Fora
da academia, do que é considerado conhecimento estabelecido, há um
grande conjunto de obras de variado valor. A história da ciência, da
filosofia e da matemática mostra variados exemplos de pessoas que
defenderam ideias fora do sistema, tendo algumas delas sido ostracizadas
e até levadas ao suicídio, cujas ideias que defendiam
vingaram e tornaram-se respeitadas e até mesmo no próprio sistema. Casos
como os infinitos de Cantor, a interpretação estatística da
Termodinâmica de Boltzmann ou as ideias de Nietzsche são disto bons
exemplos.
Mas
será arrogante assumir que o desenvolvimento do conhecimento humano não
tem falsos positivos (ideias vigentes que não são as melhores entre as
disponíveis) e falsos negativos (ideias erradamente rejeitadas por
preconceito, desconhecimento ou falta de evidência). Entre os falsos positivos destacam-se, a meu
ver, a Economia Clássica (com o seu axioma do agente racional já falsificado empiricamente, eg, cf.
Kahneman, Thinking Fast and Slow) e a Estatística Clássica, onde o principal adversário, a Inferência
Bayesiana, teve um renascimento com o advento dos computadores mas que
continua
persona non grata da academia (era pior há umas décadas). Entre
os falsos negativos ficaremos, em alguns casos, na eterna dúvida se um dado autor teria mesmo razão, no sentimento vago de
estarmos a perder alguma coisa importante. Claro que um sistema
conceptual recusado não possa ser resgatado parcialmente. A
sociedade pode absorver parcelas que as torna suas, sem ter de digerir a
totalidade do que o respectivo autor defendeu.
Entre os autores destes
potenciais falsos negativos encontro especial interesse nos seguintes:
Julian Jaynes: The origin of consciousness in the breakdown of the
bicameral mind. Neste livro é defendida uma tese que o nascimento da
consciência humana é um fenómeno historicamente recente (por volta da
Grécia Antiga, entre Homero e Péricles) e que os humanos anteriores a essa época ainda não eram
pessoas. Não consigo fazer juz ao livro mas é muito interessante e bem escrito, e como seria interessante
perceber que Jaynes afinal tinha tido razão!
Thomaz Szasz:
The Myth of Mental Illness (entre outros livros deste
autor). Szasz é um médico que há décadas critica a forma como a profissão
psiquiátrica categoriza a doença mental. Em parte, algumas das suas
teses foram absorvidas pelo
mainstream, sendo provável que
a sua posição actual seja mais extremada do que justificariam os procedimentos actuais. Apesar disso uma consulta à DSM, que
classifica por exemplo o
travestismo como doença
mental, nos deixe a pensar que talvez ainda haja muito trabalho a fazer
nesta frente.
Alfred Korzybski: Science and Sanity. É deste livro que vem o aforismo
"o mapa não é o território" e a sistematização da ideia que as teorias e
conceitos humanos não têm existência para lá de nós mesmos. De certa
forma, apesar da ostracização que sofreu (o livro é realmente um bocado alucinado)
estas ideias vingaram e são muito presentes na nossa cultura. Hoje em
dia é mais fácil afirmar que uma teoria é «apenas» o mapa de um padrão
reconhecido do que fora no passado. Não esqueçamos que no início do
século XX ainda se discutia ao mais alto nível científico se a luz tinha
uma natureza corpuscular ou ondulatória, como se a luz fosse realmente ou uma
partícula ou uma onda.
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