dezembro 19, 2007

Acumulação histórica

Há umas semanas comprei um PC novo. No momento da troca, afastei o velho computador, e deparou-se-me o seguinte cenário:
 

Fio a fio, cabo a cabo, ao longo dos anos de compras de gadjets (todos essenciais) o acumular de 'desordem' deu nisto. Coloco a palavra entre aspas porque na verdade o sistema a que estes fios pertenciam e sustentavam funcionava perfeitamente (só era lento...) [agora vem a veia metafórica e que, suponho, me justifica o post] Como adivinhar a forma de um sistema que evolui através de uma história fortuita, composta por momentos irrepetíveis, por decisões contingentes? Que lei, física, económica, social, pode prever os detalhes da estrutura mesmo que saiba (e como saber o futuro?) a futura função da coisa complexa que observa?

dezembro 17, 2007

Travessia

Terá havido maior invenção que a escrita? Que tentação, a de atravessar o mundo, e tentar deixar nele a marca de uma frase.

dezembro 13, 2007

O consumismo explica o paradox de Fermi

"A história é a seguinte: Algures nos anos 40, Enrico Fermi falava com outros Físicos sobre a possibilidade de inteligências extra-terrestres. Eles estavam impressionados pela nossa Galáxia conter mais de 100 mil milhões de estrelas, que a vida evoluiu rapidamente na Terra, e que uma espécie inteligente, capaz de se reproduzir exponencialmente seria capaz de colonizar a Galáxia em poucos milhões de anos. O raciocínio seguia que, actualmente, essas inteligências já seriam comuns. Fermi ouvia pacientemente e fez-lhes uma pergunta simples: “Então, onde estão eles?” Se a inteligência ET é comum, porque não chegaram ainda ao nosso planeta? Este dilema é hoje conhecido pelo paradoxo de Fermi.

[...] Parecem existir duas possibilidades. Ou a Ciência sobrestimou a possibilidade de inteligência ET ou talvez essas inteligências tenham uma tendência para se auto-limitarem, até mesmo auto-exterminarem. [...] Eu sugiro uma terceira possibilidade, talvez uma ainda mais sombria solução para o paradoxo de Fermi. Basicamente, os ETs não se explodem a si mesmos, eles apenas se viciam em jogos de computador. Eles esquecem-se de enviar sinais rádio ou colonizar o espaço porque estão muito ocupados a consumir e em exercitar o seu narcisismo numa qualquer realidade virtual. Eles não precisam de Sentinelas para os escravizar numa Matriz, eles fazem-no a si próprios, como nós fazemos hoje em dia.

O problema fundamental é que uma mente desenvolvida precisa tomar atenção a pistas indirectas de adaptação biológica, em vez de se focar na própria adaptação. Nós não procuramos o sucesso reprodutivo directamente; nós procuramos comida saborosa que promova a sobrevivência e parceiros interessantes que nos possam dar a melhor descendência possível. Resultado moderno: fast food e pornografia. A tecnologia é bastante boa para controlar a realidade externa e aumentar a nossa adaptação biológica real, mas é ainda melhor a criar e promover adaptações falsas – pistas subjectivas de sobrevivência e reprodução, sem os efeitos reais. Um sumo natural de laranja custa muito mais que um refrigerante de fruta light. Ter amigos requer um muito maior esforço que seguir o Friends na TV. Na verdade, colonizar a Galáxia é muito mais difícil que fingir fazê-lo na Guerra das Estrelas.

A tecnologia que cria adaptações falsas tende a evoluir muito mais depressa que a nossa resistência psicológica ao processo. Desde que a imprensa foi inventada, as pessoas lêem mais e têm menos filhos. Desde que a Xbox foi inventada, as pessoas preferem ser uma versão de alta-definição do King Kong do que ser um ser humano real de definição perfeita. Os adolescentes vêem-se cercados por uma multidão de produtos electrónicos que lhes cativam a atenção, e fazem menos exercício físico. Um licenciado no MIT prefere entrar na indústria dos jogos do que ir para a NASA.

Por volta de 1900 as invenções eram sobre a realidade física: carros, aviões, luz eléctrica, soutiens, zippers. Em 2005, a maioria das invenções são sobre entretenimento virtual. As principais patentes são da IBM, Canon, HP, Intel, Toshiba, não da Boeing, Toyota ou Wonderbra. Nós já mudámos de uma economia real para uma economia virtual., da física para a psicologia como critério para a alocação de valores e de recursos. O princípio do prazer de Freud triunfa sobre o princípio da realidade. Nós concentramo-nos em emitir localmente estórias de interesse humano, uns para os outros, e não em emitir mensagens de paz e progresso universal para outros sistemas solares.

Talvez os ETs tenham feito o mesmo. Eu suspeito que um período de narcisismo e de adaptações falsas seja inevitável quando uma espécie inteligente evolui. Esta é a Grande Tentação para qualquer espécie tecnológica – de moldar a sua realidade subjectiva para providenciar sobrevivência e sucesso reprodutivo sem substância real. Talvez a maioria destas espécies se extingam gradualmente, alocando cada vez mais tempo e recursos para os seus prazeres, e cada vez menos para as suas crianças.

