novembro 26, 2007

Eventuais fronteiras

Entre as disciplinas do saber humano há uma enorme variação temática e metodológica. A minha preferência vai para duas famílias. Uma são as disciplinas que procuram a verdade. Esta palavra tem muitas interpretações, pode-se argumentar que nem sequer existe, que depende do contexto ou da perspectiva. Mais vale usar uma definição: a verdade contém todos os eventos que aconteceram, os que agora acontecem, bem como as leis da Natureza que os guiam ou limitam e que restringem, assim, os eventos que irão acontecer. Nesta família cabem as disciplinas que fundamentam o seu trabalho no método científico da observação, da indução, da elaboração de teses verificáveis. Mas também se incluem as disciplinas da História ou do Jornalismo. A outra família reúne os saberes baseados na razão, na argumentação e na sequência implacável da arte dedutiva. Nestas o objectivo não se centra na verdade mas sim na coerência. Aqui encontra-se a Matemática e a Filosofia (e, por ignorância ou falta de memória, não me lembro de mais nenhuma). O resto, porque há muito que sobra, é uma mistura mais ou menos elaborada de fé, de superstição e de pensamento positivo mágico. Uma rede arcaica de ideias, um ruído branco à possibilidade de melhores pessoas.

novembro 21, 2007

Não existem suficientes mentes para albergar o explosivo crescimento da população de memes.

"As ideias podem ser perigosas. Darwin, teve uma, por exemplo. Nós responsabilizamos todos os tipos de inventores e inovadores por avaliarem, à priori, o impacto ambiental das suas criações, e como as ideias podem ter um impacto enorme do ambiente, não vejo razão para isentar os pensadores da responsabilidade de colocar em quarentena alguma ideia mortal que possam imaginar. Assim, se eu encontrar uma destas ideias, devo cerrar os meus lábios, estudá-la e reflectir até que encontre uma forma de a expressar de forma segura. [...] Mas aqui está uma ideia inquietante que há-de inevitavelmente de ser verdade, numa ou outra versão, e até onde posso ver, não é prejudicial publicitá-la. Talvez até ajude:

A população humana ainda está a crescer, mas não ao ritmo do crescimento dos memes. Existe uma competição entre memes para ocupar o espaço limitado dos cérebros humanos, e muitos terão de ficar de fora. Graças aos nossos brilhantes e incessantes esforços e ao nosso apetite insaciável por novidades, criámos um fluxo crescente de informação, em todos os meios de comunicação e em todos os tópicos e assuntos. Agora, ou (1) afogar-nos-emos em informação ou (2) não nos afogamos. Qualquer das alternativas é perturbadora. O que quero eu dizer por afogar? Que iremos ficar psicologicamente submergidos, incapazes de processar a informação disponível e realizar decisões sobre a nossa vida face à imensa quantidade de possibilidades e opções oferecidas. [...] Se não nos afogarmos, como vamos lidar com esta situação? Se, de alguma forma, aprendermos a nadar da crescente maré da infosfera, isso significará que nós -- ou seja, os nossos netos e bisnetos -- seremos muito diferentes dos nossos antepassados. Como seremos? O que quer que «nós» sejamos, ainda mamíferos, já robots, o que saberemos e o que teremos, para sempre, esquecido? O que acontecerá com as nossas referências culturais? Provavelmente os nossos descendentes reconhecerão algumas (as pirâmides do Egipto, a Aritmética, a Bíblia, Paris, Shakespeare, Einstein, Bach...) mas à medida que ondas e ondas de novidade passam sobre elas, o que perderemos? Os Beatles são maravilhosos, mas se a sua imortalidade cultural for comprada à custa de outras figuras do Século XX, como Billie Holiday, Igor Stravinsky, ou Georges Brassens (hmm... quem é este?) o que restará desta nossa cultura?

