O que têm as dores de cabeça a ver com o livre arbítrio? Ora bem, eu
tenho uma valente dor de cabeça e estou em casa, em silêncio, na
esperança dela se ir embora. Tocam à porta. É o meu vizinho a
pedir-me uma cebola para o refogado. Falo da maleita que me aflige e logo começa a argumentar que as dores de cabeça não existem. Elas não são
detectadas nas ressonâncias magnéticas, não existem modelos científicos
que as justificam (imaginemos que é verdade) e etc e tal. É uma
ilusão, afirma. E assim aplica todo o seu arsenal argumentativo e o
vasto conhecimento científico sobre o assunto (imaginemos que é
neurologista) nesta sua posição. O que ganho com tudo isto
para além de me aumentar ainda mais a dor de cabeça?
Uma dor de cabeça pode ser um fenómeno 100% mental, uma forma da mente
interpretar um determinado estado do cérebro ou nem isso. O que significa afirmar
que as dores de cabeça não existem porque não interagem, para todos os
efeitos práticos, com o mundo exterior? Se eu acredito que tenho uma dor
de cabeça, não me faz isso ter uma dor de cabeça? O que se pode
argumentar contra o óbvio da própria experiência mental de ter uma dor
de cabeça?
É-me atraente fazer a analogia com o livre arbítrio. Se o livre arbítrio
for também ele um fenómeno 100% mental, se eu achar que o tenho não me
faz isso tê-lo? Estas duas situações são totalmente diferentes de
afirmar que se eu acho que compreendo Teoria Quântica então eu sei
Teoria Quântica. Nos primeiros casos apenas é necessário introspeção. No
caso da Teoria Quântica é necessário validação. Lá por me convencer que
compreendo os fundamentos da Física subatómica não significa que
consiga desenvolver investigação na área ou sequer resolver os
exercícios mais simples de um livro introdutório sobre o assunto. A
convicção de eu saber algo sobre o mundo externo só é justificável se
realmente for capaz de interagir em conformidade com as crenças que
alimento.
Mas isso não acontece tanto na dor de cabeça como no livre arbítrio.
Pelo contrário, sendo processos inteiramente introspetivos, que ocorrem e
só fazem sentido no interior de cada mente, dificilmente o mundo
externo tem algo a dizer sobre o assunto. Para o mundo exterior, saber se um agente acredita que tem livre arbítrio apenas é relevante como informação que ajuda a explicar ou a prever o seu comportamento. Em termos ontológicos esta crença, bem como a de ter dores de cabeça, é inconsequente, nada adiciona nada retira.
O cartoon seguinte poderá fazer sentido do ponto de vista externo, mas não do ponto de vista interno. As únicas ilusões que eu posso alimentar são ilusões sobre o que se passa lá fora. Cá dentro, no labirinto de crenças internas que alimento e me alimenta, a crença de ter algo -- uma dor de cabeça, medo das alturas, amor à minha família, ansiedade, nostalgia, livre escolha -- é esse algo.