dezembro 29, 2003

Utopias

Com o passar dos Séculos certos lugares imaginários perdem-se na memória e sobrevivem apenas nas páginas ou nos quadros que reflectem um passado (quase) morto. Apesar de todos sabermos o que é o Carnaval, já poucos sabem o que foi a terra da Cocanha. Numa Europa medieval caótica e violenta, onde a esperança da vida eterna era espartilhada pela rígida moral católica, a imaginação funcionava como mecanismo de compensação. Foram criadas geografias fantásticas como o reino do Prestes João, a Terra Australis, Hi Brazil ou a Cocanha, uma terra maravilhosa de abundância, de prazer e de esquecimento. Um local onde os ocasionais dias das festas eram multiplicados por todos os dias do ano. Uma utopia destinada a esquecer quase esquecida.

O País da Cocanha - Peter Breugel (o velho)

ps: O livro Baudolino do Umberto Eco é uma óptima viagem por estas geografias imaginadas.

dezembro 23, 2003

Viagem III

15 de Outubro de 2007, 13:38 GMT

O satélite de Urano, Ariel (numa órbita a 190 mil Km, constituído por cerca de 50% de água) interpõe-se entre o planeta e o Sol provocando um eclipse solar que nenhum olho humano verá.

dezembro 22, 2003

Uma Breve História da Computação (parte V)

Depois de um período de sucessos e crescentes expectativas, o campo da Neurocomputação começou a ter dificuldades de progressão sendo alvo de crescentes criticas e descréditos, culminando estas com o conhecido livro de Minsky e Papert em 1969, Perceptrons, onde os autores mostram matematicamente que o perceptrão não pode aprender funções tão triviais como a função lógica XOR (o Ou Exclusivo). A tese implícita era que todas as redes neuronais sofriam da mesma falha que o perceptrão. Se eram incapazes de aprender as noções lógicas mais básicas, como poderiam ser vistas como um modelo promissor? Esse argumento teve repercussão no meio científico e a Neurocomputação perdeu apoios e investigadores durante cerca de uma década.

É costume pensar que a década de 70 foi uma travessia do deserto no que respeita às descobertas nesta área, mas muito trabalho foi realizado e alguns dos conceitos mais importantes actualmente, surgiram nesse período. Teuvo Kohonen e James Anderson em 1972 propuseram independentemente um modelo de memória associativa, onde o elemento básico neuronal era analógico (contínuo) e não digital (discreto) como nos modelos de McCulloch e de Rosenblatt. Este género de memória é próximo da nossa experiência individual: é-nos fácil associar um tipo de informação com algo que já conhecemos, conseguindo extrair o resto que dificilmente seria lembrado sem a informação inicial (como as primeiras notas de uma música, as palavras de um poema ou as imagens de um filme). Ainda no caminho para um modelo mais realista, Stephen Grossberg investigou os mecanismos de inibição e saturação neuronais (um neurónio biológico possui comportamento muito diferente do normal em estados de saturação) e introduziu a função de activação sigmoidal.

O físico John Hopfield, no início dos anos 80, para além do modelo conhecido por rede associativa de Hopfield, tem como uma das suas principais contribuições a introdução do conceito de energia a partir da matriz de ligações que define a rede neuronal. A dinâmica da rede de Hopfield é construída para minimizar a sua energia e só estabilizar quando atingir um mínimo. Esse mínimo permite guardar um padrão: um estado do sistema que "atrai" outros estados (um atractor portanto, mas definiria este uma dinâmica caótica?).

