julho 21, 2006

Metáforas

Consideremos os seguintes dois pressupostos: (a) a consciência humana é posterior à plasticidade cerebral do animal Homo Sapiens; (b) a sequencialidade e a velocidade relativamente baixa da actividade mental consciente. Estes pontos vão na direcção do facto que o nosso cérebro não foi desenhado para o tipo de actividade que hoje em dia executa (digo facto porque a selecção natural, milhões de anos atrás, quando da evolução da massa craniana, não possuía qualquer propósito de fazer nascer culturas ou civilizações) e que existe, por isso, uma 'máquina virtual' mais ou menos sequencial a executar por cima do hardware extraordinariamente paralelo do cérebro. A nossa arquitectura neuronal, não sendo uma tabula rasa ao nascimento (existem variadíssimos mecanismos fixados no sistema nervoso central) é o meio que favorece o surgir de certos comportamentos em detrimento de outros (precisamente por não ser uma tabula rasa) e onde são codificadas as funcionalidades que adquirimos na interacção com o ambiente. É a adaptação pós-natal destas estruturas que deve ser referida para explicar o funcionamento cognitivo complexo de um ser humano (por exemplo, possuímos comportamentos inatos para reconhecer caras mas nenhum para escrever, actividade que temos muita dificuldade em aprender). Esta máquina virtual é, pelo esforço de aprendizagem e adequação cultural que nos torna pessoas, o meio que permite a reflexão individual, a possibilidade da linguagem e, assim, uma comunicação sofisticada com os outros. Em consequência, ela providencia um enorme e organizado processamento mental disponível para ser ocupado por multidões de ideias, conhecimentos e preconceitos diversos. São estes os memes de Richard Dawkins que, em certas configurações e resultantes dinâmicas, como as que obtemos durante o nosso longo período de aprendizagem, Daniel Dennet considera serem sinónimo de consciência e cuja mistura é única em cada um de nós. Ou, por outras palavras, cada um de nós é essa mistura.

(nota: as metáforas da moda - neste caso as computacionais - são, na sua maioria, um reflexo da cultura onde se expressam. Têm a vantagem de transmitir uma ideia minimizando a ambiguidade que sempre separa a mensagem de quem escreve e a interpretação de quem lê mas trazem consigo o risco de substituir a ideia pela imagem que carregam. É a vida.)

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