abril 05, 2010

Evolução

As crianças são muito atentas quando há alguma diferença de tratamento ou de situação (por exemplo, se uma tem um brinquedo, outra quer um igual; se a janela do carro está aberta, a criança, lá atrás, quer também abrir a sua). À primeira vista pode parecer inveja ainda não domesticada, mas creio que se trata de um primeiro esforço de ética e justiça. Provavelmente é um passo necessário na formação de uma pessoa (deve haver extensa literatura sobre este assunto da psicologia infantil e confesso, desde já, a minha ausência de referências) e pode mesmo ter moldado as éticas primitivas das primeiras culturas (como o 'olho por olho, dente por dente').

O importante para este texto é a constatação de que há comportamentos em adultos similares a esta proto-ética. Um exemplo. Num campeonato de matemática que organizei, há uns anos, aconteceu haver 200 livros para oferecer a 250 alunos participantes. Houve professores que sugeriram que, como não poderíamos dar um livro por aluno, para não ferir susceptibilidades (das crianças, imagino), mais valia não dar qualquer prémio de participação. Isto, para mim, é o raciocínio mental típico de uma criança. Era evidente que apenas os 200 melhores classificados levariam prémio de participação, ou seja, havia um critério objectivo e justo para a atribuição dos referidos livros e devia ser aproveitado. Esta segundo opção é tão evidente, e de tal modo mais apropriada, que fiquei surpreendido que alguém quisesse preteri-la pela primeira opção. Mesmo que não houvesse um critério hierárquico evidente, como a classificação do campeonato, haveria sempre o recurso ao aleatório. Ao quebrar a causalidade, uma lotaria garante a eliminação de vários critérios preferenciais e injustos. Uma lotaria para entregar 200 prémios a 200 de 250 crianças é sempre melhor que negar tudo a todos por incapacidade de recompensar a todos por igual. A ética é um exercício sobre recursos limitados, não é um tudo ou nada resultante do confronto entre o real e a fantasia.

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