março 31, 2006

Origens

Nem os homens são de Marte nem as mulheres são de Vénus. Somos todos de África - Stephen Pinker

março 30, 2006

Drª Pinto

Essa dificuldade conceptual de encontrar frases novas não é das piores coisas que pode acontecer. Eu, por exemplo, está-me sempre a cair a tecla para escrever manhã submersa, começar livros com 'chama-me ishmael', usar bengalas tipo é assim, de facto, pronto(s), inserir estrategicamente mira ali os lírios do campo e afirmações outras em segunda mão (e é um esforço do caraças parar estes apetites imediatos de sucesso garantido, mas sem suor faz-se pouco). São tantos os livros novos que de certeza que não há frases suficientes e diferentes para todos. A senhora, pelo menos e de vez em quando, lá vai usando as que se lembrou em anos passados, tempo suficiente de intervalo neste mundo em aceleração. De qualquer forma, o mercado que a sustenta nem se interessa por isso (apesar de desconfiar que reparam no efeito pois um público é um público e diz a estatística - ou podia dizer - que há sempre alguém mais esperto que nós a ler). Esta história nossa dos posts é quase o mesmo. Poderia ir buscar outros meus de 2004 e repeti-los agora que os meus sete leitores não davam por nada (eu tento não os insultar, logo do que poderiam eles lembrar-se?). Repetir até pode ser saudável, a gente engana-se na transcrição e regurgita-se uma coisa melhor (é assim que a Evolução funciona). Mas daí a invocar tribunais, providências e intenções de censura? Não se faz... Censura, no máximo, a nossa a nós próprios e em doses curtas de bom gosto. É que o resto facilmente se transforma em mau cheiro que depois não se despega.

março 28, 2006

Ilusionismo

A publicidade é a imagem de um querer, um desejo de mundo num instante. Nos segundos que decorre a ilusão, a realidade é o incómodo a que teremos de voltar. Sendo a política a gestão da coisa pública, se a propaganda é publicidade política como pretender verdade nas promessas que a compõem?

março 27, 2006

Ctrl+Alt+Forget

Um tabuleiro entre os Kong. O bispo empurrado a substituir o cavalo branco. As horas passam. O Doutor Spleen, que na sua juventude atravessou os imensos territórios eslavos, deixou passar em silêncio oito jogadas decisivas e dois xeque-mates. Distraí-se a pensar na metonímia daquelas duas mãos como o seu exército de xadrez (e imagina-o branco). Já ao Inspector Rousseau vê-lo como uma torre negra a defender a inércia burocrática de um governo normal. A verdade é que antes de consolidar este pensamento, a sua mente labiríntica imaginou-o como a rainha branca e quase estremeceu com as possibilidades explicativas que isso provocaria. Quase. Porque o controle que Spleen detém sobre o seu próprio corpo só pode ser equiparado à obsessão que tem sobre o objectivo inconfessado da sua vida.

março 24, 2006

Passagem

Somos (quase) todos demasiado pequenos para os filtros da História.

março 21, 2006

Baptismo

Por muito real que sejam as causas e os efeitos, a história de como se ligam é um tecer de ilusões, crenças e modelos que, de tempo em tempo, alguém chama verdade.

março 20, 2006

Pontes

A expressão abstracta do segredo profissional, um pouco como o sagrado, é um construir de muros sem reflexo aparente. Os dogmas querem-se indiferentes aos ventos das coisas e são desenhados para produzir tantas ondas como um mar de cimento. Porém, quando a expressão da blasfémia é inadiável não são as convicções que resistem, por muito interiorizadas que tenham sido nessa dura iniciação que é o passado. Foi mais ou menos isto que pensou o psiquiatra, após perder oito dentes num único murro profissional, para se convencer que era mais prudente dizer o que sabia sobre um determinado cliente. Ao Doutor Spleen agradam as tensões da ortodoxia quando postas em causa pela nudez dos acontecimentos. Agradam-lhe também os padrões de marfim humano, cuspidos e agora expostos, no vermelho salpicado do chão daquele gimnodesportivo. E sobre isto agrada-lhe saber que, por muito separados que sejam dois conceitos, há sempre situações em que parecem desenhar, nas suas franjas, um padrão que os liga.