O passo que deu a partida definitiva para uma nova explosão criativa no campo, foi o trabalho iniciado por Paul Werbos em 1974 (e mais tarde, nos anos 80, por David Rumelhart e colegas) com a apresentação de um algoritmo de aprendizagem para redes de múltiplas camadas, uma generalização do algoritmo de Widrow-Hoff, o conhecido algoritmo de Retropropagação. Finalmente, caia a restrição conjecturada por Minsky dado que as redes neuronais de múltiplas camadas são capazes de aproximar qualquer função! Estava aberto o caminho da aprendizagem neuronal. [cont.]

dezembro 17, 2003

Janelas de Oportunidade

Entre os escritores portugueses do Século XX, alguns teriam gostado do conceito e da liberdade que os blogs permitem. Sei de autores que insinuaram esse gosto (ou necessidade) em algumas das suas obras. Por exemplo, Vergílio Ferreira que nos deixou Pensar e Escrever, Bernardo Soares (Fernando Pessoa) com o Livro do Desassossego, Miguel Torga com os seus Diáriosi (que belo e transmontano blog seria) ou Saramago com os Cadernos de Lazarote. Quando lemos estes textos condensados nos respectivos livros, em sequência militar de página em página, é fácil prolongar a leitura para o próximo, fazer pontes demasiado depressa, não permitindo que o tempo nos mature as ideias de cada aforismo, de cada reflexão, de cada pesar ou deslumbramento. Os blogs (pelo menos) têm a virtude de forrar os momentos de escrita com silêncios de espera.

dezembro 16, 2003

Fluxos

As palavras são
como as gotas do rio;
subtis sementes.

dezembro 15, 2003

Amar é...

Amar é concretizar a abstracção de se querer dar.

dezembro 12, 2003

O indivíduo face à estatística

As minhas manhãs são normalmente difíceis. Sento-me face ao pão, que barro com lentidão,
vejo, por entre as pálpebras ainda pesadas, as imagens que saem daquela caixa mágica (que muita magia perdeu, mas que continua a ser mágica para os que, como eu, não sabem como ela funciona, nem estão muito interessados em sabê-lo).
Chegam-me, à mãos cheias, os medos do mundo. A droga mata. O tabaco mata. Dormir pouco mata. Dormir muito também mata. Um casal é esfaqueado. As casas do interior cedem face aos assaltantes, que deixam idosos lívidos no chão. Crianças desaparecidas. A morte nos países desenvolvidos é assim: um fantasma permanente, que não tem par senão no medo de envelhecer.
A morte no Terceiro Mundo é diferente. Conta-se aos milhares. Aumenta em segundos. Mas deixou de nos chocar.
Pois não dizia Mao Tze Tung que a morte de milhares é uma estatística? E que a morte de um indivíduo é uma tragédia? Quiçá deixámos de ver cada habitante dos países pobres como um indivíduo.
Levanto-me da mesa e levanto a mesa. Sigo para o dia que (não) me espera.

dezembro 11, 2003

As Palavras

São como um cristal,
as palavras.
Algumas um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam;
barcos ou beijos,
as águas estremecem.

Desamparadas, inocentes,
leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
cruéis, desfeitas,
nas suas conchas puras?

Eugénio de Andrade

dezembro 10, 2003

Concessões

Há demasiadas sedes para não se beber de nenhuma.

dezembro 09, 2003

Uma breve História da Computação (parte IV)

Enquanto a abordagem matemática-operacional da computação se desenvolvia a partir do esforço de Turing (com o sobressalto evidente da 2ª guerra mundial que transferiu a sua imensa inteligência para o sucesso da desencriptação da máquina Nazi Enigma), a neurocomputação dava os seus primeiros passos. Pode indicar-se, com relativa segurança, que o trio mais influente do início da neurocomputação foi constituído pelos artigos seminais escritos por Warren McCulloch e Walter Pitts em 1943, o livro de Donald Hebb em 1949 e o artigo de Frank Rosenblatt em 1958.

No conjunto destes artigos foi mostrado que um paradigma computacional baseado e inspirado na actividade do cérebro humano tinha poder computacional não trivial e que poderia ser estudado matematicamente (McCulloch e Pitts demonstraram que até redes neuronais simples eram capazes de computar funções lógicas e aritméticas). Mostrou-se também que o condicionamento clássico observado nos animais era uma propriedade de neurónios individuais (Hebb apresentou uma lei de aprendizagem específica para as ligações sinápticas entre neurónios). Finalmente, com a apresentação do perceptrão e do neurocomputador MARK I nos fins da década de 50, Rosenblatt mostrou que a aprendizagem automática e o reconhecimento de padrões eram exequíveis neste contexto computacional.

