Heresias: "De volta a Hobbes"
(texto traduzido do capítulo "De volta a Hobbes" do livro "Heresies" de John Gray)
No século XX o estado era o pior inimigo da liberdade. Hoje, é a fraqueza de um estado que mais ameaça a liberdade. Em muitos locais, os estados colapsaram. Noutros, estão corruptos ou corroídos. O resultado é a falta, a biliões de pessoas, das mais rudimentares condições de vida. Mesmo nos estados mais ricos, o medo do crime é insidioso. No entanto, os liberais – devido ao terrível registo dos crimes de estado contra a Humanidade – continuam a acreditar que o maior desafio da política é a limitação do poder do estado. Assumindo que as liberdades individuais nunca devem ser violadas, insistem que todas as acções de um governo devem ser consistentes com essas liberdades.
O problema desta filosofia liberal simplista é considerar a liberdade como a condição que surge naturalmente logo que a repressão governamental seja removida. Na verdade, a liberdade é uma construção extremamente complicada e delicada que só pode ser mantida por um processo de ajuste contínuo. Ao contrário da corrente liberal dominante, a liberdade não é um sistema de direitos inter-relacionados que deve ser mantido sobre qualquer preço. Uma liberdade pode revogar outra. A política é a arte de escolher entre liberdades rivais.
No mundo virtual dos filósofos liberais, não precisamos escolher qual das liberdades damos mais valor. Numa Constituição bem construída podemos tê-las todas. Esta é a visão constantemente reiterada de juristas liberais como John Rawls e Ronald Dworkin. No mundo real, as coisas ocorrem de forma distinta. [...] No fundo, o estado existe para assegurar a paz. Quando a paz está em rota de colisão com a liberdade, é esta que perde sempre. Como Hobbes sabia, o que as pessoas querem mais do estado é protecção não liberdade. Pode ser uma infelicidade constatar isto, mas fundamentar uma filosofia política na negação da natureza humana é um erro. É melhor enfrentar os factos. As liberdades pessoais podem por vezes entrar em conflito com as necessidades. Quando isso acontece, é tarefa do estado encontrar um meio termo, o mais satisfatório possível, que garanta aos cidadãos um nível aceitável de segurança.
[...] Para proteger os cidadãos, o estado pode ter de os submeter a níveis elevados de segurança. Ao mesmo tempo, deve evitar tentativas exageradas de regulamentação em assuntos onde seja contraproducente para a sociedade. As atitudes actuais sobre a droga e o terrorismo ilustram as falhas dos pontos de vista prevalecentes de direita e esquerda. Uns dizem que a luta à droga e a luta ao terrorismo estão ligados e que devem ter poderes draconianos para lidar com ambos. Outros, suspeitos da retórica de guerra, insistem que os governos devem, em ambos os casos, estar sujeitos ao regime de direito. O que nenhum lado reconhece é que lidar com o terrorismo pode exigir um aumento dos poderes do estado, enquanto lidar com o problema da droga requer um estado menos intrusivo das liberdades pessoais.
No século XX o estado era o pior inimigo da liberdade. Hoje, é a fraqueza de um estado que mais ameaça a liberdade. Em muitos locais, os estados colapsaram. Noutros, estão corruptos ou corroídos. O resultado é a falta, a biliões de pessoas, das mais rudimentares condições de vida. Mesmo nos estados mais ricos, o medo do crime é insidioso. No entanto, os liberais – devido ao terrível registo dos crimes de estado contra a Humanidade – continuam a acreditar que o maior desafio da política é a limitação do poder do estado. Assumindo que as liberdades individuais nunca devem ser violadas, insistem que todas as acções de um governo devem ser consistentes com essas liberdades.
O problema desta filosofia liberal simplista é considerar a liberdade como a condição que surge naturalmente logo que a repressão governamental seja removida. Na verdade, a liberdade é uma construção extremamente complicada e delicada que só pode ser mantida por um processo de ajuste contínuo. Ao contrário da corrente liberal dominante, a liberdade não é um sistema de direitos inter-relacionados que deve ser mantido sobre qualquer preço. Uma liberdade pode revogar outra. A política é a arte de escolher entre liberdades rivais.
No mundo virtual dos filósofos liberais, não precisamos escolher qual das liberdades damos mais valor. Numa Constituição bem construída podemos tê-las todas. Esta é a visão constantemente reiterada de juristas liberais como John Rawls e Ronald Dworkin. No mundo real, as coisas ocorrem de forma distinta. [...] No fundo, o estado existe para assegurar a paz. Quando a paz está em rota de colisão com a liberdade, é esta que perde sempre. Como Hobbes sabia, o que as pessoas querem mais do estado é protecção não liberdade. Pode ser uma infelicidade constatar isto, mas fundamentar uma filosofia política na negação da natureza humana é um erro. É melhor enfrentar os factos. As liberdades pessoais podem por vezes entrar em conflito com as necessidades. Quando isso acontece, é tarefa do estado encontrar um meio termo, o mais satisfatório possível, que garanta aos cidadãos um nível aceitável de segurança.
[...] Para proteger os cidadãos, o estado pode ter de os submeter a níveis elevados de segurança. Ao mesmo tempo, deve evitar tentativas exageradas de regulamentação em assuntos onde seja contraproducente para a sociedade. As atitudes actuais sobre a droga e o terrorismo ilustram as falhas dos pontos de vista prevalecentes de direita e esquerda. Uns dizem que a luta à droga e a luta ao terrorismo estão ligados e que devem ter poderes draconianos para lidar com ambos. Outros, suspeitos da retórica de guerra, insistem que os governos devem, em ambos os casos, estar sujeitos ao regime de direito. O que nenhum lado reconhece é que lidar com o terrorismo pode exigir um aumento dos poderes do estado, enquanto lidar com o problema da droga requer um estado menos intrusivo das liberdades pessoais.
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