janeiro 16, 2013

Fora do circuito

Fora da academia, do que é considerado conhecimento estabelecido, há um grande conjunto de obras de variado valor. A história da ciência, da filosofia e da matemática mostra variados exemplos de pessoas que defenderam ideias fora do sistema, tendo algumas delas sido ostracizadas e até levadas ao suicídio, cujas ideias que defendiam vingaram e tornaram-se respeitadas e até mesmo no próprio sistema. Casos como os infinitos de Cantor, a interpretação estatística da Termodinâmica de Boltzmann ou as ideias de Nietzsche são disto bons exemplos.


Mas será arrogante assumir que o desenvolvimento do conhecimento humano não tem falsos positivos (ideias vigentes que não são as melhores entre as disponíveis) e falsos negativos (ideias erradamente rejeitadas por preconceito, desconhecimento ou falta de evidência). Entre os falsos positivos destacam-se, a meu ver, a Economia Clássica (com o seu axioma do agente racional já falsificado empiricamente, eg, cf. Kahneman, Thinking Fast and Slow) e a Estatística Clássica, onde o principal adversário, a Inferência Bayesiana, teve um renascimento com o advento dos computadores mas que continua persona non grata da academia (era pior há umas décadas). Entre os falsos negativos ficaremos, em alguns casos, na eterna dúvida se um dado autor teria mesmo razão, no sentimento vago de estarmos a perder alguma coisa importante. Claro que um sistema conceptual recusado não possa ser resgatado parcialmente. A sociedade pode absorver parcelas que as torna suas, sem ter de digerir a totalidade do que o respectivo autor defendeu. 

Entre os autores destes potenciais falsos negativos encontro especial interesse nos seguintes:

Julian Jaynes: The origin of consciousness in the breakdown of the bicameral mind. Neste livro é defendida uma tese que o nascimento da consciência humana é um fenómeno historicamente recente (por volta da Grécia Antiga, entre Homero e Péricles) e que os humanos anteriores a essa época ainda não eram pessoas. Não consigo fazer juz ao livro mas é muito interessante e bem escrito, e como seria interessante perceber que Jaynes afinal tinha tido razão!


Thomaz Szasz: The Myth of Mental Illness (entre outros livros deste autor). Szasz é um médico que há décadas critica a forma como a profissão psiquiátrica categoriza a doença mental. Em parte, algumas das suas teses foram absorvidas pelo mainstream, sendo provável que a sua posição actual seja mais extremada do que justificariam os procedimentos actuais. Apesar disso uma consulta à DSM, que classifica por exemplo o travestismo  como doença mental, nos deixe a pensar que talvez ainda haja muito trabalho a fazer nesta frente.


Alfred Korzybski: Science and Sanity. É deste livro que vem o aforismo "o mapa não é o território" e a sistematização da ideia que as teorias e conceitos humanos não têm existência para lá de nós mesmos. De certa forma, apesar da ostracização que sofreu (o livro é realmente um bocado alucinado) estas ideias vingaram e são muito presentes na nossa cultura. Hoje em dia é mais fácil afirmar que uma teoria é «apenas» o mapa de um padrão reconhecido do que fora no passado. Não esqueçamos que no início do século XX ainda se discutia ao mais alto nível científico se a luz tinha uma natureza corpuscular ou ondulatória, como se a luz fosse realmente ou uma partícula ou uma onda.

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