Espaço de Manobra
Santo Agostinho defendeu que um milagre não é uma violação das leis naturais mas sim uma violação do nosso entendimento das leis naturais. Deste modo, há uma restrição aos poderes do deus de Agostinho, pois as suas acções são restritas pelas próprias leis que definiu. Esta interpretação, porém, não diz tudo. De facto, quando ocorre um milagre, i.e., um evento tão raro ou complexo que nos surpreende ou intimida, é dada à humanidade uma oportunidade para aprofundar e aperfeiçoar o seu entendimento sobre a natureza. A nossa ignorância sobre os mecanismos do Universo é uma ignorância natural e não sobrenatural. O sobrenatural mostra-se, aliás, um conceito vazio - no que diz respeito ao Universo - pois nada do que vai contra as leis naturais é nele possível. Se a nossa ignorância estiver reduzida a um ponto em que os eventos milagrosos se tornam tão extremos que deixam de ter impacto na nossa vivência diária (como é o nosso caso, onde as fronteiras se desenham já no profundo do micro e do macrocosmos) os milagres deixam, pura e simplesmente, de ocorrer. Deus, o agente de acções milagrosas cuja falta de evidência nunca o permitiram ser mais que uma hipótese, vê, deste modo, retirado o seu espaço de manobra e é tornado irrelevante no mundo físico (poderá dizer-se que ainda sobra espaço no plano moral, mas aí é uma outra batalha, tendo de competir com a poderosa força da razão ética). Restaria apenas ser sinónimo do desconhecido se não fossem tantos os equívocos que na sua palavra se acumulam.
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