março 30, 2009
"Se quisermos entender o papel da magia na Revolução Científica é importante notar a existência da designada magia natural, discutivelmente, o aspecto dominante da tradição mágica. A magia natural era baseada na assumpção que certas coisas tinham poderes ocultos que afectavam outras coisas e, desse modo, produziam fenómenos inexplicáveis. O sucesso de alguém enquanto mágico natural dependia de um profundo conhecimento dos corpos e como eles actuavam uns nos outros, para obter o resultado que pretendia. Repetidamente vemos, durante a Renascença, mágicos naturais a insistir que a sua forma de magia dependia exclusivamente do conhecimento da Natureza [...] Num senso muito real, porém, a separação dos elementos naturalistas dos restantes aspectos da magia foi apenas concluído durante a Revolução Científica. A história da magia, desde o século XVIII, tem sido a história do que sobrou dessa tradição depois dos elementos principais da magia natural terem sido absorvidos pela filosofia natural. Para além disso, para nós a magia interage com o sobrenatural, mas para os pensadores renascentistas, a magia baseava os seus efeitos na manipulação de objectos e processos naturais. Mesmo o demonologista, ao invocar o demónio - talvez mesmo o próprio Diabo - apenas esperava que o demónio fosse capaz de actuar como um mágico natural extremamente dotado, ao usar os poderes ocultos naturais dos objectos para realizar os eventos desejados. A razão porque a magia natural desapareceu da nossa concepção de magia foi precisamente porque os aspectos mais fundamentais da tradição foram absorvidas pela perspectiva científica. Ou, por outras palavras, a visão científica do Mundo desenvolveu-se, pelo menos em parte, do casamento entre a filosofia natural com o pragmatismo e a tradição empírica da magia natural." pg.55, John Henry, The Scientific Revolution and the Origins of Modern Science
março 26, 2009
A montanha e o rato
O mundo é complexo e não tende a melhorar. Como pode sobreviver o espírito crítico individual a tanta diversidade, a tantas opiniões fundamentais - e fundamentadas - defendidas em milhões de livros, revistas e jornais? Restringir a opinião crítica à respectiva área especializada pode parecer razoável mas arriscamos a ser autómatos que papagueiam opiniões alheias em tudo o resto. Que tarefa esta de defender o razoável que é nosso contra o sublime proclamado por inúmeros sábios do passado e presente.
Por João Neto às 08:00 0 comentário(s)
março 23, 2009
Escalas
A arqueologia, a linguística e a genética produziram um imenso corpo de evidências que mostram ser o ambiente onde uma cultura se origina e desenvolve, determinante na forma como esta progride e, muitas vezes, no seu destino final. Em muitos casos documentados, a diferença entre ser-se conquistador ou conquistado derivou, em última análise, do local e da época onde se iniciaram as respectivas histórias.
Por exemplo, o isolamento é um factor decisivo sobre a dinâmica de uma dada cultura. Centenas de habitantes num ambiente pequeno não conseguem persistir muito tempo até desaparecerem (como atesta a arqueologia em muitas pequenas e isoladas ilhas) seja por migração, extinção ou extermínio. Comunidades dispersas cujo total atinja os milhares de pessoas a viver em áreas um pouco maiores são capazes de subsistir milhares de anos mas correm o risco de ver o seu conhecimento regredir de novo para o paleolítico, pela incapacidade de manter invenções e outras tradições úteis contra os azares ocasionais da história (como no caso das comunidades nativas da Tasmânia). São precisos milhões de pessoas para o surgimento de nações e o suporte de continentes inteiros para que existam comunidades suficientemente dispersas e redes suficientemente resistentes para que as conquistas do passado não se percam das gerações futuras e possam subsistir noutros locais (a Europa Medieval recuperou as obras dos Gregos graças à civilização Árabe). Estas hipóteses são sustentadas por múltiplos dados históricos e científicos e, como excelente ponto de partida desta tese, podem ser lidos os dois livros de Jared Diamond: Guns, Germs and Steel e Collapse.
