O indivíduo face à estatística
As minhas manhãs são normalmente difíceis. Sento-me face ao pão, que barro com lentidão,
vejo, por entre as pálpebras ainda pesadas, as imagens que saem daquela caixa mágica (que muita magia perdeu, mas que continua a ser mágica para os que, como eu, não sabem como ela funciona, nem estão muito interessados em sabê-lo).
Chegam-me, à mãos cheias, os medos do mundo. A droga mata. O tabaco mata. Dormir pouco mata. Dormir muito também mata. Um casal é esfaqueado. As casas do interior cedem face aos assaltantes, que deixam idosos lívidos no chão. Crianças desaparecidas. A morte nos países desenvolvidos é assim: um fantasma permanente, que não tem par senão no medo de envelhecer.
A morte no Terceiro Mundo é diferente. Conta-se aos milhares. Aumenta em segundos. Mas deixou de nos chocar.
Pois não dizia Mao Tze Tung que a morte de milhares é uma estatística? E que a morte de um indivíduo é uma tragédia? Quiçá deixámos de ver cada habitante dos países pobres como um indivíduo.
Levanto-me da mesa e levanto a mesa. Sigo para o dia que (não) me espera.
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