Nada é sagrado, nada é de graça
Cada um de nós constrói ou empresta um código ético para poder viver. Devido ao nosso caracter social, é também necessário respeitar uma lei comum, originada historicamente num suposto grande consenso entre os cidadãos obrigados a cumpri-la. Será bom sinal que a nossa ética e a lei da polis sejam aproximadas, caso contrário, podemos, por exemplo, ser considerados sociopatas pelos outros ou a sociedade ser um totalitarismo baseado numa burocracia arbitrária. Excluindo os impulsos e os mecanismos automáticos derivados da experiência que representam a maior parte das acções da nossa vivência, quando tomamos uma decisão reflectida ela é suposta ser de acordo com a ética pessoal e com a lei vigente. Quando violamos a primeira, estamos a por-nos em xeque, a mentir a nós próprios, a «carregar uma má consciência»; quando violamos a segunda, cometemos um crime e ficamos sujeitos à restrição de direitos expressa na lei. Pode acontecer que as duas estejam em conflito e ficarmos, assim, confrontados com uma escolha. Devemos escolher a nossa ética, os nossos valores, ou a lei, os valores da comunidade? Pode ser que a matriz de valores que seguimos esteja errada, ultrapassada pela dinâmica da sociedade, e estarmos presos a preconceitos arcaicos que perderam a relevância ou a utilidade que inicialmente os motivaram. Pode ser que a lei esteja errada, e já não represente nem um consenso nem proteja os direitos e a liberdade dos seus cidadãos. A decisão é pessoal mas a responsabilidade das nossas acções tem consequências. Ou optamos defender o que acreditamos, na rectidão profunda das nossas certezas, e arriscamos o crime e respectivo castigo por injusto que seja. Ou optamos por mudar, por esquecer as crenças que nos guiaram até à encruzilhada, defendendo a vontade comum da sociedade que nos exigiu participação. Mas também aqui arriscamos um crime e castigo futuro, caso tenhamos errado por falta de análise, convicção ou coragem. Nada é sagrado, nada é de graça.
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