dezembro 02, 2009

Violência

"[...] serão os terroristas fundamentalistas, sejam cristãos ou islâmicos, realmente fundamentalistas no sentido autêntico da palavra? Será que acreditam mesmo? O que lhes falta é um atributo facilmente discernível em todos os autênticos fundamentalistas, desde os budistas tibetanos até aos Amish americanos: a ausência de ressentimento e inveja, a profunda indiferença em relação ao modo de vida do não-crente. Se os ditos fundamentalistas realmente acreditassem que encontraram o caminho da verdade, porque se sentiriam ameaçados pelos não-crentes, porque os haveriam de invejar? Quando um budista encontra um hedonista ocidental, ele mal o condena, limitando-se a notar que o caminho hedonista para a felicidade derrota-se a si próprio. Em contraste com os verdadeiros fundamentalistas, o pseudo-fundamentalista está profundamente incomodado, intrigado e fascinado pela vida pecaminosa dos não-crentes. Sente-se que, ao lutar com o Outro, eles estão a lutar contra a sua própria tentação. [...] Quão frágil a crença de um muçulmano para se sentir ameaçado pelas estúpidas caricaturas de um jornal dinamarquês de baixa circulação? O terror do fundamentalismo islâmico não está baseado na convicção dos terroristas da sua superioridade e no seu desejo de salvaguardar a sua identidade cultural-religiosa do massacre consumista da civilização ocidental. O problema não é que nós os consideramos inferiores mas que, eles próprios, secretamente se consideram inferiores. [...] Paradoxalmente, o que falta aos fundamentalistas é precisamente a dose dessa convicção «racista» da sua própria superioridade.

O que causa perplexidade nos ataques «terroristas» é que eles não se encaixam na nossa tradicional oposição do mal como egoísmo ou desapego do bem comum, e do bem como o espírito de sacrifício por uma causa maior. [...] O egoísmo, o interesse dos próprios bens, não é oposto ao bem comum porque é possível deduzir normas altruístas a partir de preocupações egoístas. O individualismo vs. a comunidade, o utilitarismo vs. a asserção de normas universais, são oposições falsas dado que este conceitos produzem os mesmos resultados. Os críticos que se queixam da falta de valores, na presente sociedade hedonista-egoísta, falham totalmente o alvo. A verdadeira oposição do egoísmo não é o altruísmo, a atenção pelo bem comum, mas a inveja, o ressentimento, que me faz agir contra o meu próprio interesse. Freud sabia isto muito bem: a pulsão da morte é oposta ao princípio do prazer bem como ao princípio da realidade. O verdadeiro mal, que é a pulsão da morte, envolve auto-sabotagem. Ele faz-nos agir contra os nossos interesses." Slavoj Zizek, Violence

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