abril 29, 2005

Despotismo vs. Política (parte I)

(adaptado do livro Politics de Kenneth Minogue)

O despotismo é uma categoria com grandes variações. De uma forma ou doutra, as civilizações não europeias têm sido quase invariavelmente geridas despoticamente. A imaginação ocidental, no entanto, tem geralmente repelido os déspotas – os cruéis faraós, os imperadores Romanos enlouquecidos (como Nero ou Calígula), os exóticos e longínquos imperadores da Índia e da China. Na Europa, o desejo pelo poder despótico tem de se disfarçar a si próprio. Várias vezes, povos europeus são seduzidos por formas embrulhadas em ideais (como o nazismo ou o comunismo soviético). Este facto deve recordar-nos que a possibilidade de despotismo não é remota nem no tempo nem no espaço.

Hoje define-se despotismo (como a ditadura e o totalitarismo) como uma forma de governo. Isto teria estarrecido os Gregos, cuja própria entidade (e senso de superioridade sobre os outros povos) era baseada na distinção que faziam de si em relação ao despotismo dos seus vizinhos a Este. O que os Gregos sabiam acima de tudo é que não eram orientais. Admiravam as culturas de impérios como o Egípcio ou o Persa mas, normalmente, desdenhavam a forma como eram governados. Chamavam a esses sistemas despotismo porque não eram diferentes da relação entre um mestre e os seus escravos. Consideravam intolerável a desigualdade entre os líderes e os cidadãos e, mais de dois mil anos depois, nós herdámos o mesmo sentimento de rejeição. [cont.]

abril 28, 2005

Necessidades

Não somos Homens sem razão mas nem sequer seríamos nós sem memória. A história pessoal é um mapa de recordações intensas ligadas entre si pela imaginação. Com o esquecimento, o trauma, o viver, alteramos esse mapa chamado passado. Dizê-lo perene é enganar os outros; fazê-lo perene é enganar-nos a nós próprios.

abril 26, 2005

Perspectiva

A saudade é a falta promovida a cultura.

abril 22, 2005

Esforço

O mundo não se rege pelo que nos vai na cabeça nem se formata a qualquer medida. Por muita ordem ou lógica que lhe queiramos dar, o máximo que deixamos é um breve aviso que passámos por aqui.

abril 21, 2005

Botões Políticos (última parte)

Os dois tipos de visionários tendem a se posicionar em lados opostos de muitas questões não relacionadas entre si. A visão utópica identifica objectivos sociais e articula medidas políticas directas: a desigualdade económica é atacada com uma guerra à pobreza, a poluição por regulamentos ambientalistas, desequilíbrios raciais com descriminação positiva. Como crítica, a visão trágica aponta os interesses individuais das pessoas que causam ou influenciam esses problemas - argumentando que acções directas são muitas vezes incapazes contra as respostas individuais de milhares ou milhões de interessados que não se revêem nessas medidas.

Pelo contrário, a visão trágica procura sistemas cuja dinâmica produza resultados aceitáveis, mesmo que a maioria dos seus participantes não seja particularmente sábio ou virtuoso. O mercado livre, na opinião deles, consegue esse objectivo. Não é necessário um entendimento completo da rede de relações comerciais de produtos e serviços para antecipar onde, quando e quem precisa do quê. Os direitos de propriedade dão um incentivo à produção, a solidez dos contratos assegura uma dinâmica continuada de trocas, os preços transmitem informação sobre a demanda e procura entre produtores e consumidores o que lhes permite agir segundo um conjunto simples de regras: fazer mais do que é lucrativo, comprar menos do que é caro - e a "mão invisível fará o resto". Como crítica, a visão utópica diz que se produz uma distribuição socialmente injusta de riqueza entre os diferentes actores do mercado. Como resposta, os da visão trágica defendem que a noção de justiça só faz sentido para avaliar acções humanas sob um sistema legal e não quando aplicado a uma abstracção designada por 'sociedade'.

Algumas das batalhas entre a esquerda e a direita recaem nestas questões filosóficas: governos grandes ou pequenos; taxas altas ou baixas; proteccionismo ou mercado livre; medidas directas para reduzir os problemas ou medidas indirectas para reforço das leis. Também na justiça: os da visão trágica tendem a ver a execução da lei como a aplicação cega e directa do que está escrito, enquanto a visão utópica procura o espírito da lei para lá da escrita da mesma. Uns são acusados de perpetuarem injustiças arbitrárias, outros são acusados de egotismo e caprichos arbitrários que só desfavorecem quem segue as leis segundo a norma.

abril 19, 2005

Contrapesos

O que sobra do supérfluo é por vezes conhecimento. Aproveitá-lo é arriscar-se à sagesa. Mas fica-se tão fora de moda...

abril 18, 2005

And now for something completely different...

