fevereiro 28, 2005

Usenet

A Usenet fez 25 anos. É uma porta da rede global muito anterior aos browsers que todos nós usamos hoje, onde se encontram grupos de discussão sobre os mais variados temas (existem dezenas de milhares). O Google na sua missão compulsiva de cartografar a Internet, disponibiliza um serviço onde armazena cerca de 850 milhões de mensagens escritas durante a vida da Usenet. A maioria das mensagens são lixo, são irrelevantes, muitas são ecos de instantes de dúvida, de ira, de deslumbramento, de preconceitos, de uma sinceridade anónima, de mentiras com agenda, de ignorância, de estupidez, de sabedoria, de loucura, de um presente passado que se perdeu à excepção dessa mensagem guardada nos cofres digitais da Google. Pode não ter importância nenhuma para os historiadores do futuro mas, como disse Vítor Hugo, a fisionomia dos anos formam o carácter do século.

fevereiro 25, 2005

Distância

O abismo são os passos que temos pânico em dar. Não é a profundidade nem as trevas, nem o vento que as habita. Não é o desconhecido do outro mas do eu. É a natureza, nossa, contra nós próprios. É o espelho imaginado enquanto não levantamos os olhos para nos vermos nele.

fevereiro 22, 2005

Modos

Há uma grande diferença entre ensinar apelando à convicção ou à confiança. E este problema é partilhado quer por doutores de Religião quer por professores de Ciência.

fevereiro 21, 2005

Violência (última parte)

Mas o círculo pode diminuir. Muitas atrocidades são acompanhadas por tácticas de desumanização como o uso sistemático de nomes pejorativos, condições degradantes ou vestes humilhantes. Estas tácticas alteram a perspectiva individual transformando pessoas em 'não-pessoas'. Isto facilita a proliferação da tortura ou do assassínio sem que surjam dilemas morais da parte dos agressores.

O psicólogo social Philip Zimbardo mostrou que estes mecanismos podem ser efectivos mesmo com estudantes universitários. Zimbardo criou uma prisão simulada numa cave da Universidade de Stanford. Aleatoriamente, seleccionou estudantes para os papéis de guardas e prisioneiros. Os 'prisioneiros' usavam vestimentas degradantes, grilhetas e outros acessórios sendo referidos não por nome mas por um número. Rapidamente, os 'guardas' começaram a abusar da sua posição, brutalizando-os – obrigavam-nos a fazer flexões colocando-se nas suas costas, molhavam-nos com extintores, obrigavam-nos a limpar retretes só com as mãos – de tal modo que Zimbardo teve de terminar as experiências com medo da segurança física dos 'prisioneiros'!

Na outra direcção, o círculo pode aumentar pela observação de algum sinal de humanidade da parte da vítima. George Orwell, aquando da sua experiência na guerra civil espanhola, disse um dia ter um soldado inimigo na sua mira, e só não disparou porque este corria enquanto segurava as calças com as mãos. "Não o matei pelo detalhe das calças. Tinha vindo para matar Fascistas, mas um homem que segura as próprias calças não é um ‘Fascista’, ele é um semelhante como um de nós.". Claro que não nos devemos iludir com este exemplo (Orwell foi um das principais vozes morais do século XX). As pessoas são capazes de colocar desconhecidos dentro do seu círculo moral, mas provavelmente, o comportamento por defeito é deixá-los de fora.

fevereiro 17, 2005

Má forma

De todos os exercícios, são os de hipocrisia que me deixam em pior forma.

fevereiro 16, 2005

Embrulho

O que é moderno vem sempre coberto na superfície atraente da novidade.

fevereiro 14, 2005

Violência (parte III)

O primeiro passo para se entender a violência é colocar de lado a nossa repulsa pelo conceito o tempo suficiente para examinar como e quando o seu uso traz vantagens em termos individuais e evolutivos. Para isto é necessário inverter o problema – não tentar explicar porque a violência ocorre – mas sim porque é evitada. A moralidade não entrou no Universo com o Big Bang, permeando-o como radiação de fundo. Ela foi descoberta pelos nossos antepassados após biliões de anos de um processo moralmente indiferente chamado selecção natural.

A selecção natural é impulsionada pela competição, o que significa que os produtos da selecção natural – máquinas de sobrevivência usando a metáfora de Richard Dawkins – devem, por defeito, fazer o que for preciso para sobreviverem e se reproduzirem. Se um obstáculo surge no caminho, ele deve ser neutralizado ou eliminado. Para um indivíduo, estes obstáculos podem incluir outros indivíduos, por exemplo, alguém que monopolize recursos essenciais como terra ou comida. Esta visão cínica pode não parecer verdade porque não estamos habituados a ver os outros como meros elementos do exterior que possam ser neutralizados como erva daninha. A não ser que sejamos psicopatas, nós simpatizamos com os outros e não os vemos como obstáculos ou presas. Esta simpatia, porém, não tem prevenido um sem número de atrocidades ao longo da história. A contradição pode talvez ser resolvida se assumirmos que as pessoas possuem um "círculo moral" que as faz incluir não toda a humanidade, mas apenas membros do seu clã, vila ou tribo. Dentro do círculo, as pessoas são alvos de simpatia, fora do círculo apenas elementos externos como rochas, rios ou animais.

