janeiro 27, 2010

Transição

Um indivíduo sem outros entra em perigo de dissipação. Cada mente está viciada pelos compromissos de uma cultura. Perder essa cultura é um passo perigoso e de difícil adaptação, só sendo mitigado se passar a interagir noutra cultura. Já uma cultura só existe na dinâmica dos seus elementos. Sem eles passa para o domínio do mito, da arqueologia, aproximada nas reconstruções artísticas e científicas de um eventual futuro. Até ao desaparecimento inevitável, todos, desde o individuo até à sociedade multicultural, sofrem momentos de depressão e crescimento, quedas e renascimentos, ajudas e violências interiores e exteriores, tédio e anomias. Para sobreviver-se a si mesma a pessoa pode deixar-se na memória dos outros, nos pensamentos que escreve, nas acções que comete. A cultura pode fazer história ou, de tempos em tempos, uma diáspora. Em nenhuma delas se fica na mesma.

janeiro 25, 2010

Fronteira

Uma fronteira não existe para isolar totalmente o interior do exterior. Se assim fosse, seria pior que uma prisão, seria uma sentença de morte. A fronteira não é uma parede que isola mas uma porta de dois sentidos que preserva. E por ela atravessa, filtrado, o necessário para alimentar ou limpar o que lá está dentro.

janeiro 21, 2010

Mínimo máximo

Um hábito social não tem necessariamente de estar certo ou errado. Só se torna errado quando viola os direitos fundamentais de pelo menos um indivíduo. Há aqui uma prioridade implícita, uma que coloca o mínimo de cada um de nós à frente de toda a sociedade que nos sustém.

janeiro 19, 2010

janeiro 18, 2010

Distâncias

O conflito entre o que posso e o que quero resulta num difícil compromisso que cada um negoceia consigo e com os outros. Essa negociação não é necessariamente mais fácil numa república que num sistema de desigualdade política (em casos limites, onde nada posso ou nada quero, não há sequer negociação) mas as melhores soluções, diz-nos a evidência histórica, encontram-se na república. A ética (o que devo fazer) simplifica o compromisso por condicionar o que desejo fazer, seja pelo uso de normas sociais, seja pela aplicação de argumentos racionais. Mas, sem entrar na dimensão ética, há várias formas de lidar com esta complexidade. Ou diminuir o que quero (o estoicismo, o epicurismo, as ordens monásticas ou o budismo são algumas tentativas históricas) ou pelo aumentar do que posso (através do aumento da liberdade e propriedade individual e do diminuir da coerção da comunidade e do estado que dela preside).

janeiro 14, 2010

Retribuição

O cristianismo é uma religião de escravos que, quando a oportunidade surgiu, os transformou em esclavagistas. Não é tanto uma surpresa porque o mundo do oprimido é o mesmo do opressor. A moral cristã nunca procurou quebrar o ciclo, apenas em invertê-lo. Durante mil anos conseguiu-o admiravelmente.

janeiro 12, 2010

Crença e Conhecimento

"Conhecimento é uma crença que passou, com sucesso, pelo crivo crítico do escrútinio público [...] Todo o conhecimento é temporário. [...] Acreditar em algo errado nunca é um crime, mas acreditar simplesmente é nunca ter conhecimento. A ciência liberal não restringe as crenças mas restringe o conhecimento." Jonathan Raugh, Kindly Inquisitors

"Conhecimento garantido e textos fixos, como empregos garantidos e preços fixos, criam dependências. Se estás habituado a depender de uma ortodoxia e ela falha, é mais provável procurares uma nova ortodoxia do que procurares pelos erros da primeira." Yuri P. Maltsev [citado no Kindly Inquisitors]

janeiro 08, 2010

Propostas de Leitura

Gostaria de sugerir três livros que considero excelentes e que dizem respeito à divulgação e ao estímulo do pensar crítico (clicando na imagem vão ter à amazon.uk).

