setembro 30, 2004

Procura

Se procurarmos com suficiente afinco as raízes de uma ideia, chegaremos a outra que a sustenta e que levantará semelhantes questões. Neste processo de descoberta entre a primeira e a que agora se nos defronta, algo se repete. Talvez a Verdade esteja fora das respostas, sustendo-as por caminhos para sempre vedados. Ou talvez tudo se sustente a si mesmo. Assim acontece com a Matemática; com os dicionários, onde cada palavra se socorre das outras; connosco, feitos que somos de reflexos.

setembro 28, 2004

Conflito

A escrita é uma arma de dois gumes: inclui a nossa visão na herança do futuro mas, pelo erodir dos momentos passados, permite confundir visão por verdade.

setembro 27, 2004

Cultura e Geografia (parte II)

A mais óbvia diferença entre culturas é que umas são materialmente mais bem sucedidas que outras. Nos últimos milénios, culturas Europeias e Asiáticas têm conquistado e destruído culturas Africanas, Americanas, Australianas e Polinésias. Porque é que o movimento não foi ao contrário? O resposta imediata passa pelo facto que Impérios mais ricos possuem melhores armas, maiores exércitos, melhor tecnologia e uma organização económica e social mais avançada. Mas esta resposta limita-se a empurrar a pergunta inicial. Como certas culturas obtiveram esses ganhos e não outras?

A resposta do século XIX teve bases biológicas, i.e., raciais. Foi atribuída a disparidade às diferenças como as diferentes raças evoluíram. Brancos e amarelos (ou só os brancos, para os mais entusiasmados) eram mais evoluídos que pretos e vermelhos. A teoria seguinte (entrando já no século XX) estipulou que o comportamento é totalmente determinado pela cultura, sendo esta independente da biologia. Infelizmente, esta reformulação (para além de também estar errada) não responde à pergunta inicial: Porque há culturas com mais sucesso material que outras? De facto, não era a pergunta respondida como nem era sequer mencionada, dado que poderia levantar a suspeita que a mera questão insinuava que a superioridade tecnológica relacionava-se com o julgamento moral que uma cultura mais evoluída era "melhor" que uma menos evoluída. No entanto, é inegável que há culturas que obtém melhores condições de vida para os seus membros. E dizer que essa diferenciação é um produto do acaso é simplesmente uma outra forma de esconder o problema no tapete do politicamente correcto.

Mais recentemente, estudiosos como o economista Thomas Sowell e o psicólogo Jared Diamond, apresentaram uma outra proposta. Eles argumentam que a História não é só um palimpsesto de factos mais ou menos inesperados em sequência temporal. O destino das civilizações não depende da raça ou da sorte mas sim da capacidade humana de adoptar inovações externas combinada com as vicissitudes da geografia e da ecologia. [cont.]

setembro 24, 2004

Convergência II

É a individualidade um facto ou uma máscara? É um direito ético ou algo adquirido pela cultura humanista? Devo lutar porque sou pessoa ou porque tenho o direito a sê-lo?

setembro 23, 2004

Convergência

Somos o intervalo desde a percepção do momento à escolha do comportamento. Com o acelerar dos tempos, com a crescente necessidade de respostas rápidas, esse intervalo cada vez é mais pequeno. Ou seja, isto está a ficar apertado!

setembro 21, 2004

Cultura e Geografia (parte I)

(baseado no 4º capítulo do livro "The Black Slate" de Steven Pinker)

A cultura é um conjunto de inovações sociais e tecnologias acumuladas no processo histórico que nos ajuda a viver as nossas vidas. A cultura não é uma colecção arbitrária de regras e símbolos com o objectivo de modelar homens e mulheres.

Esta ideia é útil para entender porque diferentes culturas parecem tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais. Quando um grupo se separa da sua comunidade e os laços são cortados (por um acidente geográfico, por hostilidades prolongadas), não existe forma de difundir inovações entre os lados. À medida que cada grupo elabora o seu conjunto de descobertas e convenções, há uma progressiva divergência que produz duas culturas diferentes. Esta ramificação é facilmente visível na evolução das linguagens. Também Darwin tinha utilizado este exemplo como comparação à evolução natural. Normalmente, quanto mais próxima no tempo for a separação, mais próximas são as culturas.

As raízes psicológicas da cultura podem explicar porque alguns hábitos mudam mais facilmente que outros. Algumas práticas colectivas possuem uma inércia enorme porque impõem um custo pessoal muito elevado ao primeiro indivíduo que tentar mudá-las (as religiões estão repletas de exemplos). Outras mudanças só são possíveis por um acordo tácito da própria comunidade (como passar a conduzir à direita em Inglaterra).

