julho 21, 2007

Quatro anos de Ruminações

Via Hubble, duas galáxias a interagir sob a lei da gravidade, trocando, envolvendo nesse bailado cósmico centenas de milhões de estrelas. Um canto no Cosmos.

[este blog volta em Setembro]

julho 19, 2007

Inversos

Mais que a Religião em si, a noção de Fé é a inversa da noção de Ciência. Um cientista não tem, ou não deveria ter, fé numa dada teoria científica. Consoante o conjunto de evidências que existem em favor dessa teoria, um cientista confia na sua validade (por temporária que seja) e, por isso, trabalha com o modelo subjacente. A Fé, pelo contrário, é considerada tanto maior quanto mais ela for contra a evidência dos factos ou da lógica. Em sentido absoluto, toda a Fé é verdadeira, nenhuma Ciência o é.

julho 17, 2007

Uma Experiência Computacional

[«] No decorrer da minha investigação (sem qualquer componente biológica ou neurológica mas apenas computacional) encontrei uma forma de executar computação simbólica sobre um certo modelo de redes neuronais artificiais. Ou seja, a partir de um algoritmo especificado tradicionalmente numa linguagem de programação, existe uma rede neuronal capaz de executar, dado os argumentos iniciais, a computação correspondente. Houve aqui a necessidade de lidar - e resolver - um dilema: a maioria dos algoritmos são descritos num formato sequencial (faz A, depois faz B, se C é verdade volta a A...) enquanto uma rede neuronal é uma estrutura massivamente paralela (todos os neurónios executam ao mesmo tempo). Como conciliar estes dois paradigmas tão díspares? Para resolver esta questão estabeleci módulos relativamente autónomos, capazes de comunicar por canais bem definidos e cuja execução era controlada por um mecanismo de sincronização. Ou seja, os módulos restringiam o potencial do modelo da rede para que exibissem a propriedade de poder executar algoritmos simbólicos (i.e., onde o fluxo da informação e a memória usada possuem uma atribuição semântica bem definida). Assim, sobre o substrato neuronal cuja flexibilidade computacional é imensa, passou a ser executado uma máquina virtual, mais restrita, mas com a vantagem de poder executar tarefas bem definidas, sequenciais ou com um paralelismo controlado, e especificadas por terceiros. Dito isto, confesso a minha vontade de reflectir esta experiência nos problemas aqui referidos sobre a distinção cérebro-mente. Esta abordagem do trabalho não foi influenciada pelo modelo modular que actualmente atribuímos ao cérebro. Mas, do ponto de vista da engenharia, é uma solução natural que surge múltiplas vezes: dividir para controlar, comunicar por relativamente poucos canais e manter o «módulo» o mais opaco possível aos outros módulos. Como o resto, esta é uma abordagem a um modelo que talvez imite a solução encontrada pela Evolução para este ramo específico da vida na Terra. Como alguns cientistas cognitivos dizem: Reverse engineering the brain to engineer the mind.

julho 12, 2007

Galáxias e Computação Humana

A computação descentralizada é uma das consequências naturais na internet. Projectos como o SETI@Home e a procura de primos de Mersenne são dois exemplos que usam o tempo livre de milhões de computadores de voluntários num esforço massivo de computação. No entanto, há uma outra possibilidade de computação distribuída: a computação humana. Basicamente, a computação humana é a utilização do nosso próprio tempo livre para ajudar um determinado projecto.

Li, no Bad Astronomy, sobre um dos últimos projectos deste tipo: o Galaxy Zoo. O Galaxy Zoo é um esforço colectivo para classificar milhões de novas galáxias que os telescópios encontram a uma velocidade maior que os astronomos profissionais conseguem processar. O olho e a mente humana, mesmo de não astronomos, consegue ser melhor que os melhores programas de reconhecimento de padrões visuais. Quem quiser participar, basta entrar no website, inscrever-se, passar por um pequeno teste e começar a observação de galáxias provavelmente nunca antes vistas por seres humanos.