Se extrapolarmos para a escala seguinte, quais são as limitações da actual comunidade global de sete biliões num único planeta? Olhando para o presente, a humanidade está a consumir o ecossistema planetário a um ritmo demasiado elevado (como o fizeram, localmente, os Maias, os Anasazi ou as culturas do Crescente Fértil) e esta estrutura social pode estar condenada se não forem aplicadas mudanças sociais e ambientais relevantes. Será que na nossa dimensão ainda existem limites aos problemas que conseguimos resolver? O que poderia construir e solucionar uma comunidade de triliões de pessoas espalhadas por milhares de planetas? Que arte, filosofia ou ciência nasceria de uma rede social de dimensão interplanetária?
Por exemplo, o isolamento é um factor decisivo sobre a dinâmica de uma dada cultura. Centenas de habitantes num ambiente pequeno não conseguem persistir muito tempo até desaparecerem (como atesta a arqueologia em muitas pequenas e isoladas ilhas) seja por migração, extinção ou extermínio. Comunidades dispersas cujo total atinja os milhares de pessoas a viver em áreas um pouco maiores são capazes de subsistir milhares de anos mas correm o risco de ver o seu conhecimento regredir de novo para o paleolítico, pela incapacidade de manter invenções e outras tradições úteis contra os azares ocasionais da história (como no caso das comunidades nativas da Tasmânia). São precisos milhões de pessoas para o surgimento de nações e o suporte de continentes inteiros para que existam comunidades suficientemente dispersas e redes suficientemente resistentes para que as conquistas do passado não se percam das gerações futuras e possam subsistir noutros locais (a Europa Medieval recuperou as obras dos Gregos graças à civilização Árabe). Estas hipóteses são sustentadas por múltiplos dados históricos e científicos e, como excelente ponto de partida desta tese, podem ser lidos os dois livros de Jared Diamond: Guns, Germs and Steel e Collapse.
Se extrapolarmos para a escala seguinte, quais são as limitações da actual comunidade global de sete biliões num único planeta? Olhando para o presente, a humanidade está a consumir o ecossistema planetário a um ritmo demasiado elevado (como o fizeram, localmente, os Maias, os Anasazi ou as culturas do Crescente Fértil) e esta estrutura social pode estar condenada se não forem aplicadas mudanças sociais e ambientais relevantes. Será que na nossa dimensão ainda existem limites aos problemas que conseguimos resolver? O que poderia construir e solucionar uma comunidade de triliões de pessoas espalhadas por milhares de planetas? Que arte, filosofia ou ciência nasceria de uma rede social de dimensão interplanetária?
Por João Neto às 13:29 0 comentário(s)
março 18, 2009
Diferença
Na interacção entre pessoa e sociedade há um definir de normalidade que inclui até onde alguém se pode afastar desse ideal difuso sem começar a pagar o preço do excesso de diferença. Podemos achar injusto mas todos temos medo, seja do desconhecido, da mudança. Dos cancros.
Por João Neto às 11:11 0 comentário(s)
março 16, 2009
Impedimento
Uma pessoa saudável não vê como agressores a gravidade ou o envelhecer ou mesmo a recusa de um afecto que desejava recíproco. Desta forma, será que a limitação é sentida como injusta apenas quando nos é vedado algo possível e razoável para esse outro que nos impede?
Por João Neto às 07:57 0 comentário(s)
março 13, 2009
Gestão
Para definir e manter um grupo, para assegurar as vantagens de ser-se parte e cobrar a despesa dessa participação, é necessário que a fronteira que o define se destaque e que não seja fácil de cruzar, mudar ou esbater. É preciso que o respectivo regulamento seja tão díficil de actualizar como os comportamentos partilhados pela conquista da comunidade. É preciso que o preço seja alto para o serviço ter valor. É preciso que os preconceitos desfavoreçam a intimidade com o estrangeiro para que só se encontre dentro, com os seus, o que se necessita. Quanto mais coesa for uma comunidade, quanto maior for a confiança cega entre os seus membros, maior será o medo de uma dissolução, do evaporar desse centro ordenado pela caótica mudança da periferia, mais fácil o cultivar de um sentimento xenófobo em relação aos outros. Ao reduzir e simplificar o social, ao limitar o favorecimento aos eleitos, movimentos como nacionalismos, sexismos, fundamentalismos ou racismos nunca serão soluções morais para as questões que pretendem resolver ou minimizar. Prescrever fronteiras para classificar pessoas é, infelizmente, uma velha e lucrativa fórmula de gerir recursos e criar problemas.
