julho 27, 2006

Três Anos de Ruminações


Três anos de reflexos, meus, aqui.

julho 25, 2006

Limites

Terá o cérebro do Homo Sapiens um estatuto semelhante à da máquina Universal de Turing? Para qualquer conceito 'compreensível', em teoria, será possível ser compreendido por um ser humano? Existirá um graal vedado no mundo das explicações ou, em todas as demandas finitas, há sempre um caminho, mais ou menos árduo, para uma solução que chamemos nossa?

julho 24, 2006

Pause & Play

As vidas não se perdem, evaporam-se. O singular átomo da morte cabe num intervalo de dois olhares. O cano da .45 apontado atrás do occipital do Doutor Spleen, seis balas atrás do cano e o silêncio de um profissional por detrás de tudo. Depois, célere, directo à memória dos momentos passados porque algo, entre a disposição circular das balas e o cilindro de metal que as direcciona, encravou. Um instante e as prioridades são refeitas, um microsegundo para o mundo se recompor, o punho que segura a arma quebrado no peso da sua inércia, o drama refeito e virado do avesso. E é o fim, ou um fim, já que em seguida tudo o que parara recomeça. O lento evoluir das ruas, as pessoas de volta às suas órbitas, o luar da noite nesse reflexo de luz, a caneta no chão apanhada e no negro do jornal, o mesmo problema de palavras cruzadas.

julho 21, 2006

Metáforas

Consideremos os seguintes dois pressupostos: (a) a consciência humana é posterior à plasticidade cerebral do animal Homo Sapiens; (b) a sequencialidade e a velocidade relativamente baixa da actividade mental consciente. Estes pontos vão na direcção do facto que o nosso cérebro não foi desenhado para o tipo de actividade que hoje em dia executa (digo facto porque a selecção natural, milhões de anos atrás, quando da evolução da massa craniana, não possuía qualquer propósito de fazer nascer culturas ou civilizações) e que existe, por isso, uma 'máquina virtual' mais ou menos sequencial a executar por cima do hardware extraordinariamente paralelo do cérebro. A nossa arquitectura neuronal, não sendo uma tabula rasa ao nascimento (existem variadíssimos mecanismos fixados no sistema nervoso central) é o meio que favorece o surgir de certos comportamentos em detrimento de outros (precisamente por não ser uma tabula rasa) e onde são codificadas as funcionalidades que adquirimos na interacção com o ambiente. É a adaptação pós-natal destas estruturas que deve ser referida para explicar o funcionamento cognitivo complexo de um ser humano (por exemplo, possuímos comportamentos inatos para reconhecer caras mas nenhum para escrever, actividade que temos muita dificuldade em aprender). Esta máquina virtual é, pelo esforço de aprendizagem e adequação cultural que nos torna pessoas, o meio que permite a reflexão individual, a possibilidade da linguagem e, assim, uma comunicação sofisticada com os outros. Em consequência, ela providencia um enorme e organizado processamento mental disponível para ser ocupado por multidões de ideias, conhecimentos e preconceitos diversos. São estes os memes de Richard Dawkins que, em certas configurações e resultantes dinâmicas, como as que obtemos durante o nosso longo período de aprendizagem, Daniel Dennet considera serem sinónimo de consciência e cuja mistura é única em cada um de nós. Ou, por outras palavras, cada um de nós é essa mistura.

