junho 28, 2008

Fim

O tempo necessário para garantir uma sociedade estável (o trabalho, a burocracia, a casa, o crescer dos filhos) torna-nos máquinas. O nosso corpo e mente não se adequam nessa mecânica imposta, nessa igualdade que nos força a ser eco de carimbo, uma emanação bem formatada do Normal. E nesse passar de anos, tijolo a tijolo, de compromisso em compromisso, numa arquitectura cada vez mais elaborada e sólida de responsabilidades, construímos as nossas confortáveis prisões. Por vezes esse tempo é tão vasto, essa prisão tão barroca, que nos esvaziam totalmente. Fica apenas a aparência de alguém diferente, o fantasma seco de uma possibilidade passada.

junho 26, 2008

junho 17, 2008

junho 16, 2008

Fendas

Poderão ser os fanatismos e superstições consequências mentais de certos contextos sociais (de pobreza, de medo, de falta de opções) da mesma forma que as doenças, como a tuberculose ou a sida, o são para o corpo? Se cada contexto social (um ecossistema mental usando uma metáfora biológica) propícia um pano de fundo, um espaço de possibilidades para o desenvolvimento de patologias (como a gripe se multiplica no frio e a malária no calor), que tipo de patologias origina um ambiente de liberdade, de excesso de opções? Irresponsabilidade? Indiferença e indecisão? O tédio?

junho 02, 2008

Criticalidade

Uma gota de água num Oceano não é nada, é algo. É, para ser preciso, uma gota. Um gesto ínfimo é um gesto. Até um gesto gasto na repetição de uma rotina obrigatória, mesmo que a complexa mecânica muscular que o origina venha do subconsciente e não tenha já qualquer impacto da memória de quem o causou, não deixa de ser um gesto. É que para a realidade não há burocracias, hierarquias de importância ou momentos chave que filtram o que permanece. A realidade tudo contabiliza num acumular subtil que não entendemos. O Dr. Spleen finalmente encontrou a psicose que há anos o seu deambular de rua procurava. Este homem, um silêncio encarnado (nenhum som daquela boca mesmo após a paciência fiscal dos punhos de Kong Sénior ou o furor profissional de Dabila). Eis alguém que acumulava olhares de pessoas por quem passava, medindo, atribuindo-lhes créditos. Spleen apenas vislumbra uma tosca projecção desse classificar. Suspeita que certos números mapeavam um sorriso, um observar curioso, um ver de soslaio, a indiferença dos rostos. E nesse cálculo o espelho da sua curiosidade. Pois atrás dele o desvendar de uma aritmética da acção, o acumular de médias ponderadas até atingir um limite, talvez arbitrário, essa gota de água, esse transbordar que o levava, por fim, a terminar Outros.