novembro 21, 2006

Nevoeiro

O Doutor Spleen sabe que entre um corte de bisturi há dois mundos que se separam, dois resultados presos num fio de presente. Que entre os ilimitados parâmetros de um instante, apenas um conjunto deles, reduzido mas não vazio, o tornam único. Não se aprecia um corpo através de uma análise espectral das suas componentes ou da interacção química das células que o compõem. Não se entende uma obra de arte por esta obedecer aos ditames da quântica das partículas nem um romance pelo estilo ou dimensão da fonte usada na impressão e uma música é mais que as frequências obtidas na decomposição de Fourier. Todos estes exemplos dizem que o gosto é também um escolher de abstracção, um progressivo retirar de detalhes demasiado finos para obter o grosso modo que nos agrada. Nem sempre é fácil saber quando se pára. E esta decisão, esta difícil fronteira pode ficar aquém para um dos seus dois lados. Ou nos perdemos numa ânsia de precisão sobre o que interessa (ou seja, numa perda, porque nada é perfeito) ou deixamos passar o único desse momento (e tudo se dilui nesse nevoeiro que era o mundo antes das pessoas).

Sem comentários: