maio 29, 2008

Extremos

O relativismo não é uma atitude inofensiva. Argumentar que as crenças, as verdades individuais, são sempre igualmente válidas, não é defensável. Uma crença pode alterar o comportamento do crente em contextos relevantes. E essas novas acções tomadas podem, assim, prejudicar o «outro» (onde o futuro «eu» muitas vezes se inclui).

maio 26, 2008

Possibilidade

Um pensamento pode originar uma emoção. Nesse sentido, o meu medo, atracção, raiva , amor, inveja ou simpatia podem ser sobre um alvo imaginado - até mesmo projectado - mas que não existe. Desta possibilidade, talvez, o espaço para a literatura, o teatro, o cinema. A arte.

maio 23, 2008

Dupla Via

O passado e o futuro são os dois sentidos dessa fluída trajectória que é uma pessoa. Quando fazemos planos para o futuro, quando nos sacrificamos agora para aproveitar depois, estamos a tirar de quem somos para dar a alguém que poderá ser muito diferente, a alguém que nos possa desiludir e cuja distância não se meça apenas na partilha de um mesmo ADN, nome e número fiscal. Mas fazê-mo-lo porque é esta a diplomacia possível, a doce e necessária ilusão deste querer de constância, deste achar-nos perenes, invariantes, no percurso a que chamamos vida. Já olhar para o passado, exercitar nele a nostalgia, gozar emoções, gestos, memórias perdidas, é uma homenagem, um reconhecer agradecido à difusa sequência de ténues estranhos que tiveram a amabilidade, que correram o risco, de nos trazer aqui.

maio 20, 2008

Adágio Declarativo

O que é a verdade? Veja-se por exemplo, um relógio. Este instrumento de ponteiros (se os tiver) é, para além da sua função óbvia, testemunha de como resolver uma pergunta semelhante, o que é o tempo?, que tantos no passado procuraram desvendar. No geral, estas questões são intangíveis. No concreto, as soluções tornam-se possíveis, por vezes até, triviais: 17:03, informam os (eventuais) ponteiros. O Dr. Spleen sabe que esta constatação, este simplificar de grandiosos projectos filosóficos para nadas quotidianos não agrada ao que procura dificuldades, relativismos ou dogmas por petrificar. Cada momento é necessário, e muitas vezes suficiente, à resposta da dificuldade que coloca. Como, no instante que se segue, as questões de se o bastão segurado por Dabila é real ou imaginário, se a dívida por pagar do gestor imobiliário ali deitado é ficcional ou verdadeira, se o medo da morte que se aproxima é uma construção social ou, apenas, o desenrolar de um facto que se declara.

maio 12, 2008

Escolha

O poder (político, militar, religioso) tem semelhanças com o sistema imunitário. Ambos são desenhados para a manutenção de uma sociedade complexa que os suporta, ambos precisam de oponentes para continuarem fortes, tendo uma elite capaz de os eliminar, ambos, em caso de inacção, viram-se contra si próprios. Só que no poder a capacidade de auto-preservação é, em parte, da sua própria responsabilidade. Pode escolher o inimigo bem como difundir aos que subjuga, a mensagem necessária à sua sobrevivência.

maio 07, 2008

Diferenças

Entre a eucaristia realizada por verdadeiros crentes e o evento, similar nos gestos e palavras, animado por um teatro de actores, estão, apenas e só, a tradição que sustenta os primeiros e o enredo que guia os segundos.

maio 05, 2008

Permanência

Gritar-se inocente é, para todos os efeitos, o mesmo que afirmar falar-se verdade. A reiteração verbal de uma intenção, de outra frase, de um olhar até, não serve como mecanismo de garantia. Ela promove, aliás, uma subtil intuição de culpa. O Dr. Spleen também por isso (que uma convicção não é um edifício montado num alicerce de dogmas, mas sim o suster de uma rede cruzada de argumentos lógicos) acha inútil o exigir ao réu essa sua interpretação dos factos, tingida que está de uma parcialidade insuportável porque inevitável. Que Dabila esteja repetidamente focado no baço do industrial vinícola errado é um facto que não se reverte. Como recuperar a vítima de um equivoco? Se somos as acções que fazemos, como (e para quê?) permanecer no eu que perdemos a cada dia que passa?

maio 02, 2008

Abismo

Quando se mente, isso reflecte o carácter moral. Quando se acredita em algo contra as evidências, isso reflecte a capacidade de julgar. Uma pobre capacidade de julgamento é pior que um mau carácter moral, porque ao segundo, mesmo que subjugado ao interesse próprio, se aplica a razão da auto-preservação. Já a cegueira do primeiro impede-lhe o vislumbre do desastre.