maio 09, 2011

Dinâmica

Quando alguém com poder percebe o início do falhanço das medidas nas quais está fundada a sua carreira, pode admitir essa constatação ou forçar a situação através das artes de propaganda que ainda mantém. E porquê desistir ao primeiro sinal persistente de contrariedade? Quem garante, quem pode fornecer uma certeza de não ser apenas uma contrariedade um pouco mais teimosa que o habitual dos problemas? Afinal, como adivinhar o futuro? Mas ao escolher o segundo modo torna-se, quer perceba ou não, adversário da realidade. É necessário então, para tornar tudo um pouco mais suportável, reforçar a ilusão, a si e à sua corte, que a distância que os separam (do resto, dos outros) não está a aumentar. Não é de admirar o seu afastamento, a lenta transformação de pessoa em símbolo, a característica progressivamente acrítica dos seus próximos, a ideologia a menorizar a importância dos problemas concretos, o crescer barroco dos protocolos que o protege e sustenta. Mas a realidade não se coaduna com fabricações ou sentimentos mágicos e uma das suas qualidades, mesmo que exasperante para alguns, é a persistência. À medida que o tempo avança, os factos e o desastre que prenunciam acumulam-se. Pouco a pouco, tornam-se complexos, enredados e, num qualquer dia futuro, sem surpresa, irresolúveis. O que pode ter começado como a tensão natural entre interpretações possíveis quando a evidência era curta, ambígua, transforma-se em camuflagem e silenciamento perante a súbita clareza da situação. O monopólio da maquilhagem e da contenção toma precedência à gestão da coisa pública. Depois é esperar que a realidade force essa muralha e, por fim, consiga entrar. Com sede de miséria. Ou de sangue.

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