setembro 28, 2011

Passos vs. Saltos

Uma teoria científica não pode ir contra demasiados factos relevantes ao seu domínio de aplicação. Uma teoria filosófica não pode ir contra demasiadas intuições sobre o assunto em questão. Como diz Weatherson [1] uma teoria filosófica pode ser reformista mas não pode ser revolucionária. Mas as teorias podem ser usadas para remodelar a cultura e, assim, as intuições das pessoas que nela habitam. Por exemplo, a ideia de democracia, de ser o povo e não uma elite, a escolher qual a política de uma nação era ainda há pouco tempo uma ideia muito pouco intuitiva. Com esta mudança abrem-se as portas a novas teorias que no passado seriam consideradas revolucionárias mas que, agora, apenas procuram uma nova reforma.

[1] Brian Weatherson, What good are counterexamples (2003)

setembro 26, 2011

Tons de Cinzento

"When people thought the earth was flat, they were wrong. When people thought the earth was spherical, they were wrong. But if you think that thinking the earth is spherical is just as wrong as thinking the earth is flat, then your view is wronger than both of them put together." The Relativity of Wrong, Isaac Asimov

The Sophisticate: The world isn't black and white. No one does pure good or pure bad. It's all gray. Therefore, no one is better than anyone else.
The Zetet: Knowing only gray, you conclude that all grays are the same shade. You mock the simplicity of the two-color view, yet you replace it with a one-color view... - David's Sling, Marc Stiegler

setembro 15, 2011

Definições

Conceitos como o livre-arbítrio ou o conhecimento têm sido motivo de discussões filosóficas desde a Grécia Antiga. Qualquer um que tente uma definição sobre um destes temas encontra rapidamente, na comunidade filosófica, argumentos e contra-exemplos igualmente sólidos

O caso de conhecimento é exemplar. Ao fim de inúmeras discussões parecia que a comunidade intelectual tinha chegado a um acordo sobre a definição de conhecimento: a pessoa A conhece B se A acredita em B, A tem uma justificação para acreditar em B e B é verdadeiro, ou simplesmente, algo é conhecimento se é uma crença justificada e verdadeira. Mas chega 1963 e Edmund Gettier publica um breve artigo (e o seu único, curiosamente) que apresenta contra-exemplos suficientemente convincentes para voltar a pôr a questão do conhecimento na ordem do dia [1]. Cinquenta anos passados e, tanto quanto sei, ainda não se alcançou um novo consenso (deve-se apertar ou relaxar a definição inicial? O que é justificação? E, já que falamos disto, o que é uma crença?).

Outro tipo de efeito é o que ocorre actualmente com o livre-arbítrio. Com os avanços científicos no estudo do cérebro e do comportamento, tem-se testemunhado a uma confusão sobre o que significa. Quando se recolhem evidências que vão contra uma definição, existe um esforço para ajustá-la até que deixe de ser testável (na maior parte das vezes de forma inconsciente, sendo algumas motivadas ideologicamente, e.g., pela noção cristã da alma). Poderíamos talvez sugerir a seguinte pré-condição à definição de livre-arbítrio: «algo suficientemente vago sobre a capacidade de decisão individual que não possa ser contestado por neurociêntistas e psicólogos». O mesmo parece ocorrer com outras definições cognitivas, como a consciência ou a inteligência ou até o comportamento moral, persistindo como o bastião último que nos separa do restante reino animal.

Existe algo fugidio sobre o problema das definições, sobre o mapear de um conceito abstracto a múltiplas situações concretas. Pergunto-me se palavras como 'tristeza' ou 'gigante' tivessem, por algum motivo histórico ou social, recolhido a mesma atenção, se não estaríamos também a discuti-los e a publicar artigos e livros sobre o assunto. Se, por um lado, as definições possuem um papel na resolução de questões epistemológicas [2], levar esse papel ao limite (da precisão, da exaustão dos casos conhecidos) pode ter um efeito paralizante sobre a discussão filosófica ou científica.

Que se evite definições demasiado vagas ou excessivamente restritas para o problema em questão. Mas encontrar a definição quase perfeita, que englobe todos os casos possíveis e imaginários (como muitos dos contra-exemplos propostos) é ilusório. Devemos investir numa definição apropriada, incompleta sim mas cujas falhas conhecemos, com a qual podemos sincronizar o mapa semântico da comunidade de interessados e realizar trabalho.

Um exemplo recente foi a despromoção de Plutão de planeta para planetóide. A descoberta de vários objectos trans-neptunianos levou à redefinição de planeta. Agora, um planeta é um objecto suficientemente grande para a gravidade o tornar esférico e capaz de limpar a órbita que o limita de planetesimais. Significa isto que se descobrirmos objectos que acompanham a órbita da Terra (e de facto, descobrimos alguns em 2010) a Terra deixa de ser um planeta? Só se exigirmos a rigidez de uma definição exacta que de nada serve porque (quase) nada é representado por ela.

[2] Uma definição de definição: http://plato.stanford.edu/entries/definitions/

setembro 13, 2011

Justificações Post-Hoc

"Humans are very good as seeing patterns, making connections, and coming up with explanations for phenomena. Almost anything can be explained in retrospect, and it only takes a couple of apparent connections to make such explanations seem compelling. That is actually the fatal flaw of such post-hoc reasoning – it can be used to explain anything. Therefore, the fact that someone can invent a post-hoc justification is not predictive that the explanation is actually true. In other words – we tend to be naively impressed with the fact that an explanation is available. We tend to assume that a phenomenon would not have an explanation, or alternative explanation, if that explanation were not true. We therefore find it satisfying, and therefore compelling, when such an explanation is available. However, the human capacity for invention and pattern seeking is profound. We can find an explanation for anything – and so the availability of such an explanation should not be compelling at all." - Juicy Post-Hoc Reasoning, Steven Novella

setembro 04, 2011

O impacto progressivamente desastroso das patentes

"The way the US patent system is currently set up, it’s difficult if not impossible to write a sizable body of code without unknowingly infringing on somebody’s patent. Your best hope seems to be to waste a lot of time filing as many patents as you can of your own, and hoping that anybody who sues you is unknowingly infringing on one of yours. That gives you a bargaining chip so you can do some kind of cross licensing deal. It’s a stupid, wasteful, unproductive government-created system that achieves the exact opposite of what was intended when it was first started. But, what can you do." - Ed Burnette
Encontrei este parágrafo enquanto procurava descobrir porque o sistema Android (implementado, em parte, em Java) não executa aplicações Java. A Oracle comprou a Sun (que desenvolveu o Java para ser uma linguagem de programação livre) e quer espremer todos os lucros que conseguir. Ainda no mês passado, a Google viu-se obrigada a gastar 12G$ na compra da Motorola Mobile para ter acesso às respectivas patentes e assim evitar ataques da Microsoft e companhia. Doze mil milhões de dólares que poderiam ter sido gastos em investigação e actividades economicamente produtivas. Até quando vamos ter de aguentar esta palhaçada?