março 16, 2006

Reset

O objectivo de todas as utopias é, de forma mais ou menos ampla, eliminar as pessoas reais - John Carey

março 14, 2006

Gradiente

Como passam certos impulsos e não outros a normas sociais? Que corrente, que força atractiva é essa que as mantém até serem imperativos de lei ou mesmo parte de uma moral, de um dogma aceite? Que fluxo as modela, as une e que estrutura o nós que somos?

março 13, 2006

Transferência

Dabila acompanha, três passos atrás, a trajectória do Doutor Spleen. Nos becos escuros do pior bairro da cidade, são como um vento deixado de duas sombras. Vê-se miséria, lixo, uma violência mal contida, o fundo onde se concentram as vassouradas da civilização. Para a maioria, aquela travessia seria uma recordação de horror. Para Spleen é o passeio nocturno de um hábito semanal. Por onde passam, são olhos que se desviam, corpos que se afastam, um tremor que se adivinha. Pode ter-se medo da escuridão por lá haver espaço para esconder monstros, concordaria Dabila se fosse outra pessoa. E quando se é o monstro?

março 08, 2006

Correspondência

Salvador Dali - Nascimento do Novo Homem
Salvador Dali - Nascimento do Novo Homem

Uma chave é uma promessa de atalho. Mas, como qualquer promessa, ninguém sabe o mais que ela abre.

março 06, 2006

Normalidade Elástica

A monotonia, como os abismos ou o vácuo, é um conceito que se alimenta da ausência dos seus incompatíveis. Qualquer um dos Kong e mesmo Dabila, na sua estratégia conceptual de não pensar em nada, acham que um pouco de acção, de diversidade normal no dia-a-dia seria bem-vinda. Eu incluo o termo normal porque nenhum dos três é capaz de separar o recomeço dos assassinatos culinários, perpetrados pelo Doutor Spleen, da vivência diária em que se encontram. Uma coisa que eles não seriam capazes de deduzir (e, por isso, Spleen não fala no assunto apesar de lhes reconhecer a capacidade de entender) é que ao repetir um acto um número suficiente de vezes, por maior que lhe seja o desvio, essa diferença torna-se conciliável e entra, assim, na fronteira do monótono. Desta forma se explica que a novidade teórica da colmeia como substituto estético do cerebelo seja menos motivo de conversa que os sapatos novos da menina do bar.

março 03, 2006

Qual?

Desde há séculos e de muitas maneiras, em nome da dignidade humana, falou-se da morte de Deus e do fim do cristianismo. Desde alguns anos, confia-se no «retorno do religioso» e na «nostalgia do absoluto» para notar que a notícia da morte de Deus talvez fosse exagerada e para dizer que o fim da Idade Moderna chegou mais depressa do que o fim das religiões. Mas esse pode ser o caminho da apologética fácil. Não se eliminam séculos de crítica filosófica, de investigação científica, de vida cultural distanciada das Igrejas com declarações generosas, suspensão de alguns anátemas e bons propósitos para o futuro. Seria um engano.

Quando nos referimos a Deus [...] precisamos saber de que Deus falamos. Já Malebranche, um filósofo cristão do século XVII, dizia que «a palavra 'Deus' é equívoca, infinitamente mais do que se possa pensar. Há quem imagine que ama a Deus mas efectivamente ama apenas um imenso fantasma que ele próprio forjou.» [...] Em vez de gritar contra Marx, Nietzsche, Freud, Sartre, etc., importa indagar por que razões não se entenderam com o Deus que aparecia no rosto das Igrejas. Frei Bento Domingues Público 18 Set 2005.

março 01, 2006

Tentativa e Erro

O substrato que sustenta o mundo, o detalhe quase infinito do real, o constante do universo é-nos vedado por uma névoa de excepções e paradoxos que, no entanto, nos empurra para a frente. Por penoso que seja, resta-nos seguir a luz possível e ir curando o planeta dos caminhos que escolhemos.