fevereiro 26, 2009

Mistério

Um texto que não possui conteúdo não pode estar errado e é, assim, imune à crítica ou à passagem do tempo. Como um liquido sem viscosidade, desliza imune por qualquer tentativa de interpretação ou refutação. Contra o ruído não se ganham discussões.

fevereiro 23, 2009

Custo-Benefício

Os líderes religiosos acreditam num paraíso eterno pós-morte. Isto significa que a nossa vida actual é menos que um grão num Universo de experiências por obter. Deste ponto de vista é perfeitamente lógico que se invista menos na felicidade ou liberdade terrena e mais no sacrifício do regulamento moral que dá entrada nesse clube celestial. O ganho é tão grande (é infinito) que justifica qualquer acção humana (porque finita) nesse sentido, incluindo autos-de-fé ou aviões a entrar por arranha-céus. O problema disto tudo é que a premissa inicial é falsa e, assim, todo este esforço resulta numa imensa tragédia que se arrasta há milénios e que consome centenas de milhões num delírio infantil.

fevereiro 18, 2009

Um melhor mapa da Evolução...

... que é um acontecimento muito não-linear:

Sala de Fumo

O eu é um recurso adequado à escala humana e largamente valorizado, o que não é surpresa dado ser essa a única medida que conhecíamos até ao passado recente. Visto ao microscópio dilui-se entre míriades de actividades eléctricas e o caos intrínseco dos sistemas dinâmicos. No macro-cosmos é uma passageira insignificância que o princípio da parcimónia tem a amabilidade de ignorar. Assim, entre as flutuações estatísticas do muito pequeno e do muito grande, é numa estreita (talvez pródiga, talvez fértil) linha de fronteira que nos achamos relevantes. O Dr. Spleen, porém, acha que nem essa fronteira existe. Derivado do seu cepticismo da justiça e da sociedade (onde o eu, no fundo, se usa), de ver cada um como colónias de células com ilusões de importância, ele próprio apenas um vento mais forte num labirinto cruzado de breves sopros.

fevereiro 16, 2009

Big Bangs

Os momentos únicos são pontos focais no definir de fronteiras. Quando quase tudo é difuso e progressivo, uma mudança brusca, uma alteração de estado atrai-nos o olhar, a atenção, até a capacidade de julgar. Por exemplo, na vida de um indivíduo, muitos dão relevo ao momento da concepção, outros ao parto. Mas poucos discutem o período em que o feto se torna suficiente em termos somáticos ou a criança se torna psicologicamente independente, passos tão importantes, ou mais, na formação dessa pessoa.

fevereiro 12, 2009

Sustentação

"Quando não temos argumentos válidos em defesa do que consideramos um «bom» comportamento, é a nossa concepção de bem que se revela deficiente" Bertrand Russel

fevereiro 10, 2009

Custo Benefício

Dado o jornalismo e a indústria da opinião terem de relatar factos recentes dessa hegemonia que é o presente, os media vêem-se obrigados a publicitar irrelevâncias diárias em detrimento do silêncio e da reflexão. Na maioria das vezes desperdiçamos tempo e atenção a discutir sobre ruído e, como sociedade, pagamos por isso.

fevereiro 05, 2009

Espelho (m)eu

O Dr. Spleen observa-se, dedicado, através do espelho que o surpreendeu naquele verso de porta. O opaco da sua face esconde um labirinto de imagens, sensações e desejos que tão bem reconhece apesar dessa erosão constante que é a memória. Entre as marés dos humores e as muralhas das certezas que paciente construiu, um fosso de quereres deixados, intenções falhadas, uma sequência de eus em putrefacção inodora. O que o liga ao passado? Que filtro o cortará para se refazer no futuro? No silêncio conquistado daquela casa de campo, onde apenas destoa, em vermelho disperso, o corpo do analista financeiro, e eliminados que estão agora os ruídos da civilização e a fúria material, a sua, pela perda da substancial conta suíça (somos desligados do mundo o quanto conseguimos, mas o dinheiro tem ligações complexas com o mais valioso dos recursos, o tempo) resta teimoso, no reflexo, o desafio perene e derradeiro de se continuar a ser.

fevereiro 02, 2009

Movimento Browniano

Trivializar não é trivial. Os assuntos relevantes ao tecido social (por exemplo, a economia, a estatística, a ética) não podem ser comprimidos em cinco minutos de exposição e muito menos no aforismo televisivo de dez palavras. Quanto mais invasiva e instantânea for a propaganda e a comunicação social, maior será a tendência de substituir a ideia correcta pela simplificação do que soa bem ao senso da multidão. Seja porque é deles o voto e as audiências, seja porque o argumento da maioria parece sempre uma aposta segura, o preço que pagamos é o progressivo desligar das nossas opiniões partilhadas em relação à realidade que nos mantém e restringe. Esta é uma guerra que não podemos vencer. Quem caminha ao sabor do acaso e do contingente devia abrir os olhos por causa do abismo.