(nota: as metáforas da moda - neste caso as computacionais - são, na sua maioria, um reflexo da cultura onde se expressam. Têm a vantagem de transmitir uma ideia minimizando a ambiguidade que sempre separa a mensagem de quem escreve e a interpretação de quem lê mas trazem consigo o risco de substituir a ideia pela imagem que carregam. É a vida.)

julho 19, 2006

Lotaria Cósmica

A vida é uma provocação ao impossível. A cada nascimento, no início dessa nova geração, aquele que surge é um grito de desafio, um possível feito carne, o resultado de baralhar milhares de genes e milhões de contingências.

julho 17, 2006

Contabilidade

O mundo, mesmo que já muito repetido, não deixou de ser complexo. Nele, e na interacção de ziliões de possibilidades, há uma infinidade de tons nos quais apostamos esta ou aquela opção. O Doutor Spleen, ao contrário de certos senhores da guerra que não perdoam uma primeira falha, sabe ser natural a ocorrência de erros no decorrer da sua actividade nocturna. Mesmo que ele próprio não se lembre de errar uma única vez (apesar de reconhecer que a auto-crítica com que floreamos o passado é - um pouco como a saudade - um eufemismo para memória selectiva) é preciso saber equilibrar na balança das perdas o ganho de experiência do agente que falha. Alguém que erra é alguém que evita esse erro no futuro. Assim, após nos deixarmos convencer pelo artificial de uma qualquer classificação, o que interessa é saber se o individuo em questão caiu no mesmo tipo de erro uma segunda vez. É que reiterar um defeito não é só o anúncio de um risco maior como é a sombra que acompanha a estupidez. E a estupidez não é coisa que se perdoe.

julho 13, 2006

Desproporcionalidade

A técnica primitiva "Olho por olho, dente por dente" não deixa todos cegos e desdentados. Ela afecta apenas uma infeliz parcela de quem se mete na desnecessária violência das coisas. Já "Dois olhos por olho, dois dentes por dente" é receita de cegueira e problemas dentários generalizados.

julho 12, 2006

Perdidos & Achados

A memória é o palco onde o teu passado perde os detalhes que já não te dizem nada. Nessa reconstrução, também, coisas que se unem, desejos e pequenos nadas que se juntam aos momentos mantidos, tornando esse passado não uma pedra que se gasta mas um rio nem sempre gelado que, assim e lento, recua.

julho 10, 2006

Naturezas

A alcateia dorme sob o tecto húmido do apartamento. A chuva anuncia-se lá fora e o Doutor Spleen, no seio da insónia, observa e lê com demora as obras dos Bacons; Roger e Francis, dois irmãos separados por quatro séculos de História. Pensa no erro e nas suas origens. Sabe que, para além do hábito a que nos submetemos neste passar de dias, do preconceito partilhado com que classificamos as coisas, a cedência acrítica à autoridade é uma das principais fontes de erro do mundo. É verdade que pressupor-se melhor não é um direito, que um individuo sem vontade é menos pessoa que um espírito autónomo, que a realidade não se conforma a receitas de ordens prévias. Mas como mudar a nossa própria natureza? Como ensinar um lobo a digerir relva?

julho 07, 2006

Standards

Para te chamarem normal quanta força nesse apertar de cinto?

julho 04, 2006

Deliriu fide


Há só que dizer Hiëronymus Bosch

julho 03, 2006

Precisão

A Ética é mais que pedras gravadas ou páginas escritas, que máximas sibiladas em ritual, que o suor da procura honesta que nos dite que fazer. Porque o universo é complexo, quase infinito, as consequências e as causas são multidões que o nevoeiro das relações esconde. Ética é o cálculo possível de uma situação, temperado pela inteligência, temperado pelas normas de uma cultura e polvilhado nos fantasmas carregados dos erros cumpridos. O Doutor Spleen reconhece que esse cálculo é o que nos separa dos restantes animais. Também reconhece que a capacidade de análise individual divide a Humanidade em diferentes campos. E no mesmo convivem santos e monstros, heróis e nemesis, anjos e demónios, porque para esventrar o conceito difuso de uma ética culturalmente partilhada é necessário ser matemático e cirurgião, um engenheiro de minas nessa lava de sentimentos arrefecida que molda a sociedade humana. O Doutor Spleen gostava, uma única vez que fosse, de explicar isso a uma das suas vítimas. Que não é o aleatório da escolha o importante na morte mas sim a demonstração desenhada no rasgar do corpo.