  • Michael Palin: Ahh.. Very passable, this, very passable.

  • Graham Chapman: Nothing like a good glass of Chateau de Chassilier wine, ay Gessiah?

  • Terry Gilliam: You're right there Obediah.

  • Eric Idle: Who'd a thought thirty years ago we'd all be sittin' here drinking Chateau de Chassilier wine?

  • MP: Aye. In them days, we'd a' been glad to have the price of a cup o' tea.

  • GC: A cup ' COLD tea.

  • EI: Without milk or sugar.

  • TG: OR tea!

  • MP: In a filthy, cracked cup.

  • EI: We never used to have a cup. We used to have to drink out of a rolled up newspaper.

  • GC: The best WE could manage was to suck on a piece of damp cloth.

  • TG: But you know, we were happy in those days, though we were poor.

  • MP: Aye. BECAUSE we were poor. My old Dad used to say to me, "Money doesn't buy you happiness."

  • EI: 'E was right. I was happier then and I had NOTHIN'. We used to live in this tiiiny old house, with greaaaaat big holes in the roof.

  • GC: House? You were lucky to have a HOUSE! We used to live in one room, all hundred and twenty-six of us, no furniture. Half the floor was missing; we were all huddled together in one corner for fear of FALLING!

  • TG: You were lucky to have a ROOM! *We* used to have to live in a corridor!

  • MP: Ohhhh we used to DREAM of livin' in a corridor! Woulda' a palace to us. We used to live in an old water tank on a rubbish tip. We got woken up every morning by having a load of rotting fish dumped all over us! House!? Hmph.

  • EI: Well when I say "house" it was only a hole in the covered by a piece of tarpolin, but it was a house to US.

  • GC: We were evicted from *our* hole in the ground; we had to go and live in a lake!

  • TG: You were lucky to have a LAKE! There were a hundred and sixty of us living in a small shoebox in the middle of the road.

  • MP: Cardboard box?

  • TG: Aye.

  • MP: You were lucky. We lived for three months in a brown paper bag in a septic tank. We used to have to get up at six o'clock in the morning, clean the bag, eat a crust of stale bread, go to work down mill for fourteen hours a day week in-week out. When we got home, out Dad would thrash us to sleep with his belt!

  • GC: Luxury. We used to have to get out of the lake at three o'clock in the morning, clean the lake, eat a handful of hot gravel, go to work at the mill every day for tuppence a month, come home, and Dad would beat us around the head and neck with a broken bottle, if we were LUCKY!

  • TG: Well we had it tough. We used to have to get up out of the shoebox at twelve o'clock at night, and LICK the road clean with our tongues. We had half a handful of freezing cold gravel, worked twenty-four hours a day at the mill for fourpence every six years, and when we got home, our Dad would slice us in two with a bread knife.

  • EI: Right. I had to get up in the morning at ten o'clock at night, half an hour before I went to bed, (pause for laughter), eat a lump of cold poison, work twenty-nine hours a day down mill, and pay mill owner for permission to come to work, and when we got home, our Dad would kill us, and dance about on our graves singing "Hallelujah."

  • MP: But you try and tell the young people today that... and they won't believe ya'.

  • ALL: Nope, nope..

abril 15, 2005


abril 14, 2005

Detalhes



Saber parar, respirar devagar, deixar-nos ir pelas pequenas coisas são artes difíceis. Existimos mas não nos lembramos porquê, compensamos mais deveres que vontades, perdemos estes dias que nos parecem iguais. Muito do conjunto são detalhes que não vemos. Tudo sucede, eles ficam.

abril 12, 2005

Botões Políticos (parte IV)

Na visão utópica a natureza humana muda com as circunstâncias sociais, logo as instituições tradicionais possuem um valor intrínseco. As tradições são a mão morta do passado, a tentativa de governar a partir do cemitério. Elas devem ser explicitadas de forma a analisar a sua lógica e justiça e a avaliar a sua moral. Através deste teste, muitas tradições falham: o encerrar das mulheres em casa, o estigma da homossexualidade e do sexo pré-marital, as superstições da religião, a injustiça do apartheid e da segregação, os perigos do patriotismo. Práticas como a monarquia absolutista, a escravatura, a guerra e o patriarcado, antes consideradas inevitáveis, desapareceram em muitas partes do planeta através de mudanças de instituições que antigamente eram consideradas como enraizadas na natureza humana. Mais, a existência de sofrimento e injustiça apresenta-nos uma imperativa moral indiscutível. Não sabemos o que podemos conseguir sem experimentar, e a alternativa, resignarmos ao estado do mundo, não é uma opção.

