maio 04, 2007

Transferência

No programa diário de uma pessoa normal não se transpiram grandes pensares. Os eventos repetem-se, são ligados em dominós de causa-efeito por conexões fortalecidas dia-a-dia até ao ponto da pessoa que os percorre ser substituído por uma mecânica de gestos, diálogos e reacções apenas iteradas. Assim, a navegar pela cidade à hora de ponta encontram-se mares robotizados de carne e massa cinzenta desactivada. Este negar é a expressão abstracta de uma morte temporária, um coma que se aprofunda nos anos, que se torna maleável no repetir e progressivo estender do que é normal (porque a experiência é um alimento e um ópio, ela substitui-se à demora angustiante desta nossa fome na procura de respostas). O Dr. Spleen atravessa a rua com Dabila e os irmãos Kong, nos seus flancos, olhando eles em redor como a protegerem-no de um eventual ataque motorizado. Sente o suor e a tensão nas suas mãos, mãos que procuram trajectórias discretas mas sempre perto das respectivas armas. Nesta tensão, nesta ânsia fatal do instante seguinte, na busca constante da diferença, Spleen sente que são eles as únicas pessoas na vastidão limitada daquela praça.

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