fevereiro 04, 2005

Representatividade

Na Constituição Portuguesa, artº 10º 1 está escrito: "O povo exerce o poder político através do sufrágio universal, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas previstas na Constituição.". Universal significa que todos votamos, igual significa que votamos todos da mesma forma, directo que votamos os nossos representantes sem intermediários (ao contrário do que ocorre nos EUA). Não me parece (na minha ignorância de não jurista) haver algo que imponha o voto único (um cidadão – um voto), i.e., seria possível optar por um sistema de votação múltipla.

O que é votação múltipla? Um exemplo é o voto ser descrito por uma ordenação de preferências (por exemplo, prefiro o candidato A, depois o B e só depois o C). Este tipo de votação é conhecido por contagem de Borda. Borda foi um matemático francês do século XVIII que propôs este sistema para eliminar potenciais injustiças da aplicação do voto único. Um exemplo simples: sejam três candidatos A, B e C. Num Universo de doze pessoas há: (a) cinco eleitores que preferem A, depois preferem B, sendo C a sua última escolha (vamos abreviar esta opinião dizendo A>B>C); (b) quatro eleitores com opinião B>C>A e (c) três eleitores com C>B>A. Usando o sistema de voto único, o candidato A ganha com 42% dos votos. Mas, se o candidato B desistisse a meio da campanha, seria C quem ganharia a eleição. De igual forma, se fosse C a desistir, ganharia B. Ou seja, A perderia sempre a eleição numa 2ª volta, mas acaba por ganhar numa corrida a três(!). Se por outro lado, atribuíssemos pontos às preferências descritas destas doze pessoas (três pontos para o 1º lugar, dois pontos para o 2º e um ponto para o 3º), o candidato A obtinha 22 pontos, B obtinha 33 pontos e C teria 21 pontos. B seria o (mais justo) vencedor.

Há alguns argumentos contra: (a) "é muito complicado pedir às pessoas para ordenar N partidos"; apesar de não concordar com argumentos baseados na suposta incapacidade eleitoral de uma população, este problema não existiria se cada eleitor designasse apenas as suas três ou quatro primeiras preferências; (b) "o método de contagem torna-se mais complexo"; é um facto, mas optando por poucas preferências o problema é minimizado e, de qualquer forma, as urnas electrónicas (e a respectiva contagem automática) serão a norma no futuro próximo; (c) "é possível que os eleitores façam votos estratégicos, i.e., darem a pontuação máxima ao seu partido, sem escolher qualquer outra opção para minimizar potenciais adversários"; se todos se comportassem assim (uma situação académica quando falamos de milhões de eleitores) teríamos, na pior das hipóteses, um resultado igual ao do sistema actual.

Este tipo de votação tornaria menos agressiva a eleição uninominal (i.e., um deputado por círculo eleitoral, um método mais representativo que as listas actuais). Um dos medos dos círculos uninominais é o cilindrar dos partidos pequenos – principalmente devido ao sistema do voto único (só o mais votado seria escolhido). Num sistema de voto múltiplo, um candidato de um partido pequeno pode ser eleito mais facilmente: não precisa ser aquele com mais votos, basta ser a 2ª opção de um número suficiente de pessoas.

Notas [I,II,III]

Existem outros tipos de votação. Por exemplo:
  • Voto de Condorcet – também funciona por ordenar as preferências, mas testasse os resultados de todas as segundas voltas possíveis (no exemplo anterior, B ganha a A, B ganha a C e C ganha a A, logo B seria o escolhido por ganhar todos os confrontos individuais). Já foi considerado melhor que a contagem de Borda, mas hoje em dia há argumentos matemáticos em contrário.
  • Voto por créditos – cada eleitor tem um número de créditos que pode distribuir como quiser (é uma generalização do voto único; o voto único é o caso particular em que os eleitores depositam todos os seus créditos no candidato preferido).
  • Voto por aprovação – cada eleitor pode votar em vários candidatos (todos com igual peso). Aquele que obtiver mais aprovações é o escolhido.

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