dezembro 28, 2005

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As especiarias das Índias, o ouro do Brasil, os financiamentos da União Europeia. Se definirmos oportunidade como enormes e acríticos jorros de dinheiro, quantos países por desenvolver tiveram três oportunidades na sua História?

dezembro 27, 2005

Princípios

Kong sénior repete, com alguma competência ritmica, o contacto do taco de baseball na cabeça do agente federal inflitrado. Talvez a metodologia não seja a mais elegante, decente, nem sequer a mais higiénica (os salpicos de sangue entranham-se por todo o lado, uma característica bem conhecida deste género de líquidos, e uma empregada custa uma fortuna). Spleen poderia tê-lo interrogado mais, poderia ter começado por lhe cortar partes não essenciais, forçado um conjunto de técnicas de pressão psicológica mais ou menos estudadas em países duvidosos ou ter cumprindo algumas das ameaças (pobremente) proferidas por Dabila. Porém, após um periodo justo de interrogatório e perante a recusa liminar de respostas, não quis continuar. Acima de tudo, o Doutor Spleen não atribui qualquer mérito à tortura.

dezembro 22, 2005

Reset

Demasiadas vezes quando leio um jornal, quando oiço um noticiário assisto não à discussão de conceitos ou ideias mas de particulares e instâncias. Não se discute Justiça, discute-se o processo judicial do momento; não se fala de Política mas da acusação de A a B; não se comenta estratégias de investimento mas dos gastos de C em D; o Ensino é uma escola, um aluno, um professor na televisão; a Sociedade um ou outro que grita mais alto; o Futuro o que achamos hoje. Uma notícia pode apresentar um facto ou um número mas sem contexto para que serve? E neste ciclo de eventos isolados que nos alimenta a atenção, o mundo torna-se o que vemos, reiniciando todas as semanas à segunda-feira. Este particular é (já? ainda?) matéria suficiente para nos encher de espanto e indignação. O que o define e estrutura é somente discurso dos que falam sozinhos.

dezembro 21, 2005

Montes de hobbies

Se o ateísmo é uma religião, então não coleccionar selos é um hobby. (de alguém chamado 'snex')

dezembro 19, 2005

Gradiente de Medo

Escuridão, os morcegos em trajectórias difusas a atravessar a noite. Uma luz amarela febril a iluminá-los, a janela fechada. O Doutor Spleen anota com vigor contabilístico a forma, a cor, a textura do saque – e por um momento pára nessa palavra áspera – as observações que o acto lhe provocou e o toque único que à carne foi dado. Depois, fecha o livro e entrega-o ao ajudante (este sai da sala, numa reverência ritual bastante complicada de explicar agora). Ele senta-se à espera das notícias, que a imagem de baixa definição do Inspector Rousseau surja na curiosidade mórbida da televisão. Enquanto isso, retira em silêncio a carteira e dela a foto dele. Do bolso, num movimento treinado, afasta (e só com uma mão) a protecção do bisturi cirúrgico e corta da foto um quadrado de quatro mm2 de área. Esta medida exacta foi comprovada várias vezes por Dabila e pelos irmãos Kong que, de lupa e régua, foram incapazes de encontrar um mínimo desvio nas largas amostras daquele puzzle em construção. E cada corte torna aqueles três mais apreensivos. É que a perfeição, principalmente quando iterada, torna-se assustadora.

dezembro 16, 2005

Claustrofobia

Racionalizando a dimensão do Universo, faz-me menos confusão a nossa ínfima pequenez do que o deserto que nos cerca. Como acreditar num sentido fora de nós, no desenho inteligente de um qualquer deus, quando um infinito estéril nos sufoca com silêncio e indiferença?

dezembro 15, 2005

Mistura

O crer e o pensar nunca se deram bem.

dezembro 13, 2005

Máscara

Desaprendem os homens certas coisas e fazem bem, contanto que, desaprendendo uma coisa, aprendam outra. Longe o vácuo no coração humano. Fazem-se certas demolições, e bom é que se façam, mas com a condição de serem seguidas de novas construções.

Entretanto, estudemos as coisas que já não existem. É necessário conhecê-las, ainda que não seja para as evitar. As contracções do passado tomam nomes falsos e gostam de chamar-se o futuro. Esta alma do outro mundo, o passado, é atreito a falsificar o seu passaporte. Precatemo-nos contra o laço, desconfiemos dele. O passado tem um rosto, que é a superstição, e uma máscara, que é a hipocrisia. Denunciemos-lhe o rosto e arranquemos-lhe a máscara. - Victor Hugo, Os Miseráveis

dezembro 12, 2005

Maquilhagem

Mesmo sem segundas intenções dos seus agentes, a sociedade procura livrar-nos de um mundo de opções. As convenções e as leis que daí derivam dão-nos receitas que reduzem o possível ao legal, que transformam decisões em procedimentos. A ânsia de transferir para outros a resolução dos problemas é uma característica demasiado nossa. Quanto mais forte for a norma, menos há que decidir: as complicações individuais transferem-se para o caldo informe das dificuldades gerais. Há um limite até ao qual isto é benéfico: o mundo, mesmo só o nosso mundo, é demasiado complexo para que tenhamos, todas as manhãs, de negociar o quotidiano. Para lá desse limite, quando o desejo de formatação invade a liberdade e a responsabilidade individual, começa o esforço de uniformidade, o processo de canibalismo que, de tempos em tempos, a sociedade propõe sob a maquilhagem de algum mundo novo.

dezembro 06, 2005

Leis

(c) Robert Thompson
Prendo-o por violar as leis da Física (c)Robert Thompson

Uma piada que vive no jogo linguístico da proximidade entre leis sociais e leis físicas. Mas qual a diferença entre elas? As primeiras são convenções, limitações do possível. As segundas só por hábito se chamam leis, elas são o próprio possível. Violar uma lei física (da qual teremos sempre e apenas uma aproximação) é o mesmo que descobrir uma falha na operação da soma, encontrar um dígito 'errado' no número PI ou inventar um computador que calcule a resposta de qualquer problema.

dezembro 05, 2005

Custo

É mais fácil restituir uma aldeia que reconstruir uma pessoa.