Talvez certas personalidades, passadas geneticamente e culturalmente, resistam à Grande Tentação e durem mais. Aqueles que persistirem terão mais auto-controle, serão mais pragmáticos. Terão um horror ao virtual, às drogas que alteram a mente, à contracepção. Irão salientar o valor do trabalho árduo, a gratificação adiada, a educação dos filhos, a protecção ambiental.

A minha ideia perigosa é que isto já está a acontecer. Os fundamentalistas, os activistas anti-consumo, já entenderam o que é a Grande Tentação, e têm uma resposta para evitá-la. Eles isolam-se da nossa economia e produtos virtuais e esperam pacientemente que o nosso narcisismo nos destrua. Serão eles a herdar a Terra, como ETs semelhantes a eles herdaram os respectivos planetas. Quando, finalmente, se estabelecer Contacto, não será uma reunião de leitores de ficção científica ou de apreciadores de jogos de computador. Será um encontro de pais de família extremamente sérios que irão congratular-se mutuamente por terem sobrevivido não só à Bomba mas também à XBox. E trocarão brindes não num ambiente virtual semi-erótico mas sim no solo sagrado de uma Igreja." adaptado do texto de Geoffrey Miller

dezembro 10, 2007

Incompreensão

Se na morte não houvesse perda não seria uma tragédia. Eis algo que a futura vítima, amarrada à parede, semi-nua, num quase de penumbra e ciente da sua situação, encontra dificuldades em aceitar. O silêncio da face daquele que o executa é, segundo a experiência do Dr. Spleen, a mensagem possível, a comunicação que resta. Porque evita o uso das palavras que são, como se sabe, órbitas que nos seguem e, logo, ferramentas inúteis em eventos deste género. E porque salienta, nesse momento resgatado antes do fim que sempre se quis adiado, o confronto da rara nudez dos rostos e concentra os olhares no olhar do Outro. Dizem que o silêncio é de Ouro (e anda-se muito em redor destes atómos de setenta e nove protões, porque raros?, porque juntos brilham?) mas no fixar gelado do Dr. Spleen revela-se, ao contrário, que o silêncio é de Carbono, Oxigénio, Azoto e Hidrogénio. Um querer de vida para se notar, para ter sentido, para se perder enfim.

dezembro 07, 2007

O inferno não são os outros

A noção de Vida é um assunto que os biólogos têm cuidado a tratar. Conhecemos apenas um exemplo de vida (esta nossa, baseada no carbono e no ADN) e, por isso, os especialistas evitam apontar condições necessárias para que algo esteja vivo e preferem falar de condições suficientes à vida. Desta forma, não caem no erro de criar uma definição demasiado restrita e preocupam-se apenas em incluir o que entendemos serem seres vivos aqui na Terra. Grosso modo, as condições suficientes dizem que um ser é considerado vivo se possuir metabolismo (i.e., capacidade de processar energia vinda do exterior usando-a na sua manutenção e dissipando os restos) e seja capaz de se reproduzir (criando uma cópia sua, cuja qualidade dessa cópia é proporcional à possibilidade de sobrevivência pelo mecanismo da selecção natural). Curiosamente, olhando para estas condições de forma estrita, um animal ou vegetal sexuado que seja o último da sua espécie ou que se encontre irremediavelmente isolado, apesar de conter uma comunidade de seres que satisfazem os critérios (células, bactérias, fungos, parasitas...), não poderia considerar-se vivo.

dezembro 05, 2007

O Mundo pode ser Fundamentalmente Inexplicável

"A Ciência progrediu durante 400 anos por conseguir explicar fenómenos observáveis em termos de teorias fundamentais que são fixas. Qualquer desvio do comportamento esperado não é permitido pela teoria, assim, qualquer desvio observado é uma evidência da necessidade de a alterar ou mesmo substitui-la por outra lei mais ampla.

O objectivo último da Física, como é normalmente descrito, é ter uma «teoria de tudo», onde todas as leis fundamentais que descrevem a Natureza possam ser descritas na frente de uma T-Shirt. Porém, com o reconhecimento que a energia dominante do Universo reside do espaço vazio - algo tão peculiar que é muito difícil entender no contexto das teorias físicas que possuímos - cada vez mais físicos têm explorado a ideia que talvez a Física seja uma «ciência ambiental», ou seja, que as leis que observamos são meros acidentes e que existe um número infinito de Universos diferentes, cada um com diferentes leis físicas. [...] Neste caso, o fim da física teórica «fundamental» (i.e., a procura das leis microscópicas fundamentais... porque existirá sempre muito trabalho para os físicos entenderem a multidão de fenómenos complexos que ocorrem nas diferentes escalas do mundo) pode ocorrer não através da teoria de tudo mas sim com o reconhecimento que as ditas leis fundamentais que podem descrever o mundo são fenomenológicas, ou seja, que podem ser deriváveis da observação de fenómenos mas que não reflectem uma profunda ordem matemática do Universo (e que nos traria o entendimento básico de como o Universo é como é)." adaptado do texto de Lawrence Krauss em http://www.edge.org/q2006/q06_8.html#krauss