outubro 29, 2004

Estimativa

Nunca seremos bons gestores das expectativas alheias.

outubro 28, 2004

Essencial

As ilusões não são erros. A ilusão é a projecção de uma esperança. O erro, choque de realidade. Mesmo nunca errando, não se vive sem ilusões.

outubro 26, 2004

Redenção

Estamos presos em nós mesmos. Serei o corpo que me sustenta? Serei sequer este cérebro? O que me faz diferente é informação, não o sistema respiratório, digestivo ou linfático que tenho (e que me tem). Talvez a noção de Paraíso seja o desejo de dissolução da mente num Oceano de informação. Nesse sentido, a Internet seria um avanço maior que Angkor, Jerusalém, Meca ou o Vaticano.

outubro 25, 2004

Pêndulo

Os vícios não são o oposto das virtudes. Ambos são soluções na obtenção de prazer e fugas ao perigo do tédio. Vão-se é alternando, entre continentes e séculos.

outubro 22, 2004

Fronteiras V


A separar o real indiferente do reflexo humano há portas e sombras de portas - o que não é a mesma coisa. Se algumas requerem chave, pedem outras apenas um olhar.

outubro 21, 2004

Contraste

Um livro é como nós. Quando morto enterra-se (na Biblioteca Nacional). Quando vivo é alegria, desespero ou indiferença daqueles que o reconhecem. Só que aos livros é possível ressuscitá-los (com uma ou outra excepção nos homens, diriam alguns).

outubro 19, 2004

Epiderme

Como prevenir o contágio da rotina e do quotidiano? Como recusá-lo?

outubro 18, 2004

Heresias: "De volta a Hobbes"

(texto traduzido do capítulo "De volta a Hobbes" do livro "Heresies" de John Gray)

No século XX o estado era o pior inimigo da liberdade. Hoje, é a fraqueza de um estado que mais ameaça a liberdade. Em muitos locais, os estados colapsaram. Noutros, estão corruptos ou corroídos. O resultado é a falta, a biliões de pessoas, das mais rudimentares condições de vida. Mesmo nos estados mais ricos, o medo do crime é insidioso. No entanto, os liberais – devido ao terrível registo dos crimes de estado contra a Humanidade – continuam a acreditar que o maior desafio da política é a limitação do poder do estado. Assumindo que as liberdades individuais nunca devem ser violadas, insistem que todas as acções de um governo devem ser consistentes com essas liberdades.

O problema desta filosofia liberal simplista é considerar a liberdade como a condição que surge naturalmente logo que a repressão governamental seja removida. Na verdade, a liberdade é uma construção extremamente complicada e delicada que só pode ser mantida por um processo de ajuste contínuo. Ao contrário da corrente liberal dominante, a liberdade não é um sistema de direitos inter-relacionados que deve ser mantido sobre qualquer preço. Uma liberdade pode revogar outra. A política é a arte de escolher entre liberdades rivais.

No mundo virtual dos filósofos liberais, não precisamos escolher qual das liberdades damos mais valor. Numa Constituição bem construída podemos tê-las todas. Esta é a visão constantemente reiterada de juristas liberais como John Rawls e Ronald Dworkin. No mundo real, as coisas ocorrem de forma distinta. [...] No fundo, o estado existe para assegurar a paz. Quando a paz está em rota de colisão com a liberdade, é esta que perde sempre. Como Hobbes sabia, o que as pessoas querem mais do estado é protecção não liberdade. Pode ser uma infelicidade constatar isto, mas fundamentar uma filosofia política na negação da natureza humana é um erro. É melhor enfrentar os factos. As liberdades pessoais podem por vezes entrar em conflito com as necessidades. Quando isso acontece, é tarefa do estado encontrar um meio termo, o mais satisfatório possível, que garanta aos cidadãos um nível aceitável de segurança.

[...] Para proteger os cidadãos, o estado pode ter de os submeter a níveis elevados de segurança. Ao mesmo tempo, deve evitar tentativas exageradas de regulamentação em assuntos onde seja contraproducente para a sociedade. As atitudes actuais sobre a droga e o terrorismo ilustram as falhas dos pontos de vista prevalecentes de direita e esquerda. Uns dizem que a luta à droga e a luta ao terrorismo estão ligados e que devem ter poderes draconianos para lidar com ambos. Outros, suspeitos da retórica de guerra, insistem que os governos devem, em ambos os casos, estar sujeitos ao regime de direito. O que nenhum lado reconhece é que lidar com o terrorismo pode exigir um aumento dos poderes do estado, enquanto lidar com o problema da droga requer um estado menos intrusivo das liberdades pessoais.

outubro 15, 2004

Ainda 1952

"Uma sociedade livre é uma sociedade onde é seguro ser-se impopular." - Adlai Stevenson (1952)

outubro 14, 2004

Valor é...