Mas os da visão trágica não se comovem com estes argumentos. Nós somos todos membros de uma espécie com falhas. Colocar a nossa visão moral em prática pode significar impô-la aos outros. A atracção humana por poder e estima, polida por auto-decepção e um sentimento de justiça, é um convite à catástrofe, principalmente se esse poder for direccionado a um objectivo tão quixotesco como a erradicação dos interesses individuais (como disse o filósofo Michael Oakshott, pretender fazer algo impossível é sempre uma demanda que corrompe quem a procura). [cont.]

abril 11, 2005

Culinária

Não deve existir melhor receita para a catástrofe do que aquele que, alimentado pela certeza das suas convicções e despido de qualquer dúvida, chega ao fim do seu caminho.

abril 08, 2005

Intransmissibilidade

Há dores que são só minhas (nossas). Como impressões digitais, só a mim me cabem, não se passam nem se explicam ao outro que tu és.

abril 05, 2005

Botões Políticos (parte III)

Thomas Sowell no seu livro "Um Conflito de Visões" identifica um factor que permite explicar (não completamente mas em grande parte) a existência das crenças nucleares que opõem direita e esquerda. Sowell mostra duas visões da natureza humana, designadas aqui por visão utópica e visão trágica.
  • Na visão trágica os humanos são intrinsecamente limitados no seu conhecimento, sabedoria e virtude; e todos os acordos sociais têm de levar este facto em conta. Esta visão é associada a Hobbes, Edmund Burke, Adam Smith, Friedrich Hayek, Milton Friedman, Isaiah Berlin e Karl Popper, entre outros.
  • Na visão utópica, as limitações psicológicas são artefactos que provêm dos arranjos sociais onde nos inserimos, e não devem ser tomados em conta quando planeamos o futuro. Esta visão é associada a Rousseau, William Godwin, Thomas Paine, John Kenneth Galbraith e Ronald Dworkin, entre outros.
Na visão trágica, os sentimentos morais (por melhores que sejam) cobrem uma camada mais profunda de egoísmo. Este egoísmo não é necessariamente cruel ou violento, mas sim uma preocupação do nosso bem-estar tão forte que raramente pensamos nela ou nos recriminamos por ser assim. A natureza humana não muda. Tradições, como a religião, a família, os costumes sociais, são uma destilação de técnicas repetidamente testadas com sucesso ao longo dos séculos que nos permitem viver mais ou menos bem com os nossos defeitos. Na generalidade, são aplicáveis hoje como o foram há milénios, apesar de ninguém saber explicar convenientemente porquê. Por mais imperfeita que seja, devemos comparar a nossa sociedade com as que existiram no passado e não com qualquer uma imaginada para o futuro. Felizmente, a sociedade funciona mais ou menos bem e devemos tentar mantê-la assim, porque a natureza humana pode, a qualquer oportunidade, levá-la para o abismo. Como ninguém tem a inteligência de prever sequer o comportamento de um só ser humano, ainda menos a dinâmica de uma população, devemos desconfiar de qualquer fórmula que venha de cima para tentar alterar a sociedade já que é provável que surjam consequências mais nefastas que a eventual resolução dos problemas que se promete corrigir. O melhor que se pode esperar são pequenos passos graduais constantemente corrigidos por periódicas avaliações dos sucessos e dos fracassos. Isto também implica que não devemos procurar resolver totalmente problemas sociais como o crime ou a pobreza, porque num mundo de competição o ganho de uma pessoa é a perda de outra. O melhor que podemos fazer é gerir os diferentes meios ao nosso dispor de forma a minimizar os problemas que consideramos mais importantes. [cont.]

abril 04, 2005

Padrões


Aqui está mais um exemplo da nossa capacidade em encontrar padrões onde não existem: não bastava as de Marte, quem sabe se não há crânios espalhados em Titã...

abril 01, 2005

Aula

Uma aula não deve ser uma eucaristia. Nesta há o assegurar de um hábito, a tranquilidade do gesto repetido, a força da palavra que é pedra de margem, a serenidade de um deus responsável pelos alicerces da Terra. Numa aula há o incómodo da coisa nova, o difícil desenrolar de uma história, a força da palavra que é ideia de ponte, o aprender que de milagres apenas este de sermos.