dezembro 08, 2011

Prioridades

O direito à propriedade é visto por John Locke como o direito natural ao seu uso e à sua defesa contra qualquer interferência imoral ou ilegal, sendo modernamente interpretada como uma liberdade negativa(*). Isto implica a existência de uma estrutura que legisle, regule e resolva conflitos relacionados, sendo legitimada, como David Hume argumentou, pela defesa deste importante direito natural. Mas o direito à propriedade actual inclui também a transferência da propriedade para terceiros. Este direito conexo, socialmente relevante, não se encaixa no domínio da não-interferência mas do privilégio, devendo ser, por isso, interpretado como liberdade positiva. A remoção deste privilégio aproximar-nos-ia da antiga noção da terra enquanto domínio público, onde cada pessoa ou família possuía um direito igualitário a uma sua porção e ao fruto do seu trabalho (muito perto, ironicamente, do slogan “a terra a quem a trabalha”). A referida estrutura, legitimada pela responsabilidade de fazer respeitar o direito natural à propriedade, ao aceitar e gerir transferências de propriedade está a aplicar o seu poder coercivo para lá do domínio natural, minando, assim, a sua própria legitimidade. Esta dificuldade é um argumento contra a prioridade máxima e não partilhada do conceito de direito natural, assumida como axioma por muitas das linhagens de pensamento liberal.

(*) Isaiah Berlin propôs a diferenciação entre liberdades negativas, i.e., direitos de não interferência, e liberdades positivas, i.e., direitos a certos benefícios.

Sem comentários: