setembro 30, 2005

Explicação

Magritte - Explanation, 1954

Há respostas que se forçam a certas perguntas. No entanto, esse impor de elasticidade mais cedo ou mais tarde se paga.

setembro 29, 2005

Surpresa

A surpresa nasce do preconceito. Sem nenhum nada nos surpreende, com demasiados tudo parece horrivelmente novo. Outro caso onde os extremos não se aconselham.

setembro 27, 2005

Manobra

Sem bases sólidas nem sequer nos serve errar.

setembro 26, 2005

Dúvida

[Crátilo e Sócrates conversam enquanto Platão preenche o seu bloco de notas. Chove um pouco mas ninguém repara.]

Sócrates: Então até outro dia, meu amigo. Quando voltares hás-de dar-me uma lição. Mas no presente, vai ao campo, como pretendes, e Hermógenes dir-te-á o caminho.
Crátilo: Muito bem, Sócrates; eu espero, porém, que continues a pensar nestes assuntos.

[Dito isto, Platão vendo a conversa terminada, guarda as suas anotações e sai. Crátilo porém, volta para trás sem que Platão o perceba]

Crátilo: O teu aluno é um bocado chato...
Sócrates: Pois... escrevinha tudo quando tem quem o oiça.
C: Sócrates, tenho uma última pergunta a fazer-te.
S: Não será a última, se os deuses o permitirem.
C: O teu método connosco é já conhecido. Quando afirmamos algo, perguntas quais os conceitos de base nos quais partimos para defender o que dissemos.
S: Sim.
C: Depois, de forma algo desesperante devo dizer, questionas a definição que nós damos a esses conceitos. E através do teu raciocínio e análise fazei-nos aceitar que a definição tem excepções ou falhas.
S: E até contradições.
C: Concedo que sim. Mas em muitos casos, como na percepção, sabemos identificar objectos e classificá-los de forma segura mesmo que não saibamos exactamente qual a definição que a justifica.
S: Continua...
C: Por exemplo, posso olhar para o barco que me levará pelo Egeu e dizer que não está vivo, apesar de não saber qual a fronteira entre os vivos e os não-vivos. Se levado ao extremo, o teu método diria que eu não posso dizer que o barco é algo inanimado enquanto não souber responder à pergunta muito mais complexa da vida. Não estarás a prejudicar o esforço filosófico com este teu método?
S: Amigo, dás um sentido às minhas perguntas mais forte do que lhe é devido. Não é isso que defendo, aliás isso é inconsistente com a minha procura da verdade. O que tendo transmitir é que não sabendo exactamente o que um conceito é, temos pelo menos dois problemas que não devemos nunca esquecer.
C: Quais são?
S: Primeiro, não podemos afirmar que um dado conceito universal tem esta ou aquela propriedade particular. Por exemplo, não sabendo o que é a Justiça, poderemos saber se ela é inata ao Homem? Terá ela um carácter divino? Pode uma lei violar a Ética?
C: E a segunda?
S: A segunda refere os casos que residem na fronteira entre o conceito e o não-conceito. Como avaliar a justeza da decisão sobre um assunto complexo, se não se entender com clareza o princípio que lhe preside?
C: Dá-me um exemplo.
S: Pode uma esposa ser obrigada a testemunhar contra o marido? Posso matar um feto por nascer? É covardia recuar um exército para melhorar a sua posição? Devo seguir a ordem de um general enlouquecido?
C: Mas terá tudo uma essência? Terá a Justiça, a noção de Vida ou a acção dos deuses uma essência que lhes define e delimita? Não poderemos agir sobre as coisas sem as descobrir? Ficaremos imobilizados na nossa decisão, se assim for?
S: Não serei eu a responder-te, não sei nada mais que nada. Repito-te: esta minha procura apenas ilumina certas perguntas muitas vezes suspensas nessa pretensão de sabedoria.
C: Expressas, enfim e apenas, um desejo de entendimento.
S: Exactamente, meu caro Crátilo.
C: Amigo, agradeço-te e fico em dívida: levo um pouco mais para pensar.
S: Atenção! É Platão que se aproxima.

[Os dois despedem-se e Crátilo sai, rápido, pelas traseiras. Platão entra e discutem, os dois, o orçamento dos papiros e da tinta para escrita.]

setembro 23, 2005

Outro tipo de fé

Uma vez atingido o estatuto de paradigma, uma teoria científica é declarada inválida apenas se existir uma alternativa credível. Nenhum processo descrito pelo estudo histórico do desenvolvimento científico se assemelha ao estereótipo metodológico da falsificação por comparação directa com a natureza. Este comentário não significa que os cientistas não rejeitam teorias cientificas, ou que a experiência não seja essencial no processo que os leva a isso. Mas significa que o acto de julgar que leva os cientistas a rejeitar uma teoria previamente aceite é sempre mais que uma comparação dessa teoria com o mundo. A decisão de rejeitar um paradigma é simultaneamente uma decisão de aceitar outro, e o julgamento que leva a esta decisão envolve a comparação de ambos os paradigmas com a natureza bem como um com o outro. Thomas S. Khun - The Structure of Scientific Revolutions"
Este livro é um texto fundamental sobre o funcionamento da Ciência e daqueles que a fazem e, por vezes, a refazem. Aconselho a leitura (o texto é muito acessível e os argumentos são expostos de forma clara) principalmente para os que tendem a acreditar na Ciência como se de matéria de fé se tratasse.