Por João Neto às 08:04 0 comentário(s)
março 12, 2009
Prioridades
Não devemos defender ou favorecer um grupo que nasceu em X, que fala Y, que venera Z ou que se governa em W. Devemos estar do lado dos que partilham os valores dessa razão a que chamamos ética.
Por João Neto às 09:00 0 comentário(s)
março 10, 2009
Crenças
"Uma crença é razoável apenas quando existe evidência em favor da sua verdade" James Rachels
Por João Neto às 09:00 1 comentário(s)
março 05, 2009
Separação
Para além de toda a estrutura mental que nos permite lidar com o Mundo, existe associado uma rede de processos interiores cuja execução é crucial para a definição do eu e da nossa personalidade (vamos designá-los aqui por Mundo Interior). Um deles é a própria consciência que, mesmo que a sua importância seja sobrevalorizada no que toca aos papeis que executa - o que é natural pois será a própria consciência a atribuir-se relevância nessa lista viciada de prioridades -, terá um papel imprescindível na existência das sociedades e da noção de pessoa. É quase certo que existiam Homo Sapiens antes de haver pessoas (pelo menos no sentido moderno do termo) e agrupamentos sociais complexos, e que a consciência, um pouco como a linguagem apesar da natureza diferente desta, foi sendo construída ao mesmo tempo que as sociedades humanas*. Assim, neste Mundo Interior, a partir da consciência, todo um ecossistema de emoções pode desenvolver-se e estratificar-se, moldando as experiências e as suas memórias, a razão e a aprendizagem, consoante a intensidade e a mistura dessas emoções, criando assim a trajectória que, em abstracto, é a chave que nos individualiza. Alguma dessa trajectória é determinada por eventos externos, por uma sequência complexa de traumas, concretizações e muito tédio à mistura, mas também pela própria dinâmica interna que funciona mesmo na falta de impulsos externos relevantes (a ausência de eventos externos é, em si mesmo, um evento).
Na filosofia a noção de zombie é útil na discussão da cognição. Em vez de ser o morto-vivo dos filmes de terror, um zombie é um simulacro de pessoa (apesar deste termo conter já um juízo de valor), um corpo que, externamente, se comporta como uma pessoa sendo impossível de distinguirmos entre quem é zombie e quem não o é. Em resumo, um zombie é igual em tudo menos na consciência (ou no Mundo Interior). Mas o que aconteceria se programássemos esse zombie para pensar que tinha um Mundo Interior? Ou seja, parte do cérebro do zombie seria gasto a executar um conjunto de processos inúteis (do ponto de vista do desempenho externo, já que nada mudaria na sua interacção com o mundo) de modo a enganá-lo com a sensação de ter esse ecossistema emocional tão típico das mentes humanas? Que diferença sobraria entre nós e «eles»?
* Poderíamos, numa linha conspiratória, dizer que a consciência é um conjunto de memes que sequestrou a espécie humana para a fazer construir sociedades cujo fundamento básico é a sua auto-perpetuação, ou seja, tornar inevitável a cópia desses processos nas crianças que nascem e que são educadas no seu seio; mas este é um cenário um pouco mais literário e talvez menos útil.
Na filosofia a noção de zombie é útil na discussão da cognição. Em vez de ser o morto-vivo dos filmes de terror, um zombie é um simulacro de pessoa (apesar deste termo conter já um juízo de valor), um corpo que, externamente, se comporta como uma pessoa sendo impossível de distinguirmos entre quem é zombie e quem não o é. Em resumo, um zombie é igual em tudo menos na consciência (ou no Mundo Interior). Mas o que aconteceria se programássemos esse zombie para pensar que tinha um Mundo Interior? Ou seja, parte do cérebro do zombie seria gasto a executar um conjunto de processos inúteis (do ponto de vista do desempenho externo, já que nada mudaria na sua interacção com o mundo) de modo a enganá-lo com a sensação de ter esse ecossistema emocional tão típico das mentes humanas? Que diferença sobraria entre nós e «eles»?
* Poderíamos, numa linha conspiratória, dizer que a consciência é um conjunto de memes que sequestrou a espécie humana para a fazer construir sociedades cujo fundamento básico é a sua auto-perpetuação, ou seja, tornar inevitável a cópia desses processos nas crianças que nascem e que são educadas no seu seio; mas este é um cenário um pouco mais literário e talvez menos útil.
Por João Neto às 14:47 0 comentário(s)
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