Deixo aqui três imagens que «descobri» após classificar umas cem galaxias:



julho 09, 2007

Limites III

[«] A segunda possibilidade de debater os limites superiores da cognição refere-se ao advento da Inteligência Artificial. Esta situação é considerada por muitos como impossível, mas pode mesmo assim ocorrer nas próximas décadas (e há mais hipóteses para além do Blade Runner de Dick/Scott ou do HAL de Clarke/Kubrick). Dificilmente haverá um momento que marque o nascimento das primeiras mentes artificiais. Haverá - se formos capazes de o fazer - uma gradação suave no aumento de capacidades algorítmicas (por exemplo, tão inteligente como uma mosca, um lagarto, um rato, um macaco...). Há argumentos que desconfiam das capacidades da computação formal. Há aqueles - como Roger Penrose - que estipulam à mente a existência necessária de fenómenos físicos não simuláveis (e que têm caído sobre a força de contra-argumentação convincente - mas nunca será cedo para se estar confiante no resultado de um qualquer processo dialético). Outros - creio que John Searle se incluiria neste grupo - que não aceitam que uma sequência bem definida de passos simbólicos possa resultar nas aparentes (e este aparente é meu) capacidades de intuição e imaginação humana que somos capazes de produzir com relativa facilidade. Para além da questão da aproximação que referi antes e à qual voltaremos brevemente, tento pensar neste problema da seguinte forma: o que me garante que o «Outro» é consciente, racional, enfim, uma pessoa (usando pessoa com o significado que os detractores da IA (p)referem, i.e., com um algo mais quase dualista que não se encontra nem simula)? Não será esse outro o resultado de um qualquer «algoritmo molhado», um dos evento s emergentes da interacção complexa entre biliões de neurónios e correntes eléctricas? Para todos os efeitos, também não tenho acesso nem conhecimento aos meus processos cognitivos. Quem garante que eu seja uma dessas pessoas? Não podemos esperar a compreensão dos actos cognitivos pela Ciência para nos considerarmos e agirmos e tomarmos juízos enquanto agentes morais, políticos, etc. Isto significa que, de certo modo, confiamos no comportamento complexo que exibimos diariamente para classificar como especial as nossas capacidades. Vêmo-nos como caixas pretas ou quase (se levarmos em conta os resultados conseguidos pela psicologia ou pela neurologia, só para dar dois exemplos). Porque pressupor um modelo mais rígido que este para analisar o comportamento de um programa?

julho 04, 2007

Limites II

[«] Quanto ao limite superior. Há, pelo menos, duas situações futuras, ambas hipotéticas, onde esta questão terá eventualmente de ser levantada. Uma é o contacto ou recepção de sinais de uma civilização extraterrestre. Como defender a unicidade do pensar no Homo Sapiens? Poderíamos, e como argumento de recurso, defender a especificidade do nosso pensar. Mas não seria isso a frágil defesa de um antropocentrismo latente? Podemos defender a especificidade do pensar ocidental, europeu, português, lisboeta ou benfiquista. Cada mistura que somos vê, objectivamente, o mundo de forma diferente. Mais, cada um de nós é uma órbita que muda ao longo dos anos, havendo, se tanto, uma ténue invariante a que nos acostumamos chamar de 'eu' (uma comparação talvez apropriada ocorre com o corpo, onde a percentagem de células que tínhamos no momento do nascimento e que ainda mantemos é zero por cento, ou quase). Mas essa diferença não se compara com o que partilhamos no que toca à cognição em si. Podem a maioria das diferenças sobreviver a uma análise que separe o necessário do contingente no acto de pensar? E encontrando esse conjunto em comum (como? boa pergunta), ele não seria sinónimo da nossa espécie. Existe uma diferença entre ser Homo Sapiens e ser uma pessoa. Ser uma pessoa não necessita, à priori, de um corpo humano (como não necessitava, antes, de se ser homem, cidadão da pólis, branco, cristão ou literato) e este especismo latente, se hoje ainda não é urgente para a maioria, teria de ser abordado num destes hipotéticos futuros. Falaremos a seguir da segunda possibilidade.

julho 02, 2007

Contrato

Como o corpo admite o domínio da mente? O corpo é uma legião de processos paralelos, simbioticamente ligados numa eficiência a roçar o milagre. A mente é um soluçar sequencial originário do discurso de várias máscaras contraditórias e que controla o enorme paralelismo neuronal de um cérebro humano. Como foi possível, no início, esta ocupação? Agora, imersos os corpos neste caldo de ideias, normas e hábitos, esta mistura de racionalidade e superstição, nesta tirania das pessoas, o animal aqui dentro, asfixiado numa elaborada burocracia de restrições, projectado num ápice evolutivo das savanas para a matriz, é apenas um mal necessário, um eco de um compromisso que ainda e só é útil por manifesta falta de melhor opção.