Na década de 60, a investigação expandiu-se tanto na análise matemática como na simulação computacional de redes neuronais artificiais. Block, colega de Rosenblatt, demonstrou que o perceptrão constituído por um único neurónio era capaz de classificar problemas de um determinado contexto, se essa classificação fosse matematicamente possível. Em 1960, Bernard Widrow e Marcian Hoff, apresentaram um novo algoritmo adaptativo capaz de aprender mais depressa e acuradamente que o perceptrão. A regra apresentada era simples e elegante, e ela ou uma das suas variações, ainda são usadas em alguns sistemas actuais. Eles assumiram que o algoritmo era capaz de avaliar o erro entre a saída desejada e aquela que de facto era calculada pela rede num dado instante. Com esse dado, a rede adaptar-se-ia para minimizar o erro e aproximar-se da classificação óptima para o problema. Este algoritmo de correcção ficou conhecido por LMS, e foi aplicado pelos autores no conhecido modelo ADALINE. [cont.]

dezembro 05, 2003

Viagem II

A 6000 Km de Tétis (baptizado com o nome da deusa dos mares) e a
500.000 Km (!) de Saturno (do Cronos grego, o senhor do Tempo)

O hemisfério ocidental de Tétis é dominado por uma cratera gigante (observável nesta imagem no lado da sombra) denominada Odisseus, de 400 Km de diâmetro. Devido a este imenso impacto (40% do diâmetro do satélite) não ter destruído Tétis, supõe-se que não era completamente sólido nessa altura.

dezembro 04, 2003

The Sounds of Silence

Silêncio:
as cigarras escutam
o canto das rochas.

- Matsuo Banshô (1644-1694)

dezembro 03, 2003

Sábios

- Mas como sobreviverão esses sábios?
- O povo alimentá-los-á dia após dia.
- O povo não pode vir um dia cansar-se de os alimentar?
- Quando, em toda a superficie da Terra, já não houver um único ser disposto a alimentar um sábio, é que o mundo já não merece os sábios e é tempo de eles se irem embora.
- Deixar-se-ão morrer?
- Quando o mundo tiver abandonado os sábios, os sábios desertá-lo-ão. Então o mundo ficará sozinho, e sofrerá com a sua solidão
Este texto foi retirado de "Os Jardins de Luz", livro escrito pelo notável narrador que é Amin Maalouf sobre o profeta Mani, um homem do século III esquecido (e deturpado) pela História. Porém, para mim, no diálogo encontram-se reflexos actuais. Vivemos num Presente, na sua maior parte do tempo, ocupado pela infindável torrente do efémero, do culto à superficialidade e do prazer imediato das soluções fáceis. Não há muitos que tenham paciência de ouvir que os problemas podem ser difíceis, que a ignorância não é solução para nada, que as respostas podem exigir ainda mais sacrifícios e que a factura do Futuro é menor se for paga agora. O que observo localmente é o desinteresse progressivo dos assuntos importantes que vão permeando o mundo. Acho que é um sintoma não darmos devida atenção aos sábios que ainda temos. Quando um deles morre, não perdemos informação nem sequer conhecimento, mas perdemos um juízo sobre o que fazer com essa informação e com esse conhecimento. Eu pessoalmente não gosto da solidão.

ps: "Os Jardins de Luz" pertence à colecção Mil Folhas do Público. Custou-me €4,20. Não conheço melhor negócio que um livro bom e barato.

dezembro 02, 2003

Recordações de Berlim, inspirada por Wim Wenders

Serão os anjos voyeurs?
Ou sofrerão com o nosso sofrimento?
Talvez precisem dos nossos tormentos
para se sentirem (quase) vivos?
Porventura preferem correr atrás de nós
quando nos sentem embriagados
de felicidade.