outubro 27, 2005

Fronteira

Um problema é um especificar (ainda) sem solução. Uma preocupação a atracção incómoda de um pensamento. Não devemos confundir uns pelos outros, dos primeiros temos que cheguem.

outubro 25, 2005

The Birds

(c)Jeffery Stahlman

Ingrácia remexe o grão nos ingredientes secretos (daqui não consigo ver quais) que tantos prémios lhe valeram. As suas galinhas, patos, pombos, gansos e hamsters (estes uma singularidade, um ponto de rebeldia perante o escândalo ortodoxo das vizinhas) são o orgulho de uma velhice possível. Levanta-se a custo, põe o chapéu, segura o balde e sai. Ao entrar no galinheiro, naquele mundo mantido, o barulho, o caos de uma multidão de penas na chegada da grande irmã, no braço a detestável comida de sempre e por entre a porta o azul e o céu de Novembro. Mas (e Ingrácia não repara) também aqueles pontos negros, aqueles olhos de pássaro nela.

outubro 24, 2005

A sobrevivência da política (parte IV)

O moralismo político, porém, interpreta a independência individual não como uma garantia de liberdade mas como uma barreira para moralizar o mundo. Indivíduos independentes que gerem a sua riqueza são vistos como agentes egoístas e como causa de desigualdades e pobreza. Um mundo socialmente justo requer a distribuição racional dos bens produzidos pela sociedade moderna. Mas Estados com a autoridade espartilhada pela lei são mecanismos imperfeitos para resolver essa imensa tarefa de redistribuição. Porém, a entidade designada ‘o Estado’ pode tornar-se uma ferramenta eficaz se mudar de carácter. E de facto, este carácter muda de cada vez que o poder centralizado age sobre a riqueza gerada pela economia.

A política moderna, assim, está a gerar um dilema formidável. A moralização da condição humana só é possível se conseguirmos associar ao mundo um conceito de justiça social. Mas, ao que parece, só podemos ultrapassar as injustiças do passado através de uma forma social – o despotismo – que a civilização ocidental considera incompatível com a sua liberdade e os seus costumes. A promessa é Justiça, o preço a liberdade.

outubro 20, 2005

Se os espelhos fossem janelas, para que lado abririam?

Magritte - Lunette Approche, 1963

A urgência da resposta nem sempre é útil à ânsia da pergunta.

outubro 18, 2005

Divisória

O que me impede de sofrer a tua dor? Onde estão as comportas que a detêm? Qual o custo de as abrir, sabendo nós dos mil outros ao nosso lado? Que arquipélago é este e qual o mar que o limita?

outubro 17, 2005

A sobrevivência da política (parte III)

Neste argumento, a moral é identificada como generosidade altruísta e a política como um ‘negócio sujo’ de interesses. Mas um projecto destes precisa justificar porque todas as gerações passadas falharam neste salto qualitativo na melhoria da condição humana. E é aqui que o argumento utiliza uma explicação ideológica. A Justiça é bloqueada (segundo eles) pelos interesses das elites dominantes que sempre controlaram o estado. Nas versões antigas, a separação era entre ricos e pobres, burguesia e proletariado, imperialistas e colonizados. Nas versões mais modernas, o foco é nas relações de opressão: brancos e negros, homens e mulheres… E isto, de facto, corresponde a uma das características da politica desde Sólon.

A característica é que a política tem sido o negócio dos poderosos: cidadãos, nobres, proprietários, patriarcas – os que detinham poder e status. Era essencial para a ideia de estado que este fosse gerido por uma associação de pessoas independentes com os seus próprios recursos. Os direitos destas elites foi sendo generalizado, ao longo dos Séculos, até definir os direitos universais que possuímos hoje. Era precisamente pelo estado ser gerido por independentes (i.e., ricos) que este não cairia numa ditadura. Com a capacidade de executar projectos próprios, é mais difícil alguém se subjugar a projectos de terceiros. É neste sentido que o conceito de política e despotismo são diametralmente opostos, no estado existem direitos individuais que permitem dispor e gerir a sua própria propriedade.

