Um Equilibrio Flutuante (parte I)
[adaptado do Freedom Evolves de Daniel Dennet, Penguin Books, 2003]
Não existe maior fonte de ansiedade em relação ao livre arbítrio que a imagem da Ciência a absorver todos os nossos actos, bons ou maus, na sopa ácida da explicação causal, retirando-os progressivamente da alma até que nada reste para louvar ou culpar, para honrar, respeitar ou amar. Ou assim parece para muitos. E desta forma eles tentam levantar barreiras, doutrinas absolutistas desenhadas para afastar a ameaça destas ideias. Esta, porém, é uma estratégia condenada, uma relíquia do milénio passado. Graças ao progressivo entendimento da natureza, aprendemos que essas barreiras apenas atrasam a catástrofe e, muitas vezes, até a pioram. Se vivemos numa praia, é bom estar preparado para mudar quando a praia se deslocar, algo que as praias fazem devagar mas seguramente. Os quebra-mares podem 'salvar' a costa mas destroem algumas das características que faziam essa mesma costa um lugar tão agradável para se viver. Uma melhor solução passaria por estudar a situação e chegar a um acordo sobre quão perto do mar pode uma casa ser construída. Mas os tempos mudam, as políticas mudam, e aquilo que fazia sentido durante décadas ou séculos pode se tornar obsoleto e ter de ser revisto. É comum dizer-se que devemos trabalhar com a natureza não contra. Isto, porém, é retórica de moderação; todo o artefacto humano altera alguma propriedade da natureza. O truque é entender o suficiente dos padrões naturais de forma a interferir com eles para conseguirmos os resultados pretendidos. [cont.]
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