Esta observação que as pessoas podem ser moralmente indiferentes a quem esteja fora do círculo moral sugere de imediato uma possibilidade para a redução da violência: entender a psicologia deste mecanismo de forma a alargá-lo a toda a Humanidade. Este alargamento parece estar a ocorrer ao longo dos últimos milénios, motivado pelo constante crescimento das redes de reciprocidade entre as diferentes culturas, tornando cada mais pessoas mais úteis vivas que mortas. Este processo é ajudado pela tecnologia que facilita o acesso à literatura estrangeira, às viagens, ao conhecimento da História e da Arte que ajuda a projectar-nos nas vidas daqueles que no passado foram inimigos mortais. [cont.]

fevereiro 11, 2005

Distância

O dogma é uma opinião fossilizada, o coveiro de um cemitério de questões pertinentes; e tão distante da verdade como os seus guardiães estão da multidão que tutelam.

fevereiro 04, 2005

Representatividade

Na Constituição Portuguesa, artº 10º 1 está escrito: "O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição.". Universal significa que todos votamos, igual significa que votamos todos da mesma forma, directo que votamos os nossos representantes sem intermediários (ao contrário do que ocorre nos EUA). Não me parece (na minha ignorância de não jurista) haver algo que imponha o voto único (um cidadão – um voto), i.e., seria possível optar por um sistema de votação múltipla.

O que é votação múltipla? Um exemplo é o voto ser descrito por uma ordenação de preferências (por exemplo, prefiro o candidato A, depois o B e só depois o C). Este tipo de votação é conhecido por contagem de Borda. Borda foi um matemático francês do século XVIII que propôs este sistema para eliminar potenciais injustiças da aplicação do voto único. Um exemplo simples: sejam três candidatos A, B e C. Num Universo de doze pessoas há: (a) cinco eleitores que preferem A, depois preferem B, sendo C a sua última escolha (vamos abreviar esta opinião dizendo A>B>C); (b) quatro eleitores com opinião B>C>A e (c) três eleitores com C>B>A. Usando o sistema de voto único, o candidato A ganha com 42% dos votos. Mas, se o candidato B desistisse a meio da campanha, seria C quem ganharia a eleição. De igual forma, se fosse C a desistir, ganharia B. Ou seja, A perderia sempre a eleição numa 2ª volta, mas acaba por ganhar numa corrida a três(!). Se por outro lado, atribuíssemos pontos às preferências descritas destas doze pessoas (três pontos para o 1º lugar, dois pontos para o 2º e um ponto para o 3º), o candidato A obtinha 22 pontos, B obtinha 33 pontos e C teria 21 pontos. B seria o (mais justo) vencedor.

Há alguns argumentos contra: (a) "é muito complicado pedir às pessoas para ordenar N partidos"; apesar de não concordar com argumentos baseados na suposta incapacidade eleitoral de uma população, este problema não existiria se cada eleitor designasse apenas as suas três ou quatro primeiras preferências; (b) "o método de contagem torna-se mais complexo"; é um facto, mas optando por poucas preferências o problema é minimizado e, de qualquer forma, as urnas electrónicas (e a respectiva contagem automática) serão a norma no futuro próximo; (c) "é possível que os eleitores façam votos estratégicos, i.e., darem a pontuação máxima ao seu partido, sem escolher qualquer outra opção para minimizar potenciais adversários"; se todos se comportassem assim (uma situação académica quando falamos de milhões de eleitores) teríamos, na pior das hipóteses, um resultado igual ao do sistema actual.

Este tipo de votação tornaria menos agressiva a eleição uninominal (i.e., um deputado por círculo eleitoral, um método mais representativo que as listas actuais). Um dos medos dos círculos uninominais é o cilindrar dos partidos pequenos – principalmente devido ao sistema do voto único (só o mais votado seria escolhido). Num sistema de voto múltiplo, um candidato de um partido pequeno pode ser eleito mais facilmente: não precisa ser aquele com mais votos, basta ser a 2ª opção de um número suficiente de pessoas.

Notas [I,II,III]

Existem outros tipos de votação. Por exemplo:
  • Voto de Condorcet – também funciona por ordenar as preferências, mas testasse os resultados de todas as segundas voltas possíveis (no exemplo anterior, B ganha a A, B ganha a C e C ganha a A, logo B seria o escolhido por ganhar todos os confrontos individuais). Já foi considerado melhor que a contagem de Borda, mas hoje em dia há argumentos matemáticos em contrário.
  • Voto por créditos – cada eleitor tem um número de créditos que pode distribuir como quiser (é uma generalização do voto único; o voto único é o caso particular em que os eleitores depositam todos os seus créditos no candidato preferido).
  • Voto por aprovação – cada eleitor pode votar em vários candidatos (todos com igual peso). Aquele que obtiver mais aprovações é o escolhido.

Fluxo

A nossa visão do passado é distinta da dos nossos bisavôs. Será também diferente no futuro. Este passado morrerá connosco.

fevereiro 03, 2005

Acumulação

As tradições produzem estranhos hábitos.

fevereiro 01, 2005

Repetição

É comum criticar as abreviaturas da geração pós-sms. Mas o que são Mª, Av., Antº, St., Exmº, Lx, a.C., qb, i.e., TV, AM/FM, WC, AD, Lic., ps., Prof., C.P., Dª, Dr., etc.?