Conceitos como o livre-arbítrio ou o conhecimento têm sido motivo de discussões filosóficas desde a Grécia Antiga. Qualquer um que tente uma definição sobre um destes temas encontra rapidamente, na comunidade filosófica, argumentos e contra-exemplos igualmente sólidos
O caso de
conhecimento é exemplar. Ao fim de inúmeras discussões parecia que a comunidade intelectual tinha chegado a um acordo sobre a definição de conhecimento: a pessoa A conhece B se A acredita em B, A tem uma justificação para acreditar em B e B é verdadeiro, ou simplesmente, algo é conhecimento se é uma crença justificada e verdadeira. Mas chega 1963 e Edmund Gettier publica um breve artigo (e o seu único, curiosamente) que apresenta contra-exemplos suficientemente convincentes para voltar a pôr a questão do conhecimento na ordem do dia [1]. Cinquenta anos passados e, tanto quanto sei, ainda não se alcançou um novo consenso (deve-se apertar ou relaxar a definição inicial? O que é justificação? E, já que falamos disto, o que é uma crença?).
Outro tipo de efeito é o que ocorre actualmente com o livre-arbítrio. Com os avanços científicos no estudo do cérebro e do comportamento, tem-se testemunhado a uma confusão sobre o que significa. Quando se recolhem evidências que vão contra uma definição, existe um esforço para ajustá-la até que deixe de ser testável (na maior parte das vezes de forma inconsciente, sendo algumas motivadas ideologicamente, e.g., pela noção cristã da alma). Poderíamos talvez sugerir a seguinte pré-condição à definição de livre-arbítrio: «algo suficientemente vago sobre a capacidade de decisão individual que não possa ser contestado por neurociêntistas e psicólogos». O mesmo parece ocorrer com outras definições cognitivas, como a consciência ou a inteligência ou até o comportamento moral, persistindo como o bastião último que nos separa do restante reino animal.
Existe algo fugidio sobre o problema das definições, sobre o mapear de um conceito abstracto a múltiplas situações concretas. Pergunto-me se palavras como 'tristeza' ou 'gigante' tivessem, por algum motivo histórico ou social, recolhido a mesma atenção, se não estaríamos também a discuti-los e a publicar artigos e livros sobre o assunto. Se, por um lado, as definições possuem um papel na resolução de questões epistemológicas [2], levar esse papel ao limite (da precisão, da exaustão dos casos conhecidos) pode ter um efeito paralizante sobre a discussão filosófica ou científica.
Que se evite definições demasiado vagas ou excessivamente restritas para o problema em questão. Mas encontrar a definição quase perfeita, que englobe todos os casos possíveis e imaginários (como muitos dos contra-exemplos propostos) é ilusório. Devemos investir numa definição apropriada, incompleta sim mas cujas falhas conhecemos, com a qual podemos sincronizar o mapa semântico da comunidade de interessados e realizar trabalho.
Um exemplo recente foi a despromoção de Plutão de planeta para planetóide. A descoberta de vários objectos
trans-neptunianos levou à redefinição de planeta. Agora, um planeta é um objecto suficientemente grande para a gravidade o tornar esférico e capaz de limpar a órbita que o limita de
planetesimais. Significa isto que se descobrirmos objectos que acompanham a órbita da Terra (e de facto, descobrimos alguns em 2010) a Terra deixa de ser um planeta? Só se exigirmos a rigidez de uma definição exacta que de nada serve porque (quase) nada é representado por ela.