janeiro 31, 2005

Violência (parte II)

Qual é a evidência da nossa espécie ter desenvolvido mecanismos de violência selectiva? A primeira coisa a ter em mente é que a agressão é uma actividade organizada, orientada por objectivos e não um evento produzido por um mau funcionamento aleatório. A presença de homicídios deliberados em chimpanzés levanta a possibilidade que as forças da evolução, não somente as idiossincrasias de uma cultura, prepararam-nos para actos agressivos. Também a ubiquidade da violência ao longo da História é uma pista forte deste argumento.

A questão do que correu errado (social ou biologicamente) quando alguém se tornou violento está mal colocada. Quase todos concordam no uso de violência para defender-se a si próprio, à família ou a vítimas inocentes. A diferença entre ser-se 'heróico' ou 'patológico' depende bastante do ponto de vista: resistente ou terrorista, Robin Hood ou ladrão, anjo ou vigilante, nobre ou senhor da guerra, mártir ou kamikaze, general ou líder de um gang, estas diferenças estão no valor do nosso julgamento, não são classificações científicas. É duvidoso que existam grandes diferenças nos respectivos genes ou cérebros destes protagonistas considerados tão opostos.

A violência é mais um problema político e social. Claro que os fenómenos designados sociais ou políticos não são misteriosos eventos externos como as manchas solares, eles são resultado de uma visão e de uma dinâmica partilhada por um conjunto de pessoas num dado momento e num dado local. Desta forma, não será possível entender a violência sem um entendimento de como a mente humana funciona. [cont.]

janeiro 27, 2005

Auschwitz


Não se sabia (concedamos) o quanto o animal homem era capaz de fazer com as ferramentas apropriadas. São 60 anos hoje. O campo aberto (fechado) e o fim de um pesadelo. Daqueles que não se podem esquecer.

janeiro 26, 2005

Separação

Sou mais inteligente (onde inteligência significa capacidade de modificar comportamentos para optimizar desempenhos) e mais consciente (onde consciência significa capacidade de reflexão sobre o próprio mecanismo mental) que qualquer animal de outra espécie. Far-me-á isso especial? Mais livre? Melhor?

janeiro 24, 2005

As memórias de Adriano



As Memórias de Adriano da escritora Marguerite Yourcenar é uma longa e última carta do Imperador Adriano ao neto adoptivo Marco Aurélio, sobre a sua vida (que agora termina) e a do Império que procurou pôr ao serviço dos homens. É impressionante o exercício de reflexão, de literatura que este livro encerra, quase nos fazendo esquecer que também é uma ficção. Um pequeno excerto:

O futuro do mundo já não me inquieta; já não me esforço por calcular, com angústia, a duração mais ou menos longa da paz romana; entrego isso aos deuses. Não é porque passasse a ter mais sabedoria do homem; a verdade é ao contrário. A vida é atroz; sabemos isso. Mas precisamente por espero pouco da condição humana, os períodos de felicidade, os progressos parciais, os esforços de recomeço e continuidade parecem-me outros tantos prodígios que compensam quase a massa enorme dos males, dos fracassos, da incúria e do erro. Hão-de vir as catástrofes e as ruínas; a desordem triunfará, mas também a ordem, por vezes. A paz instalar-se-á de novo entre dois períodos de guerra; as palavras liberdade, humanidade, justiça reencontrarão aqui e ali o sentido que temos tentado dar-lhes.


 

janeiro 21, 2005

Vivemos mais, melhor, com progressiva educação, cultura e justiça. Mas não mudámos. Mesmo sendo o progresso indiscutível, a fé no progresso é igual a outra qualquer.

janeiro 19, 2005

Violência (parte I)

(adaptado do capítulo 17 do livro de Steven Pinker – The Blank Slate)

Existem muitas razões para acreditar que a violência humana não é uma doença ou um desvio mas sim parte do nosso desenho. Antes de as apresentar, deixem-me dissipar dois medos:

O primeiro medo é que uma análise destas se limite a reduzir a violência a genes “maus” dos indivíduos violentos, com a temida implicação de existir uma correlação com determinadas étnias. Há poucas dúvidas que certas pessoas têm uma maior tendência violenta que outras. Os homens são um bom exemplo. Através das culturas, a taxa de homens a matar homens é de vinte a quarenta vezes superior que a taxa de mulheres a matar mulheres. Os psicólogos encontram padrões de personalidade em muitos indivíduos violentos: tendem a ser impulsivos, possuem baixa inteligência, são hiperactivos e têm problemas de atenção. São descritos como tendo um temperamento oposicional: vingativos, enfurecem-se facilmente, são resistentes ao controlo, deliberadamente incómodos, com tendência para culpar os outros. Mas o que pretendo defender é que este não é o principal factor de violência. Há guerras que começam e terminam, há flutuações das taxas de criminalidade, as sociedades militares passam a pacifistas ou vice-versa, tudo em pouco mais de uma geração, ou seja, sem alterações do património genético dessas sociedades. Apesar de existir variações nas taxas de criminalidade nos diferentes grupos étnicos, isso não significa que haja uma explicação genética, dado que a taxa de um grupo pode ser igual à taxa de outro grupo noutro momento do passado. Os pacíficos escandinavos tiveram como antepassados os Vikings. A violência em Africa pós-colonialista é similar à da Europa após a queda do Império Romano. Qualquer grupo étnico actual, para ainda existir, teve provavelmente alguns antepassados agressivos.

O segundo medo é que pessoas com tendências violentas não são capazes de se controlar, ou que são violentas constantemente. De facto, se o cérebro está preparado para usar estratégias violentas, estas estratégias são contingentes, ligadas a processos complexos que determinam quando devem ser utilizadas. Os animais utilizam a violência de forma altamente selectiva. Os humanos são ainda mais calculistas. A maioria das pessoas passa a sua vida adulta sem premir os seus botões de agressividade. [cont.]

janeiro 17, 2005

Perspectiva

Que magnifico o Presente quando no centro dele te encontras.

janeiro 13, 2005

Fundamento

Quando nos pensamos, quão fácil é crer sermos mais que um produto de improbabilidades. A invenção de um motivo (diz-se) aliviou este peso de existir, mas não nos tirou a ânsia de o conhecer, de lhe entender as causas. Lentamente construímos regras, explicámos excepções, fizemos esse edifício que nos satisfez a ansiedade. Só que não existe motivo. Nem para estares aqui, nem para os planetas deste Sol serem quantos são.

janeiro 10, 2005

Domínio


A fragilidade dos futuros possíveis não depende só desse passado imutável dificilmente conhecido por inteiro. Depende - também e agora - do nosso próprio gesto.

janeiro 06, 2005

Escalada

O sentido da vida é um constante edificar. A cada desatenção, a cada facilidade ou infantilidade resvalamos nesse caos animal onde nada é necessário nem suficiente.

janeiro 04, 2005

Redução


O poder não é via de um sentido, ele aflui e reflui sobre aquele que o reclama. E quanto maior a medida desse poder, menos o líder é pessoa e mais se torna retrato. Com todo o controlo arbitrário que detinham, poderiam Hitler e Stalin cortar os respectivos bigodes?

janeiro 03, 2005

Distribuição

Factos. Nús, indiferentes, objectivos. A interpretação e o julgamento ficaram ao nosso cargo. A cegueira também.