cidadão (os escravos não o eram, os bárbaros, os negros, os judeus, as mulheres e as crianças). Num eventual futuro haverá espaço para expandir ainda mais esta definição.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fizes-te-me perceber que a dualidade sintaxe/semântica é incompleta. De facto, falta-lhe o tradutor, para associar a sintaxe à semântica.

Vou repensar toda a minha vida ;)