Kindly Inquisitors

O livro de Jonathan Rauch é sobre a livre expressão, a sua importância numa sociedade liberal e os seus inimigos modernos. O autor (um jornalista de investigação) escreve com rara clareza sobre os fundamentos e o motivo porque devemos manter e acarinhar uma sociedade baseada nos princípios da dúvida sistemática; na rejeição de últimas palavras e autoridades indiscutíveis; no recolher de evidência e no discutir público de ideias e crenças privadas para que, algumas, possam tornar-se conhecimento público e partilhado por todos até que outras, melhores, as possam substituir; e que ninguém está acima da crítica ou da caricatura (o livro é de 1991 e termina com uma análise da relevância da tentativa de assassinato de Salman Rushdie). Qualquer sumário deste livro (e especialmente, não este) não lhe faz jus. (180 páginas)

How to Think Straight About Psychology

O título deste livro do professor Keith Stanovich é talvez demasiado específico. O livro mostra o que é o método científico de forma exemplar e muito prática, baseando as afirmações que faz e os princípios que defende com vários estudos e exemplos da medicina e da psicologia (mostrando alguns erros modernos que se fizeram, várias vezes com vítimas, por não terem sido seguidos). Desse ponto de vista, não é só relevante pelo conhecimento da Psicologia enquanto Ciência (porque, como o autor indica, a Psicologia é uma palavra que engloba uma vasta áreas de estudos, nem sempre relacionados, algumas das quais usam ferramentas não científicas) mas para qualquer um que se interesse ou estude outra área que utilize o método científico na produção de conhecimento. Muito bem escrito, documentado e sucinto (cerca de 200 páginas).

Irrationality

O psicólogo Stuart Sutherland (morreu em 1998) escreveu um livro muito esclarecedor, repleto de evidência científica, sobre um dado por vezes esquecido pela teoria económica vigente: o nosso cérebro é fonte de múltiplas decisões irracionais. No entanto, a boa notícia é que tendemos a ser irracionais sempre da mesma forma (irracionais mas não aleatórios) o que permite que estudemos este aspecto da psicologia humana para nos conhecermos melhor e tomar melhores decisões quer individualmente, quer colectivamente. Repleto de humor inglês e apoiado em diversos estudos, o autor apresenta-nos, em cada capítulo, tipos comuns de erros, muitos dos quais originam-se pela fraca capacidade natural de entendermos probabilidades, o que mostra como é importante a educação desta matéria (a par, a meu ver, com a ética) aos membros de uma sociedade que pretenda reduzir a sua cota de irracionalidade. Breve, bem humorado e com uma mensagem muito importante (250 páginas)

[adenda] algumas afirmações retiradas do livro de Sutherland:
  • Os grupos tendem a extremar as suas opiniões partilhadas;
  • A construção de estereótipos é uma abstracção irracional, simplificando o mundo através do crescer da injustiça individual;
  • A expressão pública de uma opção torna-a mais difícil de rejeitar no futuro.
  • É mais fácil seguir a acção dos outros do que ir contra essa acção, independentemente da justiça intrínseca das opções. Deste modo reside o perigo, para as pessoas e para o sentido crítico, de participar em multidões.;
  • Obedecer à autoridade ou conformar com os pares é mais fácil que escolher as alternativas.
    A maioria prefere manter a estrutura dos seus valores mesmo que isso sacrifique a lógica, a coerência e a verdade;
  • Individualmente vê-se o outro como sendo bom ou mau e não como uma mistura positiva e negativa de diferentes características (eg, feio e inteligente, bom mas estúpido, carinhoso mas intolerante);
  • Muitos, em vez de voltar atrás numa decisão, optam por extremá-la (por falta de sentido crítico, por terem investido demasiado). Um pequeno erro inicial pode, assim, transformar-se numa tragédia;
  • Para que alguém faça X, erigir um processo iniciático difícil e desagradável, mesmo que nada tenha a ver com X. Esse investimento inicial faz com que o sujeito sinta mais dificuldade de desistir no futuro.