As diferenças intergeracionais que todos nós experimentamos, presumivelmente serão multiplicadas até ao ponto que a informação pura que todos armazenamos nos nossos gadgets serão incompreensíveis para os outros, excepto que teremos muitas pedras de Roseta inteligentes capazes de «traduzir» material estranho em formatos que (pensamos nós) seremos capazes de interpretar. [...] O que acontecerá ao nosso conhecimento comum no futuro? Penso que os nossos antepassados tiveram a tarefa facilitada: fora as informações discretas dos rumores e de alguns segredos de estado ou de comércio, as pessoas sabiam essencialmente as mesmas coisas, e sabiam que sabiam o mesmo. Simplesmente não havia muito que saber.

Eu vejo pequenos projectos que poderão nos proteger, até certo grau, se realizados com sabedoria. Pensem em todo o trabalho publicado em jornais científicos antes de, por exemplo 1990, que está em perigo de se tornar practicamente invisível para os investigadores porque não podem ser acedidos online por um bom motor de busca. Digitalizar tudo e disponibilizar na net não é suficiente pois há demasiada informação. Mas podemos criar projectos de comunidades virtuais formadas por investigadores reformados, com motivação e conhecimento dessas bibliotecas, que possam usar a sua experiência para seleccionar os melhores trabalhos tornando-os acessíveis à próxima geração de investigadores. Este tipo de actividade tem sido vista como um trabalho académico próprio para classissistas e historiadores mas não digno de cientistas de ponta. Acho que devemos mudar esta perspectiva e ajudar as pessoas a reconhecer a importância de providenciar, aos outros, caminhos mais claros entre as nossas florestas de informação. É uma gota de água, mas talvez se começarmos a pensar na conservação de informação valiosa, possamos salvar os nossos descendentes de um colapso informacional." adaptado do texto de Daniel Dennet em http://www.edge.org/q2006/q06_8.html#dennett

novembro 15, 2007

O 'eu' é uma quimera conceptual

"A dúvida da existência de um ser supernatural é banal, mas a dúvida mais radical se nós existimos, pelo menos como algo mais que entidades marginalmente integradas com etiquetas convenientes, como "Ana" ou "João", é o meu candidato a Ideia Perigosa. Esta é a ideia de Hume - e de Buda - que o eu é uma colecção de crenças, percepções e atitudes em constante mudança, não sendo uma entidade persistente nem essencial, mas antes uma quimera conceptual. Se esta ideia alguma vez se tornasse comum numa sociedade - por causa dos avanços na neurobiologia, da ciência cognitiva, da reflexão filosófica... - os seus efeitos nessa sociedade seria incalculáveis (ou assim pensa esta associação de crenças, percepões e atitudes)." John Allen Paulos, http://www.edge.org/q2006/q06_index.html#paulos

novembro 12, 2007

Luz e Calor

O futuro é o que sobra no prisma de todos os possíveis e a este prisma chamamos nós presente. O ângulo da luz que o atravessa, a possibilidade que se torna real é, em parte, da nossa responsabilidade. O quanto e o quê dessa parte há-de decidir-se na fricção da lógica com o acaso.

novembro 07, 2007

Mistura

Hoje, mais cedo cá fora neste entardecer de dia, um hábito que raramente vê: são ondas de gente nas artérias da cidade, um fervilhar de insecto, um vibrar ansioso da hora seguinte. Na rua, lento, quase de olhos fechados como à procura, observa os padrões do mundo, ouve, cheira, quase toca. Não nos separa do mundo os sentimentos que à flor de pele os nossos impulsos formam. Esses são os que faz a humanidade ser uma massa vulcânica de emoções incontroláveis, tão pródiga em respectivos desastres. O que sobra desse magma intersectado com cada um de nós são as mentes que separam e classificam, esses rostos imperturbados que nos distinguem. O Doutor Spleen não sabe quantas pessoas efectivamente existem neste planeta mas sabe ser um número flutuante, e menor, que o número de humanos expressos nas seguras contabilidades dos respectivos Estados. Por exemplo, na multidão que agora rejeita instintivamente a diferença expressa - neste instante porque haverá outros - na corcunda do pedinte, Spleen apenas vê uma mistura dispersa, comum, a atravessar-se rápida para os dois outros lados da mesma rua.