Maquilhagem
Mesmo sem segundas intenções dos seus agentes, a sociedade procura livrar-nos de um mundo de opções. As convenções e as leis que daí derivam dão-nos receitas que reduzem o possível ao legal, que transformam decisões em procedimentos. A ânsia de transferir para outros a resolução dos problemas é uma característica demasiado nossa. Quanto mais forte for a norma, menos há que decidir: as complicações individuais transferem-se para o caldo informe das dificuldades gerais. Há um limite até ao qual isto é benéfico: o mundo, mesmo só o nosso mundo, é demasiado complexo para que tenhamos, todas as manhãs, de negociar o quotidiano. Para lá desse limite, quando o desejo de formatação invade a liberdade e a responsabilidade individual, começa o esforço de uniformidade, o processo de canibalismo que, de tempos em tempos, a sociedade propõe sob a maquilhagem de algum mundo novo.
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