setembro 22, 2005

Para quem gosta de poupar tempo:

Os caminhos mais curtos pagam-se.

setembro 21, 2005

Uma aventura no tradutor do Google

Como te aceitar de volta depois de largares o nosso mundo?
| Façamos uma tradução Português -> Inglês
How to accept you in return after releasing our world?
| Parece ok, mas será o releasing um significado apropriado nesta frase?
| Traduzamos de novo para o Português.
Como o aceitar no retorno após ter liberado nosso mundo?
| Uma passagem do ‘tu’ para o ‘você’, mas isso é falta de contexto que não
| poderia ser adivinhado. Nota-se um toque de brasileiro no ‘liberado’.
How accepting in the return after to have set free our world?
| A coisa piora, quem aceita o quê depois do mundo ter ficado livre?
Como aceitando no retorno em seguida ajustaram livre nosso mundo?
| O gerúndio infectou a frase portuguesa, há um estranho 'aceitando
| no retorno' e ainda um grupo misterioso que ajustaram livremente o mundo.
How accepting in the return after that they had adjusted exempts our world?
| O verbo complica-se e houve quem ajustasse excepções(?) do mundo
Como aceitando no retorno em seguida que tinham ajustado exempts nosso mundo?
| Os tais ajustes devem-se ter desajustado, e os dicionários já perderam
| uma palavra ao não traduzir 'exempts'
How accepting in the return after that that they had adjusted exempts our world?
| E após este passo, entramos num ciclo sem limite aparente:
Como aceitando no retorno em seguida que isso eles tinha ajustado exempts nosso mundo?
How accepting in the return after that that this they had adjusted exempts our world?
Como aceitando no retorno em seguida que esse isto eles tinha ajustado exempts nosso mundo?
How accepting in the return after that that this this they had adjusted exempts our world?
Como aceitando no retorno em seguida que esse este isto eles tinha ajustado exempts nosso mundo?
How accepting in the return after that that this this this they had adjusted exempts our world?
Como aceitando no retorno em seguida que esse este este isto eles tinha ajustado exempts nosso mundo?


E suponho que continuaria assim ad infinitum...

setembro 20, 2005

Explicação

Magritte - Listening Room

Que mundo responde à explicação que escolhes? Nessa preferência, quais as respostas ganhas e quais as perdidas? Que perguntas sobrevivem ao sucesso que abraças?

setembro 19, 2005

Troca

É comum considerar as religiões do Livro (e o reflexo nele de um deus único) como o culminar evolutivo da religiosidade. Mas o que acontece quando ao saber escrito nesse livro - e fervorosamente conservado pelo que se chama de ortodoxia - não é permitida mais que uma interpretação? Enquanto se pode congelar um argumento, não é possível fazê-lo com o mundo. Este evolui, a natureza necessita de novas explicações, pensamos de forma diversa em cada século que passa. Se o Livro se torna pedra gravada, a diferença entre o literal que se lê e o literal que se vive torna-se progressivamente maior. Enquanto uma religião sustentada num padrão de ritos e textos contraditórios mais facilmente se adapta à realidade (à impossibilidade de um argumento único aceitam-se melhor vários), o livro sagrado procura, pela força da sua comunidade, deter o mundo. Alguns dirão que a interpretação é sempre necessária; que uma diferença de olhar muda o significado da leitura; que na existência de contradições entre o escrito e o vivido se deve procurar o abuso sem restrições (no Livro se for preciso). Mas a ortodoxia, que recebe o poder deste cessar de mundo, não costuma ouvir mais do que aquilo que lhe interessa.

setembro 15, 2005

Restrições

A observação e a experiência podem e devem restringir dramaticamente o espaço de crenças científicas admissíveis, caso contrário não haveria ciência. Mas, só por si, não determinam uma crença específica. Um aparente elemento arbitrário, composto de acidentes pessoais e históricos, é sempre um ingrediente formativo das crenças expostas por uma dada comunidade científica num dado momento. Thomas S. Khun, The Structure of Scientific Revolutions

setembro 13, 2005

Contexto

Lealdade não implica obediência absoluta, significa coerência ao momento em que se jurou ser leal.

setembro 12, 2005

Chaves

A chave nasce da necessidade de limitar. Ou a liberdade dos outros para proteger a nossa, ou a nossa para proteger a dos outros. Entre a privacidade e o cativeiro residem as restantes, como a porta fechada de quem é só, o encerrar de algo esquecido, o olhar que não se adivinha.

setembro 09, 2005

Criacionismo

Na Antiguidade, Empédocles defendeu ser a matéria constituída por quatro elementos (terra/água/ar/fogo) juntos e separados por duas forças opostas (amor/conflito). O equilíbrio único destes elementos determinava a natureza de cada objecto, como seria de esperar. O interessante é que o filósofo defendia que a formação/desagregação, o resultado da interacção entre o amor e o conflito, era fundamentalmente um produto do acaso. Ora se um objecto mais apto que outro se definir pela sua resistência à dissolução, não é difícil imaginar aqui um rudimento de selecção natural. Por outro lado, Empédocles retira significado ao Universo (se a mudança que precede a criação/destruição é uma acção acidental, qual o papel dos deuses?). Aristóteles percebeu isto e, apesar de concordar com o princípio, corrigiu o seu antecessor dizendo que o processo não era um resultado de um destino acéfalo mas sim de um desenho propositado. Com esta alteração pretendia corrigir a impiedade da teoria e repor a divindade no seu papel principal.

