O Espirito das Leis
"Holocausto: o esquecimento da exterminação faz parte da exterminação" - Baudrillard
O livro de Richard Miller, A Justiça Nazi (Editorial Notícias), contém uma apologia inicial denominada "O Espirito das Leis". Ele comenta o Direito nazi. Os nazis eram muito cuidadosos com o cumprimento das leis. Das suas leis. Do topo da montanha burocrática, muito do pessoal administrativo, juizes, advogados e outros ligados ao aparelho do Estado, cumpriam procedimentos hediondos e sentiam que os cumpriam segundo o espirito da Lei. Em cada decreto, as assinaturas eram escritas de consciência tranquila, na estrita obediência ao código. As consequentes acções, levadas a cabo por agentes do regime ("ordens são ordens" - a ubíqua e milagrosa frase que redime o gesto) eram por sua vez facilitadas pela obrigação moral própria do povo Alemão, para o qual a desobediência civil era um conceito estranho.
Foi esta preocupação de assegurar as acções, por mais questionáveis que fossem, por um muro protector de leis e regulamentos, que ironicamente serviu de arma para os acusadores de Nuremberga. Estes conheciam melhor o espirito das leis. O Direito não existe independentemente das pessoas que nele acreditam. Miller dá um excelente exemplo: durante uma missa católica romana, os fieis assistem e participam num milagre (o milagre da transubstanciação). Se um conjunto de ateus se reunisse e repetisse - até ao mais ínfimo detalhe - o mesmo conjunto de ritos, o acto não teria qualquer significado. Os nazis eram ateus jurídicos. Reproduziram o sistema legal que os antecedeu, mas esvaziaram o seu significado. Os tribunais não eram mais válidos que a missa imitada, mas providenciaram o sentimento de segurança e conforto que os cidadãos de uma nação habituada a um Estado de Direito, necessitam. Talvez os novos padres falassem com um sotaque estranho, mas repetiam os mesmo ritos e pareciam respeitar as mesmas tradições. A congregação, assim, mantinha-se tranquila. Ninguém pensava abandonar a Igreja. Só que a Igreja já não existia...
Os nazis acreditaram na Lei como um meio para atingir um qualquer fim. Mas o Direito não pode existir sem uma Ética válida, sem a protecção dos indivíduos que sustentam esse mesmo Direito. Se um tribunal é realizado por pessoas que não acreditam nisto, deixa de ser um exercício de justiça. Passa a ser uma farsa, um terrível instrumento de opressão. Os nazis não escreveram e respeitaram leis: arquitectaram e cometeram crimes.
O livro de Richard Miller, A Justiça Nazi (Editorial Notícias), contém uma apologia inicial denominada "O Espirito das Leis". Ele comenta o Direito nazi. Os nazis eram muito cuidadosos com o cumprimento das leis. Das suas leis. Do topo da montanha burocrática, muito do pessoal administrativo, juizes, advogados e outros ligados ao aparelho do Estado, cumpriam procedimentos hediondos e sentiam que os cumpriam segundo o espirito da Lei. Em cada decreto, as assinaturas eram escritas de consciência tranquila, na estrita obediência ao código. As consequentes acções, levadas a cabo por agentes do regime ("ordens são ordens" - a ubíqua e milagrosa frase que redime o gesto) eram por sua vez facilitadas pela obrigação moral própria do povo Alemão, para o qual a desobediência civil era um conceito estranho.
Foi esta preocupação de assegurar as acções, por mais questionáveis que fossem, por um muro protector de leis e regulamentos, que ironicamente serviu de arma para os acusadores de Nuremberga. Estes conheciam melhor o espirito das leis. O Direito não existe independentemente das pessoas que nele acreditam. Miller dá um excelente exemplo: durante uma missa católica romana, os fieis assistem e participam num milagre (o milagre da transubstanciação). Se um conjunto de ateus se reunisse e repetisse - até ao mais ínfimo detalhe - o mesmo conjunto de ritos, o acto não teria qualquer significado. Os nazis eram ateus jurídicos. Reproduziram o sistema legal que os antecedeu, mas esvaziaram o seu significado. Os tribunais não eram mais válidos que a missa imitada, mas providenciaram o sentimento de segurança e conforto que os cidadãos de uma nação habituada a um Estado de Direito, necessitam. Talvez os novos padres falassem com um sotaque estranho, mas repetiam os mesmo ritos e pareciam respeitar as mesmas tradições. A congregação, assim, mantinha-se tranquila. Ninguém pensava abandonar a Igreja. Só que a Igreja já não existia...
Os nazis acreditaram na Lei como um meio para atingir um qualquer fim. Mas o Direito não pode existir sem uma Ética válida, sem a protecção dos indivíduos que sustentam esse mesmo Direito. Se um tribunal é realizado por pessoas que não acreditam nisto, deixa de ser um exercício de justiça. Passa a ser uma farsa, um terrível instrumento de opressão. Os nazis não escreveram e respeitaram leis: arquitectaram e cometeram crimes.
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