Mas as culturas mudam, por vezes, de forma drástica. No Ocidente actual, a preservação da cultura tradicional é considerada uma grande virtude. Porém, muitas culturas não têm a mesma opinião. Quando há uma percepção generalizada que um outro comportamento social é melhor que o tradicional, as culturas absorvem, plagiam, copiam elementos do exterior com uma velocidade surpreendente (a febre dos telemóveis em Portugal...). As culturas não são monólitos parados no tempo, são porosas, possuem uma dinâmica permanente. O mesmo se passa com a linguagem: apesar da eterna lamentação dos puristas e das ameaças das respectivas academias, nenhuma linguagem actual se manteve igual por cem anos. Também as cozinhas tradicionais possuem raízes muito superficiais: as batatas na Europa, os tomates na Itália ou as malaguetas na Índia vêm de plantas do Novo Mundo. [cont.]

setembro 20, 2004

Fronteiras V

Será o livre arbítrio a contingência do que (ainda) não sabemos?

setembro 17, 2004

Glossolalia

O episódio biblico da Torre de Babel relata como os descendentes de Noé desafiaram o poder de Deus, ao iniciar uma construção para atingir os céus. Para impedir tal esforço, Deus deu a cada homem uma lingua diferente, impossibilitando a comunicação e, assim, malogrando o projecto. Fica a dúvida de saber se o castigo se deveria ao pecado da soberba ou teve o intuito de minar a confiança do homem na sua própria capacidade. Mas o castigo trouxera algo positivo: a variedade linguistica destruida no Dilúvio. De um acto fanático de poder surgira uma semente de diversidade e uma renovada força. Não são os deuses a escrever direito por linhas tortas. Nós é que lemos qualquer tipo de folha.
A construção da Torre de Babel
A Torre de Babel - Peter Breugel

ps: Este mito, aparentemente, derivou da construção de um enorme zigurat, na cidade da Babilónia, cuja construção foi retida por uma insurgência social. No século VI a.C., o Rei Nabucodonosor concluiu a construção desse zigurat (tinha noventa metros de altura numa base de um hectare) terminando a famosa "Torre de Babel".

setembro 15, 2004

Contacto

O sentido só se obtém através de negociação e subsequente partilha. No nada só há ausência, no início só possibilidade. É na necessidade do outro que o meu se cumpre.

setembro 13, 2004

Forma

Magritte (1933)
A Resposta Imprevista - Magritte

Nem sempre a resposta é na forma dessa tua pergunta.

setembro 09, 2004

Back from the Future (IV)

Metropolis"Tudo começou com as unidades móveis de comunicação. Na espiral de mercado, esta tecnologia incorporou uma crescente gama de equipamentos que nada tinham a ver com o objectivo inicial de telefonar. As imagens em tempo real provocaram os primeiros impactos nas relações humanas mais instáveis, era agora possível exigir ao outro que mostrasse onde se encontrava num dado momento. Com a incorporação de sistemas de localização por satélite, o controlo tornou-se invisível e permanente. Alguém obsessivamente ciumento podia monitorar cada metro percorrido do conjugue. Mas o indivíduo ainda era capaz de desligar a sua unidade e tornar-se novamente anónimo. Não durou muito. Rapidamente, num contexto de combate ao medo e à crescente necessidade de segurança que permearam a vivência da sociedade de consumo dos séculos XXI e XXII, foram adoptados mecanismos biométricos generalizados (retina, DNA, padrões de feromonas). As unidades pessoais (cada cidadão estava obrigado por lei a usar uma) podia identificar a posição de todos que por ela se cruzavam ao mesmo tempo que controlava a situação do seu proprietário. A vantagem? Qualquer acidente, qualquer violência ou problema era instantaneamente assinalado e identificado. A corrupção e o crime quase desapareceram. A desvantagem? Mesmo desligando a própria unidade, já não se podia fugir ao 'controle protector' da sociedade. As poucas críticas que se levantaram, as Cassandras do seu tempo, não tiveram (nunca têm) suficiente força. Depois de duas, três gerações, o sistema de protecção tornou-se padrão, o cordão umbilical que a maioria temia perder. Muitos turistas, visitantes de locais inóspitos, sofriam a privação desse véu de segurança ubíquo que os mantinha seguros na Europa, na América, no Japão ou na China desenvolvida. [...] Em 1948, George Orwell escreveu um romance sobre uma sociedade omnipresente, baseada numa tecnologia de controle capaz de esmagar a liberdade individual para motivar valores e objectivos colectivos. Cento e cinquenta anos depois, por um caminho diferente do temido por Orwell (a via do totalitarismo), os cidadãos do Primeiro Mundo encontraram-se num cenário demasiado semelhante. Só que o caminho foi demasiado suave. Cada alteração, cada porta agora aberta, fora suficiente lenta para ocorrer despercebida. Como a face que não se olha ao espelho até nele ver o rosto do horror." - Sinh Naltaen, "O Degenerar da Segurança: 2001-2193", 2ª Ed.

setembro 08, 2004

Aos Georges Bushes (XI)

Alimentar o medo tem efeitos inesperados. O medo é menos dócil que um leão enfurecido.

setembro 06, 2004

Comparações

A Fé está para a Eucaristia como a Ética para a Justiça. Sem a primeira, a segunda nada significa.

setembro 03, 2004

Erros nossos

Nós como Humanidade temos a subtil missão de cometer todos os erros possíveis, sejam eles de mão, mente ou coração. A tragédia é não falarmos uns com os outros para que não ocorram mais de uma vez.

setembro 01, 2004

Necessidades

Uma enciclopédia é um edifício de explicações cujas entradas se constróem de entradas mais antigas. Um dicionário é uma rede de significados onde cada termo altera subtilmente termos próximos e opostos. A enciclopédia, uma síntese, um efeito dominó de ignorância e erro humano. O dicionário, um labirinto que se sustenta a si próprio, para sempre e irremediavelmente incoerente. Fazem-me tanta falta os dois...