Vinte e três séculos depois, Darwin elaborou esta ideia (não sei se alguma vez leu sobre Empédocles ou, lendo, se fez algum paralelo significativo), dando-lhe um cunho científico e iniciando uma revolução de mentalidades com poucos paralelos na História. Hoje em dia, 150 anos depois, personalidades do Criacionismo admitem a existência de evolução mas recusam a componente aleatória subjacente ao processo de selecção natural. Dizem que estes mecanismos (como a mutação genética) são resultado da intervenção divina (leia-se, de um desenho inteligente). Ring a Bell?

Ps: A versão inicial do Criacionismo (a terra tinha pouco mais de seis milénios e os dados que invalidavam esta ideia – como os fósseis – eram apenas provas de fé plantadas por Deus) era patética. Esta nova interpretação, ao substituir cirurgicamente a selecção natural pelo desenho inteligente é coerente, apesar de não existir qualquer dado empírico nesse sentido (a fé não se alimenta de informação científica). Este é um adversário muito mais resistente e perigoso.

Este post e o anterior são contributos ao trabalho do pessoal do Diário Ateísta.

setembro 08, 2005

Taxa

A fé é inversamente proporcional à esperança.

setembro 05, 2005

Alguns pontos sobre evolução

Não está provada a Teoria da Evolução. Como qualquer teoria científica, a forma como ela relaciona certos factos manter-se-á até ser refutada (em sua defesa, tem o desenvolvimento e o suporte empírico de 150 anos de trabalho de muitos milhares de cientistas).

Todas as espécies que existem estão relacionadas. Porém, todos os antepassados do Homo Sapiens estão extintos (irmãos e primos são da mesma família, mesmo após a morte dos pais e avós).

Os organismos não evoluem. As populações sim. A evolução refere-se às mudanças nas populações ao longo do tempo.

Os genes são unidades de hereditariedade. Contêm informação necessária (nem sempre suficiente) ao desenvolvimento das características próprias de um organismo. A evolução é possível pelo facto desta informação poder variar no momento da reprodução (pela mistura genética dos pais, por uma falha no processo de cópia). O sexo é apenas um mecanismo possível de reprodução. O papel fulcral do sexo é a mistura.

Quando uma nova característica genética permite ao organismo uma melhor adaptação ao ambiente onde se insere, a taxa de sobrevivência e reprodução do indivíduo aumenta (por exemplo, porque é mais forte, mais rápido ou mais cooperante). Através da reprodução, esta adaptação tende a espalhar-se pela população a que pertence. Quando uma adaptação é prejudicial, esta tende a diminuir na população. Este processo de mudança ao longo do tempo chama-se selecção natural.

Modificações não genéticas ocorridas durante a vida de um organismo não são geneticamente transmitidas à população. Por outras palavras, os traços adquiridos não fazem parte da evolução.

O processo de variação genética é aleatório mas a evolução não. Isto porque a selecção natural está relacionada com o ambiente onde a população se insere. Os organismos não ficam melhores ao longo do tempo, adaptam-se melhor ao ambiente onde estão inseridos. Referência [1]

setembro 02, 2005

Transferência

Já não se procura nos deuses uma forma de domínio sobre a natureza. A tecnologia e o suporte da ciência escoram a civilização. Já não se procura nos deuses a expressão de uma lei divina que nos ordene. A lei civil, legislada e mutável, é uma ferramenta mais apropriada e humana. Já não se procura nos deuses histórias para ferver a imaginação gasta no espremer dos dias. A invenção da literatura e de tudo o resto dão-nos mundos mais complexos e revigorantes que as sagas antigas. Talvez reste aos deuses o segredo nunca desvendado do sentido da vida. Mas o que sabem os seus funcionários (padres, imãs, rabis, xamãs) desse ininteligível? Porque devemos nós, adultos, transferir-lhes o esforço, a responsabilidade e a obrigação de construir esse sentido da vida, já que o fazemos sempre na obra que deixamos? Porque escolher uma moral já pronta em vez de uma ética conquistada? Por ser mais fácil?

setembro 01, 2005

Vantagem

Na luta entre fanáticos e moderados, os primeiros têm a vantagem de um irrestringir na força e na vontade que, por definição, os segundos não possuem. Mas, para além do maior número de moderados, estes têm uma grande vantagem: os fanáticos também lutam uns contra os outros.