O valor é a abstracção da necessidade. A abstracção é o generalizar depois do irrelevante. Como os meus preconceitos definem essa irrelevância, o valor de algo depende da minha visão do Mundo. É na maximização desse valor que um comportamento se justifica. Creio ser este o argumento da teoria económica do valor. É que há qualquer coisa nele... Por exemplo, como conhecer a tua visão para estimar o que fazes? Principalmente, se importante for para a minha.

outubro 12, 2004

Inimigo Nosso

We have met the enemy and he is us - Walt Kelly (1952)

outubro 11, 2004

Paragem

Tanto a escrita como a fotografia preservam porque descrevem um processo. Uma refere-se ao possível da linguagem, outra ao cristalizar de um momento.

outubro 08, 2004

Convergência III

Será o livre arbítrio uma ilusão? Será necessário para justificar morais e direitos? É que somos responsáveis por tudo (excepto, disse Sartre, pela própria responsabilidade), quer sejamos capazes de optar livremente ou somente ininteligíveis veículos levando causas a efeitos.

outubro 07, 2004

Aos Georges Bushes (XII)

A globalização tornou-te o mundo mais pequeno, mas não o transforma num espelho para o teu sorriso.

outubro 06, 2004

Cultura e Geografia (parte III)

A maior parte da vivência do Homem foi de recolector-caçador. As raízes da civilização - sedentarismo, viver em cidades, divisão de trabalho, governação, exércitos profissionais, tecnologia - surgiram de uma inovação relativamente recente, a agricultura. A agricultura depende das espécies vegetais e animais domesticáveis, e há muito poucas que o podem ser. Os melhores ecossistemas centravam-se no Crescente Fértil, na China e na América Central e do Sul: os locais onde regionalmente surgiram as primeiras civilizações.

A partir daí a geografia moldou o destino. A Eurásia é o maior bloco terrestre e uma enorme superfície para o eclodir de descobertas locais. Negociantes, viajantes e conquistadores podem transportar e espalhar essas inovações. Pessoas que vivam nos cruzamentos das movimentações históricas podem acumular um pacote de conhecimento muito difícil de obter de outra forma. Para além disso, a Eurásia é uma superfície horizontal, enquanto a América e a África são verticais. Animais e plantas usadas na China podem ser levadas mais facilmente por milhares de quilómetros para a Europa, na mesma latitude e com um clima aproximado. Já mil quilómetros para Sul ou Norte podem mudar um clima temperado para tropical. A transferência de espécies não é tão fácil, um cavalo pode ser usado de Portugal à China, mas a lama dos Andes não sobrevive no ambiente árido do México.
 

Assim, as culturas da Eurásia foram conquistadoras, não porque naturalmente mais inteligentes mas porque puderam aproveitar melhor a vantagem do principio que duas cabeças pensam melhor do que uma. Qualquer cultura Europeia antiga era uma amálgama de conhecimentos de diferentes partes (alfabeto do Médio Oriente, matemática Egípcia, Grega e Árabe, papel Chinês, cavalos dos Urais...). Já as culturas isoladas de África (pelo Sahara) e da América e Oceânia (pela água) podiam apenas valer-se de tecnologias caseiras. Como resultado, foram incapazes de resistir aos conquistadores multiculturais.

Um caso extremo, conta Diamond, é a Tasmânia onde se encontrava a cultura tecnologicamente mais atrasada da História registada. Ao contrário dos aborígenes australianos, os tasmaneses desconheciam o fogo, o boomerangue, as lanças, não tinham ferramentas especializadas nem sequer em pedra, não tinham canoas e não sabiam pescar. O incrível é estas tecnologias existirem na Austrália há mais de dez mil anos(!). O problema é que a Tasmânia foi separada da Austrália há muito tempo, isolando as respectivas populações. Todas as descobertas ocorridas até então foram-se perdendo na Tasmânia. Talvez porque os recursos na pequena ilha se esgotaram e os descendentes perderam as artes. Ou talvez os artesãos tenham sido todos mortos por uma geração de chefes fanaticamente conservadora. O que quer que tenha ocorrido, implicou na perda dessas tecnologias. Se isso acontecesse numa região Europeia bastava viajar à próxima região. Na Tasmânia não havia próxima região.

outubro 01, 2004

Protecção


Qual a impermeável face do hábito que hoje usas? Diz-lhe que trocarias sempre o próximo beijo pelo despir dessa mentira.