outubro 13, 2005

Ou exclusivo

Das duas uma: ou a individualização da tecnologia de guerra tem um limite ou começamos a despedir-nos deste canto da Galáxia.

outubro 11, 2005

Distância

O terrorismo não é uma guerra, é o efeito de um género de crime organizado. Só que ao contrário da típica organização criminosa que usa o poder para obter dinheiro, os terroristas usam dinheiro para obter poder. Ora, um criminoso é-o em relação a um quadro penal, a uma Lei; a diferença entre resistência e terrorismo, entre mudança e atavismo, entre um herói e um monstro pode ser mais ténue do que desejamos.

outubro 10, 2005

A sobrevivência da política (parte II)

A questão entre moralidade e política é especialmente interessante dado que esta última nasceu de certas condições históricas e pode morrer da mesma forma. Ou por ter surgido algo melhor, ou porque algo antigo e resistente voltou à superfície sobre uma nova forma. Mas se a actividade política morresse, a instituição do Estado seguiria com ela. Atacar uma é ameaçar a outra. Já foi referido o desafio ideológico que ataca o estado em nome de uma sociedade perfeitamente justa. A sociedade suporta um sistema de vida (enquanto o estado não) onde a acção política é substituída pelo julgamento moral, produzindo uma sociedade perfeita sem crime, inveja ou pobreza porque todos teriam sido sociabilizados. Como a perfeição fora alcançada, seria indiferente chamá-la o triunfo ou a extinção da moral.

Uma das suas versões é designada de moralismo político e uma forma de a apresentar é através do projecto de substituição do estado soberano pela ordem internacional emergente, ou internacionalismo. O primeiro problema onde o internacionalismo é uma resposta, é na guerra. Considerou-se, no passado, que as dinastias eram (um)a causa das guerras e as republicas a solução. Nesta nova versão, a guerra resulta de más instituições, as nações soberanas a causa das guerras e a crescente ordem internacional a solução. A teoria que as más instituições causam males sociais assume os humanos como criaturas plásticas que reflectem as instituições que as agregam. Isto deixa pouco espaço para a ‘natureza humana’ e tem como implicação que com melhores instituições (logo melhores pessoas) podemos resolver a questão da guerra e mesmo da justiça. Como consequência desta linha de raciocínio, os internacionalistas procuram a distribuição justa, por todas as pessoas do mundo, dos recursos e benefícios morais (os direitos humanos) disponíveis. Mas outra implicação é a substituição da política pela moral ao procurar abolir dois pilares centrais da política: o interesse individual e o estado-nação (visto aqui como uma organização de egoísmo colectivo designada, por vezes, de nacionalismo).

outubro 06, 2005

0

Não deve existir actividade mais funesta do que procurar respostas onde não há perguntas.

outubro 04, 2005

Conveniência

O que separa as ciências de actividades como a religião ou a astrologia, não é umas dependerem de afirmações falsificáveis e outras não. Todas elas as usam mas apenas os adeptos das primeiras se esforçam por testá-las.

outubro 03, 2005

A sobrevivência da política (parte I)

(adaptado do livro Politics de Kenneth Minogue)

Machiavelli relata uma história de um Romano rico que por ter dado comida aos pobres numa época de fome, foi executado pelos seus pares. O argumento foi que ele estaria a preparar terreno para se tornar um tirano. Aqui se realça a tensão entre a moral e a política, mostrando que os Romanos davam mais importância à liberdade que ao bem-estar. A forma como julgamos as acções depende da nossa ideia de política. Parece certo que estes Romanos não se conseguiriam adaptar à visão política moderna onde esta é apenas ou uma indústria de serviços para se poder viver o melhor possível, ou um conjunto de medidas na direcção de uma sociedade inteiramente justa.

Os políticos modernos e os funcionários civis aumentam o seu poder dando comida aos pobres e necessitados, mas nós não os executamos por isso. Isto significa que não nos importamos com a liberdade? Não, mas o contraste com os Romanos levanta algumas questões pertinentes. Vamos focar a relação entre a moralidade e a política, i.e., a filantropia, a caridade e o altruísmo são moralmente admiráveis, mas qual a sua relevância política? [cont.]