outubro 02, 2006

Complementar

Nós não somos engraçados ou tristes, agressivos, inteligentes, sádicos, subtis, irónicos, perspicazes, x ou y, não no sentido que nos classifique. O mundo existe, é um arrastar irrefreável de realidade, de milhões de matizes semelhantes que se acumulam rápido até tudo se tornar diferente. É apenas um desejo, uma pequena mas certa soberba achar que o nosso eu não se afecta na dimensão do outro, do que está lá fora ao frio indiferente do que queremos. O Doutor Spleen (como já o afirmamos meses atrás) sabe-se uma soma de metades nem sempre concordantes, sabe que no contexto está impresso uma parte de nós, um parâmetro essencial a essa função de complexidade diabólica a que chamamos personalidade. E acredita, por saber isso, que mesmo que a responsabilidade não se transfira, não se explica um momento sem se saber onde e como se passou, quais os tecidos que prenderam esse presente ao frágil fio de memória que o substituiu. Por isso, entre o torturador e a sua vítima, entre a ânsia velada de ferir e o terror inevitável de sofrer, estão apenas as cordas, o metal das grilhetas que sustêm o cenário, a cadeira presa ao chão nesses dois não tão diferentes pontos de vista.

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